Foto do(a) blog

A disputa eleitoral nas redes sociais

Radicalização cresce no Telegram e grupos bolsonaristas pedem até 'contragolpe' no STF

Estudo revela troca de mensagens com desinformação sobre a covid-19 e existência de um suposto complô para fraudar a eleição, além de estratégias para escapar de monitoramento na plataforma

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

A radicalização nos grupos de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) no Telegram aumenta na medida em que a eleição se aproxima. Usuários do aplicativo de troca de mensagens chegam a pedir um "contragolpe" das Forças Armadas contra o Supremo Tribunal Federal (STF), além de adotar estratégias para escapar da moderação e do monitoramento de conteúdos na plataforma.

O relatório Democracia Digital, elaborado por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mostra a intensificação dos ataques à Corte desde junho, quando se tornaram mais frequentes as convocações para os atos de 7 de Setembro. Bolsonaro tem chamado reiteradamente apoiadores a participar das manifestações.

 

No Telegram, o Estadão detectou mensagens em grupos bolsonaristas que estimulam apoiadores do presidente a irem às ruas com faixas nas quais defendam a convocação das Forças Armadas para a elaboração de uma nova Constituição que criminalize o comunismo. Foto: Dado Ruvic/Reuters

PUBLICIDADE

No ano passado, o feriado da Independência ficou marcado pelo discurso inflamado do presidente contra ministros do Supremo, em São Paulo. Em junho deste ano, os pedidos de apoio ao voto impresso - principal pauta dos protestos de 2021 -, diminuíram significativamente para dar lugar a discursos de incitação a um golpe de Estado.

"Percebe-se um forte esforço para fomentar a percepção de ameaça e de vitimização, que justifica a necessidade de ação imediata", diz o relatório Democracia Digital. O presidente é um defensor do voto impresso e, mesmo sem apresentar provas, põe sob suspeita o sistema de votação eletrônica, ao afirmar que as urnas são passíveis de fraude. Bolsonaro tem se recusado, ainda, a dizer se reconhecerá o resultado do pleito, caso seja derrotado.

Publicidade

Print de conversa do Telegram detectado pelo Estadão. Ministro Alexandre de Moraes é constantemente menciona em grupos. Foto: Reprodução

O levantamento analisou conteúdos publicados entre o primeiro dia de janeiro e o último de junho deste ano. Foram mais de 6,4 milhões de mensagens coletadas em 156 grupos - onde é possível discutir assuntos entre usuários - e 479 canais do Telegram - que funcionam como listas de transmissão. Foram capturadas, ainda, 641 mil imagens no aplicativo. Segundo pesquisa Mobile Time/Opinion Box de fevereiro deste ano, o Telegram está instalado em 60% dos smartphones no Brasil. Em junho, se tornou o 4º aplicativo mais popular do Brasil em presença na homescreen (tela inicial do dispositivo).

Os pesquisadores desenvolveram um filtro para mensagens de texto com menção a termos específicos. Das 112.636 mensagens publicadas nesse formato em 145 grupos e 349 canais analisados, destacam-se desinformação sobre a covid-19 e a existência de um suposto complô para fraudar a eleição e impedir a vitória de Bolsonaro.

"O número de mensagens que estão aparecendo sobre o 7 de Setembro desde o início deste ano é muito maior do que no ano passado", diz Leonardo Nascimento, um dos coordenadores da pesquisa, produzida em parceria com Letícia Maria Cesarino e Paulo Fonseca.

Convocação

No Telegram, o Estadão detectou mensagens em grupos bolsonaristas que estimulam apoiadores do presidente a irem às ruas com faixas nas quais defendam a convocação das Forças Armadas para a elaboração de uma nova Constituição que criminalize o comunismo. Uma delas pede a destituição dos ministros do STF, com exceção de Kássio Nunes Marques e André Mendonça, ambos indicados por Bolsonaro.

Publicidade

As mensagens de convocação justificam que o Exército precisa executar um "contragolpe" para impedir que o PT e o Supremo deem um golpe de Estado por meio de uma fraude eleitoral. Hoje, Luiz Inácio Lula da Silva, petista e ex-presidente, lidera as pesquisas de intenções de voto na corrida pelo Palácio do Planalto.

Print de conversa do Telegram detectado pelo Estadão. Grupos bolsonaristas afirmam que o STF já deu um golpe. Foto: Reprodução

PUBLICIDADE

Uma das mensagens afirma, ainda, que o País estaria em marcha para um "golpe nas eleições". "É isso mesmo? Será que ninguém percebe que um Poder há muito tempo já arregaçou com a nossa Constituição e não está nem aí com as quatros linhas?", questiona, em referência à expressão futebolística usada por Bolsonaro de que ele atua dentro das regras constitucionais. "(O dia) 7 de Setembro será nossa última chance", diz o texto.

A professora de Comunicação, Mídia e Democracia da Universidade de Glasgow Patrícia Rossini diz que grupos políticos muito ativos e radicalizados seguem a lógica de transmissão do conteúdo para outros círculos, a fim de furar as bolhas do mundo digital. "São mensagens fortes e preocupantes do ponto de vista do ataque à democracia que podem chegar a grupos de família, amigos de confiança, que a maioria dos brasileiros está em pelo menos um", afirma.

Estratégias

Em março deste ano, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, chegou a determinar a suspensão "completa e integral" do aplicativo de troca de mensagens russo, por descumprimento de medidas judiciais anteriores, que exigiam ações como o bloqueio de perfis ligados ao blogueiro bolsonarista Allan do Santos. Após a plataforma cumprir as medidas que haviam sido ordenadas, Moraes revogou a suspensão.

Publicidade

O aplicativo firmou um memorando de entendimento com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em abril. Das medidas tomadas para conter a disseminação de notícias falsas, o Telegram passou a monitorar diária e manualmente os cem canais mais populares do Brasil. Segundo a empresa, eles são responsáveis por 95% de todas as visualizações de mensagens públicas do aplicativo no País.

No entanto, para driblar a moderação, há grupos que cifram as mensagens, mostra o relatório. O "supergrupo B-38 oficial", um dos principais aglomerados de apoiadores de Bolsonaro no Telegram, já foi suspenso em maio deste ano até que moderadores removessem um conteúdo ilegal. Desde que retomou as atividades no dia seguinte, usa um recurso automático de remoção das mensagens após 24 horas.

O estudo detectou também que há grupos que mudaram de nome mais de uma vez, realizaram eventos de apagamento de milhares de mensagens e restringiram o acesso, tornando-os privados e apenas possível de acessá-los por convite.

Outra ação adotada foi o uso de substituição de palavras-chave por códigos. Em vez de escrever STF, urnas eletrônicas ou até nomes de ministros com letras do alfabeto latino, usuários optam por mudar o S por $ e o A por 4, por exemplo. Com isso, os conteúdos ficam mais difíceis de serem encontrados em buscas ou por moderadores da plataforma. O mesmo recurso é usado por usuários do YouTube - site de exibição de vídeos - para fugir da moderação automática de conteúdo.

Recirculação

Publicidade

O YouTube lidera, em termos de links, os endereços divulgados no Telegram para redirecionar a outro conteúdo. Foram mais de 530 mil links gerados que levaram à rede.

Para Leonardo Nascimento, da UFBA, essa recirculação mostra que o desafio imposto pela desinformação é multiplataforma. "O problema não é o Telegram, mas o ecossistema de desinformação", disse.

"Esforços individuais de plataformas específicas não vão resolver o problema da desinformação. É preciso esforços multiplataformas, com especialistas do governo e da academia analisando e, se possível, de maneira transnacional."

O analista de dados do Rooted in Trust Brazil e pesquisador do Instituto Nacional de Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD) João Guilherme dos Santos vê facilidades na distribuição de desinformação quando o Telegram atua com o WhatsApp ou replica conteúdos do YouTube. "É muito importante entender o Telegram não como algo isolado, mas como uma peça, uma engrenagem dentro de uma arma", diz.

Procurado, o Telegram não respondeu até a publicação desta reportagem. /Levy Teles e Gustavo Queiroz

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.