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A disputa eleitoral nas redes sociais

Apoiadores de Bolsonaro intensificam no Telegram teoria de fraude usada por trumpistas contra Biden

Mensagens dizem que presidente será eleito em primeiro turno, questionam urnas eletrônicas e atacam pesquisas eleitorais

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Por Levy Teles
Atualização:

Na reta final da campanha presidencial, grupos bolsonaristas no Telegram têm espalhado, sem provas, mensagens sobre um processo de fraude eleitoral em curso para impedir a vitória de Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, ainda em primeiro turno. Segundo especialistas em monitoramento de redes sociais, o movimento se assemelha ao episódio americano de 2020, quando o então presidente Donald Trump acusou o Partido Democrata de manipular o resultado das urnas para eleger Joe Biden. O republicano pedia a apoiadores que impedissem o suposto "roubo" nas urnas.

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Parte da retórica também já é usada no Brasil tanto pelo chefe do Executivo como por membros do governo. O plano envolve negar os resultados de pesquisas eleitorais e dizer que há um conluio do principal adversário, o PT, e seu candidato, Luiz Inácio Lula da Silva, com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para eleger seus candidatos tanto para o Planalto como para os governos estaduais e Legislativos.

Mensagem em grupo bolsonarista no Telegram hostiliza o ministro do STF e presidente do TSE, Alexandre de Moraes. Foto: Reprodução

 

Levantamento feito a pedido do Estadão pelo Laboratório de Humanidades Digitais da Universidade Federal da Bahia (LABHD/UFBA), em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o InternetLab, mostra que, nos últimos 90 dias, uma em cada quatro mensagens (26%) sobre eleições em grupos bolsonaristas no Telegram citam termos relacionados à fraude eleitoral -- o principal assunto mencionado ao falar sobre o pleito no País.

Foram 56,7 mil mensagens compartilhadas de janeiro até o dia 20 de setembro deste ano nos 185 grupos e 524 canais (que funcionam como listas de transmissão) monitorados pela equipe. Foram registradas menções à fraude em 164 grupos e 293 canais. Os dados exibem, ainda, um viés de crescimento dos disparos desde junho até alcançar um pico diário em setembro. Em agosto, por exemplo, foram 7.892 mensagens e em setembro já são 5.734. Procurado, o Telegram não respondeu.

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O teor das mensagens pede que os seguidores "não aceitem passivamente" o resultado da eleição e instiguem as Forças Armadas a atuar em caso de qualquer cenário que não eleja Bolsonaro. Usuários afirmam categoricamente que o atual presidente vai vencer Lula no dia 2 de outubro com mais de 60% dos votos válidos. Pesquisas eleitorais, no entanto, mostram que o petista está à frente e há a possibilidade de ele vencer a eleição no primeiro turno.

"Não somos os seguidores de Trump. Eles que não se atrevam a roubar os votos do presidente Bolsonaro que já está reeleito no primeiro turno", diz uma mensagem, em circulação em um grupo com mais de 60 mil membros no Telegram. O mesmo texto afirma que, se o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do TSE, Alexandre de Moraes, disser em rede nacional que Bolsonaro não saiu vencedor no dia 2 de outubro, ele terá de morar em Cuba. "Não serão meia dúzia de canetas que dominarão milhões de verdadeiros brasileiros", diz.

Usuários em grupos bolsonaristas no Telegram repetem ataques às urnas eletrônicas e às pesquisas eleitorais. 'Aqui não são os seguidores de Trump. O buraco aqui é mais embaixo', diz uma mensagem. Foto: Reprodução

No domingo passado, o presidente reverberou discurso semelhante. "Eu digo: se eu tiver menos de 60% dos votos, algo de anormal aconteceu no TSE, tendo em vista obviamente o 'Datapovo' que você mede pela quantidade de pessoas que não só vão nos meus eventos bem como nos recepcionam ao longo do percurso até chegar ao local do evento", afirmou Bolsonaro, em Londres, durante visita ao funeral da rainha Elizabeth II. No dia seguinte, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, contestou, nas redes sociais, a credibilidade do Ipec em razão da vantagem de Lula. De acordo com ele, "a população vai cobrar o fechamento desse instituto".

Outra mensagem encontrada pelo Estadão no Telegram mostra ataques às urnas eletrônicas e às pesquisas. "Acabou essa tática descarada e antiga de legitimar essas urnas fraudulentas com pesquisas falsas! Aqui não são os seguidores de Trump. O buraco aqui é mais embaixo... E somos milhões!", diz o texto divulgado em grupo com 44 mil usuários e em outro com 34 mil.

Essa movimentação preocupa especialistas. "Há uma tônica presente de construção da desconfiança do sistema eleitoral e a associação com uma fraude deliberada para retirar Bolsonaro do poder. E isso pode ser usado para mobilizar as pessoas a repetirem o Capitólio", disse Paulo Fonseca, doutor em Sociologia e pesquisador do LABHD/UFBA, que coordenou o levantamento com Leonardo Nascimento e Letícia Cesarino.

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Durante a invasão do Capitólio, em Washington, no dia 6 de janeiro de 2021 -- data da formalização da vitória de Biden --, cinco pessoas morreram. A retórica de fraude, sem provas, perdura nos Estados Unidos e mantém o domínio de Trump sobre o Partido Republicano para uma eventual candidatura em 2024. "Tenho fundado receio de que ocorrerá o mesmo que nos EUA, onde as FFAA (Forças Armadas) se negaram a intervir a favor de Trump mesmo sabendo que havia ocorrido descarada fraude", diz outra mensagem em circulação.

 

O presidente Jair Bolsonaro esteve em Londres no fim de semana e reverberou as falas de bolsonaristas no Telegram. Foto: Jonathan Hordle/AFP

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Como revelou o Estadão, grupos bolsonaristas usaram o WhatsApp e o Telegram já durante o 7 de Setembro para insistir na tese de que uma fraude vai ocorrer no primeiro turno. O Dia da Independência e o dia 12 de setembro, quando o jornal Folha de S.Paulo publicou reportagem sobre uma espécie de apuração paralela pelas Forças Armadas, representaram os últimos dois picos de publicação de mensagens sobre manipulação eleitoral nos últimos 90 dias.

A antropóloga Isabela Kalil, pesquisadora do Observatório da Extrema Direita, diz que Bolsonaro segue a mesma cartilha do ex-presidente americano, de quem é confesso admirador. "Trump já dava sinais disso (discurso de fraude antes das eleições) e não foi uma surpresa o reforço. Bolsonaro faz o mesmo quando, por exemplo, convocou os embaixadores para uma reunião sobre as urnas eletrônicas."

Usuários resgatam os acontecimentos durante a eleição presidencial americana em 2020 para falar de uma suposta fraude eleitoral no Brasil. 

Kalil menciona três condições para que possa viabilizar um processo agressivo contra o voto, como foi a invasão do Capitólio nos Estados Unidos: a autorização do chefe de Estado, a atuação de forças de segurança e a disposição de grupos extremistas para se engajar nesses eventos. A antropóloga destaca a última como a mais imprevisível. "Ninguém controla os grupos extremistas. Nem mesmo o chefe de Estado. Podemos ter grupos pequenos de civis, paramilitares, milícias ou até insurgência das forças de segurança pública. Pode ser um número muito reduzido de pessoas, mas preocupa muito porque terão armas e se sentirão legitimados a agir", afirmou.

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