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Como a conjuntura do País afeta o ambiente público e o empresarial

Aposte um placar! O IRPF e a proposta de reforma tributária

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Por Redação
Atualização:

Fabiano Maury Raupp, Doutor em Administração (UFBA). Professor Associado do Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas (Esag) da Udesc. É líder do Núcleo de Estudos para o Desenvolvimento de Instrumentos Contábeis e Financeiros e membro do Observatório de Finanças Públicas (Ofip)

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Elaine Cristina de Oliveira Menezes, Doutora em Sociologia Política (UFSC). Professora Adjunta do Curso de Administração Pública e do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável da UFPR. Membro do Observatório de Finanças Públicas (Ofip)

Denise Ribeiro de Almeida, Doutora em Administração (UFBA). Professora Associada da Escola de Administração (Ea) da UFBA. É vice-líder do Observatório de Finanças Públicas (Ofip)

Ana Rita Silva Sacramento, Doutora em Administração (UFBA). Professora Adjunta da Escola de Administração (Ea) da UFBA. É líder do Observatório de Finanças Públicas (Ofip)

É inegável que a Proposta de Reforma Tributária tem suscitado muitas discussões. Há quem defenda e quem seja contra a proposta, no todo ou em parte. O fato é que há pontos polêmicos e que merecem discussão, havendo focos de debate nas mudanças propostas para as pessoas físicas, jurídicas e investidores. Estas três frentes representam os destaques da última proposta do Governo, aquela que foi enviada à Câmara dos Deputados em 25 de junho, o PL n. 2337/2021 [1]. Em uma alusão ao futebol, não é demais lembrar que tal proposta consiste na segunda fase de um "campeonato" [2] iniciado em 2020 (PL n. 3887/2020 [3]).

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Neste artigo direcionamos nossa atenção às mudanças que repercutem de forma mais direta possível no bolso das pessoas físicas, trazendo os principais destaques da proposta desta frente, sem desmerecer a importância das duas outras que serão objeto de artigos futuros. Necessário se faz mencionar que o Imposto de Renda - IR é um imposto que incide sobre as remunerações geradas no sistema econômico (salários, lucros, juros, dividendos e aluguéis) (GIAMBIAGI; ALÉM, 2008). No caso em tela, o Imposto de Renda da Pessoa Física - IRPF é cobrado em base pessoal, com isenções e alíquotas progressivas, determinadas pelas características individuais de cada contribuinte. "O IRPF apresenta as vantagens de se basear em uma medida abrangente da capacidade de pagamento e de permitir uma adaptação às características pessoais do contribuinte" (GIAMBIAGI; ALÉM, 2008, p. 26) [4].

No Brasil a carga tributária tem sido considerada regressiva por excelência, ou seja, incide da mesma forma sobre todos os contribuintes, e quem ganha menos paga mais proporcionalmente à sua renda. No que, então, a proposta do PL n. 2337/2021 modifica a situação atual? Dentre as principais mudanças para as pessoas físicas citamos: atualização da tabela progressiva; opção para atualizar o valor de bens imóveis; e taxação sobre a distribuição de lucros e dividendos. A primeira medida é a atualização da tabela progressiva, aumentando o valor da faixa de isenção, conforme Tabela 1:

Tabela 1: Proposta de atualização da Tabela - PL n. 2337/2021

 Foto: Estadão

Observa-se que o número de faixas permanece o mesmo, ou seja, apenas 5. A faixa de isenção sobe de R$ 1.903,98 para R$ 2,5 mil, representando uma correção de 31%. As demais faixas do IR também foram ajustadas, porém, em menor proporção, aproximadamente 13%. Já o uso do desconto simplificado na declaração do IR será limitado, sendo que quem tem renda acima de R$ 40 mil por ano não poderá optar pelo desconto simplificado na declaração anual do IR [5].

Especificamente em relação à mudança nos valores das faixas indicadas na tabela anterior, parece oportuno apontarmos, segundo CNN [7], que o nível de correção segue defasado (31,3%) em relação a inflação acumulada desde a última correção que se deu em abril de 2015, percentual esse que seria de 36,0%. Em outras palavras, na prática isso significa que menos contribuintes efetivamente se beneficiarão do reajuste dos valores das faixas, o que propicia um maior nível de arrecadação por parte do Estado. Já o desconto simplificado, segundo dados apresentados por Guedes (2021) [6], foi criado para facilitar o preenchimento da declaração, mantendo a simplificação para pessoas com menor renda. Além disso, a medida poderá estimular o contribuinte a demandar nota fiscal, aumentando assim a arrecadação.

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Em se tratando da atualização de imóveis, no atual sistema estes são declarados e mantidos pelo valor original. Ao vender o bem, o cidadão precisa pagar entre 15% e 22,5% de imposto sobre o ganho de capital. Na nova proposta será permitido atualizar os valores patrimoniais, com incidência de 5% de imposto sobre a diferença. Já em relação à previsão de taxas sobre a distribuição de lucros e dividendos, no atual sistema são isentas, medida adotada desde 1995. Na nova proposta está prevista uma tributação de 20% na fonte. E é aqui exatamente onde está o "lance mais polêmico da partida", pois a proposta ousou lançar luz para a interessantíssima controvérsia, qual seja, a distinção entre os patrimônios das empresas e dos sócios.

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Mas, afinal, o que esperar da proposta de Reforma Tributária para as pessoas físicas? No sistema tributário nacional a regressividade é uma das distorções que contribuem para redução da renda das famílias, contidas nos impostos indiretos (IPI, ICMS, ISS, PIS e COFINS). Além da regressividade, há problemas no quadro dos tributos diretos que limitam a capacidade desses melhorarem a distribuição de renda. Dentre eles o potencial de progressividade do sistema tributário brasileiro, ou seja, capacidade de que o contribuinte que ganha mais seja tributado com alíquotas mais elevadas, é reduzido pela baixa participação do IRPF no total da carga tributária. Em sendo essa forma subtributada, o peso maior dos tributos fica reservado a outras formas, em especial sobre folha de pagamento (AFONSO; CASTRO, 2020) [8].  Tais aspectos reforçam que as isenções e deduções têm prejudicado a capacidade arrecadatória do sistema, como é o caso de lucros e dividendos.

Por outro lado, um aspecto que deverá ser preservado na atual proposta é o distributivo. A desigualdade de riqueza é alta na América Latina, especialmente no Brasil que, conforme Global Wealth Report (2021), possui um dos maiores níveis de desigualdade no mundo. Seu coeficiente de Gini de riqueza em 2020 era 89,0, acima dos 84,7 em 2000. A parcela de riqueza do 1% do topo é agora 49,6% contra 44,2% em 2000. Esses dados parecem ser relevantes no debate a ser realizado pelos congressistas [9].

No quadro dos prós e contras da reforma IRPF temos que observar que a matéria é complexa e altera vários dispositivos da legislação e isso enseja discussão cuidadosa e aprofundada no Congresso Nacional, exigindo acompanhamento atento da sociedade. Destacamos que em alguns aspectos a proposta é meritória, buscando promover a equidade e melhorar a distribuição de renda, além de aproximar o Brasil de práticas internacionais, segundo especialista da Instituição Fiscal Independente - IFI [10]. Contudo, aspectos controversos como o aumento da complexidade da administração tributária e da fiscalização também são abordados como possíveis prejuízos advindos da proposta, que ao aumentar o incentivo ao planejamento tributário das empresas, deve fazer com que os contribuintes não fiquem passivos às mudanças, ainda segundo especialista da IFI [10].

É preciso que haja realização de estudos técnicos que possam avaliar impactos dessas mudanças no volume de arrecadação e como será realizada a distribuição desses recursos. Retomando a analogia entre o futebol e a proposta de Reforma Tributária [2], neste jogo específico que tem o IRRF como um dos times em campo representando a sociedade, cujo adversário é a injustiça fiscal, existirá a possibilidade de resultar em um 3X0 para sociedade? Vejamos: Os dois gols possíveis de serem marcados sem que a injustiça fiscal possa se defender estariam representados na proposta pela: (i) atualização dos valores da tabela - muito embora ainda longe de contemplar a progressividade tão almejada, vez que o número de faixas permanece inalterado - e; (ii) pela possibilidade de atualização dos valores dos bens imóveis - ainda que com incidência dos 5% de imposto sobre a diferença. Por outro lado, não há qualquer garantia quanto ao representado pela taxação sobre a distribuição de lucros e dividendos. Neste caso, a "zaga" adversária parece melhor posicionada e não se sabe qual será o posicionamento do VAR .  Faça sua aposta!

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[1] BRASIL. Projeto de Lei n. 2337/2021. Altera a legislação do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza das Pessoas Físicas e das Pessoas Jurídicas e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2034420 Acesso em: 12 jul. 2021.

[2] SACRAMENTO, A. R. S et al. Bola Rolando: uma Analogia entre o Futebol e a Proposta de Reforma Tributária. ESTADÃO. Blog Gestão, Política e Sociedade. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/bola-rolando-uma-analogia-entre-o-futebol-e-a-proposta-de-reforma-tributaria/ Acesso em: 13 jul. 2021.

[3] BRASIL. Projeto de Lei n. 3887/2020. Institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços - CBS, e altera a legislação tributária federal. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1914962&filename=PL+3887/2020 Acesso em: 12 jul. 2021.

[4] GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. C. Finanças Públicas: teoria e prática no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

[5] MARTELLO, A. Mudanças no Imposto de Renda: veja os principais pontos da proposta do governo. G1 Economia. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/06/25/reforma-do-imposto-de-renda-veja-os-principais-pontos-da-proposta-do-governo.ghtml Acesso em: 12 jul. 2021.

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[6] GUEDES, P. R. N. Reforma Tributária (2 fase). Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/apresentacoes/2021/reforma-tributaria-jun-2021-4-1.pdf Acesso em: 13 jul. 2021.

[7]CNN Business.  Nova tabela de IR proposta pelo governo está defasada em até R$ 1.000. Disponível: https://www.cnnbrasil.com.br/business/2021/07/05/reforma-tributaria-quem-pode-pagar-mais-ou-menos-imposto . Acesso em: 13 jul. 2021

[8] AFONSO, J. R. R.; CASTRO, K. P. de. Receitas tributárias: desempenho e distorções. In: SALTO, F.; PELLEGRINI, J. A. (Org). Contas Públicas no Brasil. São Paulo: saraiva, 2020.

[9] CREDIT SUISSE. Global Wealth Report 2021. Disponível em: file:///Users/eoliveira/Downloads/global-wealth-report-2021-en.pdf. Acesso em: 08 jul. 2021.

[10] RÁDIO SENADO. Alexandre Andrade explica a proposta de mudança na tabela do imposto de renda. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/primeiro-item/2021/07/12/alexandre-andrade-explica-proposta-de-mudanca-na-tabela-do-imposto-de-renda. Acesso em: 13 jul. 2021.

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