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Volks reconhece 'cumplicidade' com repressão no Brasil e fecha acordo de R$ 36 mi com Ministério Público para reparação e promoção de direitos humanos

Termo de Ajustamento de Conduta prevê que gigante alemã assuma compromisso de destinar valor a ex-trabalhadores da empresa que foram presos, perseguidos ou torturados durante o regime militar, entre 1964 e 1985

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Por Fausto Macedo e Paulo Roberto Netto
Atualização:

A Volkswagen do Brasil firmou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público Federal, Estadual e do Trabalho para destinar R$ 36,3 milhões a ex-trabalhadores da empresa presos, perseguidos ou torturados durante a ditadura militar (1964-1985) e a iniciativas de promoção de direitos humanos e difusos.

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O TAC é um acordo extrajudicial que estabelece obrigações à empresa para que não sejam propostas ações judiciais - no caso, processos que envolveriam a cumplicidade da companhia com os órgãos de repressão da ditadura. O acordo encerrará três inquéritos civis que tramitam na Justiça desde 2015.

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Os detalhes do acordo histórico estão sendo divulgados nesta quarta-feira, 23, simultaneamente no Brasil e na Alemanha, sede mundial da Volkswagen.

As apurações da Promotoria e das Procuradorias Federais e do Trabalho identificaram a colaboração da Volkswagen com a ditadura a partir de documentos, informações de testemunha, relatórios de pesquisadores.

Do montante total firmado no TAC, R$ 16,8 milhões serão doados à Associação Henrich Plagge, que congrega os trabalhadores da Volkswagen. O dinheiro será repartido entre os ex-funcionários que foram alvo de perseguições por suas orientações políticas, seguindo critérios definidos por um árbitro independente e sob a supervisão do MPT.

Outros R$ 10,5 milhões reforçarão políticas de Justiça de Transição, conjunto de medidas adotadas para o enfrentamento do passado ditatorial, como projetos que resgatam a memória sobre as violações aos direitos humanos e a resistência dos trabalhadores na época.

Uma dessas iniciativas é o Memorial da Luta por Justiça, desenvolvido pela seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP) e pelo Núcleo de Preservação da Memória Política (NPMP). O projeto receberá R$ 6 milhões dos R$ 10,5 milhóes, que serão destinados para a conclusão de sua implantação na sede da antiga auditoria militar em São Paulo.

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Os R$ 4,5 milhões restantes serão destinados à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) para o financiamento de novas pesquisas sobre a colaboração de empresas com a ditadura e para a identificação das ossadas de presos políticos encontradas em uma vala clandestina no cemitério de Perus, em 1990.

A Volkswagen também firmou o compromisso de pagar R$ 9 milhões aos Fundos Federal e Estadual de Defesa e Reparação de Direitos Difusos. A empresa publicará em jornais de grande circulação uma declaração pública a respeito do assunto.

Cavalaria da PM cerca a empresa em São Bernardo do Campo durante paralisação em 1979 Foto: Estadão

Um relatório sobre os fatos investigados envolvendo a empresa será publicado pelo Ministério Público. As medidas deverão ser cumpridas assim que os órgãos de controle confirmarem os arquivamentos dos inquéritos, o que deve ocorrer até o final do ano. A Procuradoria estima que os repasses devem ser efetuados em janeiro de 2021.

"O ajuste de condutas estabelecido nesta data é inédito na história brasileira e tem enorme importância na promoção da Justiça de Transição, no Brasil e no mundo. O enfrentamento do legado de violações aos direitos humanos praticadas por regimes ditatoriais é um imperativo moral e jurídico. Não se logra virar páginas ignóbeis da história sem plena revelação da verdade, reparação das vítimas, promoção da responsabilidade dos autores de graves violações aos direitos humanos, preservação e divulgação da memória e efetivação de reformas institucionais, sob pena de debilidade democrática e riscos de recorrência", afirmaram os representantes do MPF, do MP-SP e do MPT, em nota.

"O Brasil, infelizmente, segue como um caso notável de resistência à promoção ampla dessa agenda e, não por acaso, ecoam manifestações de desapreço às suas instituições democráticas. No mundo, por outro lado, são ainda raros os episódios de empresas que aceitam participar de um processo", apontam.

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'Irrestritamente leal'. Relatório encomendado pela própria Volkswagen ao pesquisador independente Christopher Kopper, professor da Universidade de Bielefeld, na Alemanha - e apresentado em 2017 apontou que a empresa foi 'irrestritamente leal ao governo militar' no Brasil e 'e compartilhou os seus objetivos econômicos e de política interna'.

Segundo o pesquisador, até 1979 a Volks mantinha um 'apoio irrestrito' à ditadura que não se limitava somente a declarações de lealdade pessoais. Em 1969, foi iniciada uma colaboração entre a segurança industrial da alemã e a polícia política do regime por meio do chefe do departamento de segurança industrial, Ademar Rudge, oficial das Forças Armadas.

"Ele agia por iniciativa própria, mas com o conhecimento tácito da diretoria", apontou Kopper. "Uma vez que não havia obrigação legal de informar sobre manifestações de opinião da oposição, o chefe da segurança industrial, no monitoramento e na denúncia das atividades da oposição do pessoal, agia em responsabilidade própria e com uma lealdade natural ao governo militar".

Segundo o relatório, as trocas de informações entre o departamento de segurança industrial com o regime militar levou à prisão de, ao menos, sete empregados da fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo.

"Isso ocorreu em uma época na qual a prática de tortura da polícia política já era de conhecimento público na Alemanha e no Brasil", apontou o pesquisador alemão.

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Um dos presos, o operário Lúcio Bellentani, relatou à Comissão Nacional da Verdade (CNV), instaurada pelo governo Dilma Rousseff (PT), que a segurança industrial da Volks não só permitiu sua prisão, como também a tortura. O documento também aponta que até 1980, a Volks do Brasil demitiu empregados por participação em atividades sindicais

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