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'Você deve arrasar corações'; Leia relatos exclusivos de cinco mulheres que acusam juiz do Trabalho de assédio sexual

'Muito bacana sua tatoo'; mais de 40 mulheres atribuem abusos ao magistrado Marcos Scalercio, do Tribunal Regional do Trabalho da 2.a Região, em São Paulo; conheça seus métodos, segundo revelações de cinco supostas vítimas que conversaram com a reportagem do Estadão nesta terça-feira, 16

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Por Isabella Alonso Panho
Atualização:

Por meio de mensagens do Instagram, professor teria perguntado à aluna se ela é casada e dito que ela "arrasa corações" (Reprodução: Instagram)  

 

Mais de 40 mulheres teriam sido vítimas de assédios praticados pelo juiz substituto do Trabalho Marcos Scalercio, lotado junto ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região, em São Paulo. O caso foi revelado nesta segunda-feira (15) por causa de um procedimento a que ele responde perante o CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Desde então, outras mulheres têm trazido situações semelhantes à tona

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Além das dez denúncias que foram veiculadas inicialmente, até o final da tarde de segunda o movimento Me Too Brasil recebeu 29 novos relatos envolvendo o magistrado. O caso foi revelado nesta segunda-feira, 15, pelo portal G1. Após a divulgação, o número de denunciantes aumentou rapidamente.

Nesta terça (16), cinco vítimas conversaram com o Estadão expondo com exclusividade situações que teriam vivenciado com Scalercio. Apenas uma concordou em se identificar e afirma já ter formalizado a denúncia junto à Polícia Civil e à ONG. Ao todo, já é possível contabilizar 43 relatos.

"MUITO BACANA SUA TATOO"

Em 2019, antes do começo da pandemia, Scalercio dava palestras sobre direito do trabalho. "O escritório em que eu trabalhava tinha interesse em contratá-lo. Porém, com a fama que tinha de assediador, ninguém queria ir falar com ele. Sobrou para mim", conta C., advogada trabalhista, de 34 anos. 

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"Foi tudo por WhatsApp, coisa muito rápida, de minutos", conta a vítima. Ela questionou Scalercio sobre a disponibilidade para palestras. Como o magistrado disse que não poderia, a advogada agradeceu e tentou encerrar a conversa. "Foi quando ele começou a puxar assunto", conta. 

O juiz perguntou se C. já tinha feito alguma audiência com ele e sobre uma tatuagem que a advogada possui no braço. "Eu não respondi mais, porque acho que minha aparência não é relevante para assuntos profissionais. Mas isso porque eu já sabia da fama dele. Cortei porque tive medo mesmo", relembra a vítima. 

Segundo ela, o mesmo aconteceu com mais duas colegas de profissão: "só que ele foi mais invasivo, porque elas não tinham noção do quanto ele é ousado". 

Depois de negar o convite para uma palestra, Scalercio teria tentado continuar o diálogo com advogada (Reprodução: WhatsApp)  

 

CONVITE PARA JANTAR

A., que também é advogada e tem 41 anos, encontrou Scalercio pela primeira vez em 2015, durante uma audiência na Justiça do Trabalho. Logo que saiu da sala, o juiz a adicionou no Facebook, enviando a mensagem: "Oi, você recebeu cópia do meu livro?".

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Sem desconfiar das intenções do magistrado, ela respondeu "'não recebi, mas se quiser me disponibilizar, eu agradeço'. Achei até engraçado, simpático, pois na audiência ele foi muito cortês, muito gentil". A advogada chegou a pensar que fora confundida com alguma aluna. 

Contudo, a resposta de Scalercio teria saído do campo da fraternidade: "ele falou para a gente conversar melhor em um jantar, mencionou até dormir 'de conchinha'. Ele foi muito atrevido". 

Constrangida com a situação, A. pediu ao magistrado que não lhe enviasse mais mensagens. "Eu me lembro perfeitamente de chegar ao ponto de falar 'eu não conheço você para você me mandar esse tipo de mensagem, não te dei essa liberdade'", relembra a advogada. 

 

GROSSERIA

A advogada trabalhista G., de 30 anos, chegou a ser colega de trabalho de Scalercio. Por mensagens no Instagram, ele teria a convidado para sair, mesmo sem ter intimidade ou contato pessoal. "Eu não respondi. Mas, um tempo depois, eu fui despachar com ele uma questão muito simples e ele foi extremamente grosso", relembra a advogada. De acordo cm G., "Ele tem um perfil, como uma pessoa que se veste de um personagem para as audiências e em aula, para parecer 'engraçadão'". 

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"ELE FAZ VOCÊ SE SENTIR ESPECIAL"

Rafaella Mira, advogada, 32, foi aluna do curso Damásio em em 2016, quando prestou o exame da OAB. Ela conta que começou a seguir Scalercio no Instagram para acompanhar dicas de estudo. Ele a seguiu de volta e, ao ver fotos da advogada em provas de corrida de rua, enviou mensagens sobre o assunto. "Ele faz você se sentir especial. De uma turma de 200, 2000 alunos, ele te notou, né?", relembra. 

Depois desse primeiro momento, Mira viu que "as conversas começaram a ficar esquisitas. Ele disse 'está com dificuldade em direito do trabalho? Vem na minha vara. A gente sabe o que é vara [local de trabalho do juiz], mas ele usava com um sentido meio pejorativo". Na época, Mira era casada. Ela lembra que Scalercio também teria a convidado para sair, dizendo "vamos para o Vila Country ao invés de ir para o Vila Damásio hoje. Perto lá do fórum tem um hotel, a gente pode conversar à vontade". 

Ao negar as investidas, a advogada afirma que Scalercio teria começado a tratá-la de forma rude. Na época, ela afirmou ter ido à sede do curso, na rua Alto da Glória, no bairro paulistano da Liberdade, para formalizar uma reclamação. O funcionário que a atendeu teria dito "ah, é o Marquinhos. Deixa isso pra lá, ele é brincalhão, e você está começando sua carreira agora", afirma Mira. 

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Em nota, a defesa do juiz do Trabalho Marcos Scalercio afirma que ele não responde a processos criminais (Reprodução/YouTube)  

Ela relembra também que, às vésperas do exame da Ordem, em uma aula coletiva, encontrou várias colegas de sala falando sobre Scalercio: "a gente ficou, 'como assim o Marquinhos?', e aí soubemos que ele falava com várias, com o mesmo tipo de conversa". Depois das reportagens publicadas nesta segunda-feira (15), Mira denunciou o antigo professor para a ONG Me Too e para a Polícia Civil. "Claro que, se colocar ele na minha frente, ele vai falar que não me conhece. Mas eu quero ajudar essas denúncias e engrossar o coro dessas mulheres que sofreram", afirma a advogada.

 

"VOCÊ DEVE ARRASAR CORAÇÕES"

Nos primeiros meses de 2019, a advogada B., de 25 anos, também foi aluna de Marcos Scalercio no Damásio. "Como ele dava muita revisão, falava para seguir ele no Instagram. Eu segui, ele seguiu de volta", lembra. Na época, ela prestou o exame da OAB pela primeira vez. O professor teria dado o seu telefone para que B. o chamasse para conversar. 

Por meio de mensagens do Instagram, professor teria perguntado à aluna se ela é casada e dito que ela "arrasa corações" (Reprodução: Instagram)  

Da mesma forma como aconteceu com outras mulheres, a conversa passou a ter um tom mais íntimo. "Aí eu percebi que ele estava na maldade. Perguntou de que tipo de cara eu gostava, que tipo de 'pegada'... Eu parei de responder", conta a ex-aluna. Nos prints, ele também diz que a advogada é "linda" e que "deve arrasar corações".

Scalercio teria insistido com as mensagens. B., que costumava se sentar nas primeiras fileiras da sala de aula, disse que ficou constrangida com os olhares do magistrado. Depois do episódio das mensagens, ela combinou de ir embora das aulas com uma amiga. Um dia, Scalercio teria parado ambas no corredor e dito "nossa, você fica me evitando, você só conversa com o Fulano" - que era outro professor de direito do trabalho do curso. 

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O acusado ainda teria enviado mensagens pelo WhatsApp para B, dizendo "você se acha, devia ter mais humildade, porque tem várias mulheres querendo sair comigo". Na época, a advogada teve medo de denunciá-lo por ele ser juiz. "Ele sabia o escritório em que eu trabalhava e disse para uma amiga que, por ele ser juiz, não ia dar em nada". 

Marcos Scalercio atua como juiz substituto no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, na Barra Funda (Rovena Rosa/Agência Brasil)  

 

COM A PALAVRA, O CURSO DAMÁSIO 

A reportagem entrou em contato com o Curso Damásio solicitando informações sobre as providências que foram adotadas em face do professor. Leia a nota enviada pela instituição:

"A instituição esclarece que atua na promoção de um ambiente acadêmico respeitoso e repudia qualquer ação que seja contrária aos seus valores e ao código de ética. A instituição ressalta que não recebeu manifestação de estudantes em seus canais oficiais desde 2015. Para questões desta natureza, a instituição disponibiliza um Canal de Denúncias oficial, que se destina a registrar desvios de conduta, tendo como desdobramento o procedimento administrativo de apuração com base em normativos internos. A Administração da Instituição decidiu afastar o docente de suas atividades."

 

COM A PALAVRA, A DEFESA

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A reportagem também entrou em contato com os advogados que defendem Marcos Scalercio e com a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) solicitando um posicionamento do juiz. Contudo, o magistrado optou por não se manifestar.

Na segunda-feira (15), quando surgiram as primeiras denúncias reveladas pelo Portal G1, os advogados Luciana Pascale Kühl, Evandro e Fernando Capano, que representam o juiz, afirmaram em nota que Scalercio foi inocentado das acusações de assédio em dezembro do ano passado pelo TRT. A defesa nega que ele responda a qualquer processo de natureza criminal.

 

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