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Supremo derruba decisão de Kassio e restabelece cassação de deputado bolsonarista

Por 3 votos a 2, Segunda Turma restaura julgamento do Tribunal Superior Eleitoral que cassou mandato de Fernando Francischini (União Brasil-PR) por espalhar fake news sobre as urnas

Por Rayssa Motta/São Paulo e Weslley Galzo/Brasília
Atualização:

*Atualizado às 17h13

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A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) restabeleceu nesta terça-feira, 7, por três votos a dois, a cassação do deputado estadual bolsonarista Fernando Francischini (União Brasil-PR). O colegiado derrubou a decisão liminar do Kassio Nunes Marques que tinha devolvido o mandato ao parlamentar. Logo após o julgamento, o presidente Jair Bolsonaro (PL) disse, aos gritos, que "tem de haver uma reação", insultou ministros e ameaçou não cumprir ordens da Corte.

O resultado representa novo revés ao governo e reforça o posicionamento já manifestado pela Justiça Eleitoral de que não serão tolerados ataques às urnas eletrônicas. Os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes votaram pela cassação, impondo derrota aos colegas Kassio Nunes Marques e André Mendonça, ambos indicados por Bolsonaro ao STF.

Francischini foi o parlamentar mais votado do Paraná em 2018 e o primeiro a ser cassado pela Justiça Eleitoral por espalhar notícias falsas. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) concluiu que ele fez uso indevido das redes sociais ao divulgar um vídeo, no primeiro turno das eleições, em que afirmou que as urnas eletrônicas impediam o voto na chapa Bolsonaro e Hamilton Mourão.

A liminar de Nunes Marques gerou desconforto entre os ministros porque, em uma tacada, suspendeu um julgamento considerado paradigma no TSE para punir fake news de políticos e, ao mesmo tempo, deu munição aos ataques de bolsonaristas contra o Judiciário, o sistema eleitoral e a segurança das urnas. 

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O placar desta terça dissipou, por ora, o clima de crise que começara a se armar no STF pelo fato de um único ministro ter suspendido os votos de seis dos sete juízes do TSE - três deles integrantes do Supremo. O resultado evidencia, ainda, o isolamento dos ministros indicados por Bolsonaro.

O deputado estadual paranaense Fernando Francischini foi cassado em outubro de 2021 pelo TSE. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Maioria

Presidente do TSE, o ministro Edson Fachin votou para restabelecer o julgamento da Corte Eleitoral. Ele disse que Nunes Marques atropelou uma "decisão tomada por ampla maioria do Tribunal Superior Eleitoral".

"Há que se ter redobrada cautela com os argumentos que, a pretexto de afirmar a força normativa de suas normas, realizam práticas desconstituintes, enfraquecendo a democracia e erodindo as regras do regime republicano, o qual se sabe é um regime de liberdade com responsabilidade", criticou.

Em um voto duro, Fachin ainda afirmou que o STF não pode ser "omisso" diante de ataques à democracia. O ministro também defendeu que a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar não são "salvo conduto" para candidatos espalharem informações falsas "que só visam tumultuar o processo eleitoral".

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"Às vezes é necessário repetir o óbvio: não existe direito fundamental em atacar a democracia a pretexto de se exercer qualquer liberdade, especialmente a liberdade de expressão", defendeu.

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O ministro Ricardo Lewandowski apontou questões processuais e também votou para derrubar a liminar de Nunes Marques. Ele defendeu a questão é complexa demais para ser analisa na via "estreita" da tutela antecipada (recurso movido pela defesa Francischini) e "demanda a análise de fatos e do comportamento da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral ao longo dos anos".

O voto do ministro Gilmar Mendes foi decisivo para o julgamento. Ele desempatou o placar ao defender que o ataque de Francischini ao sistema eleitoral não podem ser "enquadrado como tolerável em um Estado Democrático de Direito". 

"A imposição de sanção consistente na perda de mandato de quem tenta minar a credibilidade das urnas eletrônicas no dia das eleições, ainda durante o processo de votação e antes da apuração do resultado, é de extrema gravidade e se volta contra o mais caro em uma democracia: o pacto social da confiança no resultado das eleições", defendeu.

Gilmar ainda defendeu que o uso de indevido das redes sociais está "incluído no conjunto de atos abusivos que autorizam a cassação" do mandato.

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"Não cabe impor limites onde a lei não restringe", disse. "Ainda mais em tempos hodiernos em que a internet e suas múltiplas ferramentas e plataformas ganham densa relevância nas disputas eleitorais", acrescentou em referência a julgamentos anteriores do TSE.

Um dos principais argumentos de Nunes Marques para suspender o julgamento que cassou Francischini foi o de que o tribunal inovou ao considerar as redes sociais na categoria "meio de comunicação", descrita na Lei de Inelegibilidade, e que o entendimento não poderia ter sido aplicado para punir candidatos em eleições passadas. Até então, apenas os meios tradicionais, como jornais, rádio e televisão, eram julgados pela Justiça Eleitoral em processos de cassação do mandato, segundo o ministro.

"Não é possível afirmar que essas eram as balizas por ocasião do pleito ocorrido em 2018. Ninguém poderia prever, naquela eleição, que tais condutas seriam vedadas na internet, porque não havia qualquer norma ou julgado a respeito", defendeu Nunes Marques nesta terça. 

Indicado por Bolsonaro, Nunes Marques suspendeu julgamento do TSE que cassou deputado bolsonarista. Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

Mendonça e Nunes Marques isolados

O ministro André Mendonça foi o único a votar para manter a decisão liminar de Nunes Marques. Ele defendeu que a devolução do mandato a Francischini "preserva a vontade democrática" dos eleitores - o deputado recebeu 427 mil votos.

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"Um ato praticado a 22 minutos do encerramento do pleito eleitoral não teve o condão de alterar a lisura do pleito, ou influência de modo que, não apenas significativo, mas de modo também a não impactar aspectos circunstâncias do próprio processo eleitoral. Esse ato não teve o condão de alterar a vontade do eleitor", afirmou.

Nunes Marques reiterou os fundamentos usados para suspender o julgamento do TSE e defendeu que a Justiça Eleitoral deve adotar uma postura de "intervenção mínima em primazia à liberdade de expressão" e em respeito à "soberania popular".

O ministro também disse que as redes sociais "não são um desenvolvimento natural e linear da televisão e do rádio" e não podem ser regidas por uma "interpretação analógica". 

"A dúvida quanto à extensão do conceito de meios de comunicação social justifica-se ante a proeminência atribuída pela Constituição de 1988 à livre circulação de pensamentos, opiniões e críticas com vistas ao fortalecimento do Estado Democrático de Direito e à pluralização do ambiente eleitoral", reforçou.

Nunes Marques ainda disse não ser possível afirmar que a transmissão ao vivo "impactou" a disputa eleitoral no Paraná ou favoreceu Francischini.

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"Para se chegar à condenação por uso indevido dos meios de comunicação, seria necessário assumir que o internauta participante da live era eleitor no Estado do Paraná, não havia ainda votado e, tendo assistido à transmissão, convenceu-se, pelo conteúdo, a votar no candidato", repetiu ao ler um trecho de sua decisão individual. 

O ministro foi o primeiro indicado de Bolsonaro ao STF e, desde que assumiu a cadeira, tem votado a favor do Planalto em diferentes julgamentos. 

Ao comentar a liminar, Bolsonaro voltou a atacar a Justiça Eleitoral e chegou a dizer que o TSE não quer "transparência no sistema eleitoral" e tem atacado "a democracia".

O processo foi colocado na pauta da Segunda Turma pelo próprio Nunes Marques, que preside o colegiado, horas antes do início de um julgamento no plenário virtual em que sua decisão liminar tinha chance ainda maior de ser cassada.

A análise no plenário virtual, que teria participação dos 11 membros do tribunal, foi interrompida a pedido do ministro André Mendonça minutos após a abertura da sessão e antes de haver maioria de votos. Os ministros analisaram um pedido do deputado deputado estadual Pedro Paulo Bazana (PSD-PR), que assumiu a cadeira deixada por Francischini na Assembleia Legislativa do Paraná, para o STF restabelecer a cassação. Mendonça disse que o recurso não é o "remédio adequado" para tratar a questão e que o Supremo deve se pronunciar no processo original.

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Na prática, o movimento transferiu para a Segunda Turma a palavra final sobre a decisão. A iniciativa dividiu os ministros. Em seu voto, Fachin defendeu que o tema deveria estar sendo analisado por todos os ministros do Supremo e não no colegiado. 

Fúria

Após a sessão, Bolsonaro ficou irritado. Na cerimônia intitulada Brasil pela Vida e pela Família, realizada no Palácio do Planalto, o presidente disse estar indignado e afirmou que não viverá "como um rato", uma vez que já repetira diversas vezes as mesmas declarações de Francischini.

"Não existe tipificação penal para fake news. Se tiver, que se feche a imprensa", afirmou o presidente, em mais um ataque aos veículos de comunicação, no Dia Nacional da Liberdade de Imprensa.

Bolsonaro subiu ainda mais o tom contra os ministros Alexandre de Moraes, que vai comandar o TSE a partir de agosto; Fachin, atual presidente da Corte; e Luís Roberto Barroso, ex-presidente do tribunal. "Eu não vou viver com um rato. Tem de haver uma reação", disse, aos berros.

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O presidente afirmou ser do tempo em que decisão da Justiça não era discutida, mas, sim, cumprida. "Eu fui desse tempo. Não sou mais", disse. A declaração de Bolsonaro ocorreu após novas críticas feitas sobre o julgamento ainda em análise do novo marco temporal que pode ampliar a demarcação de terras indígenas. Segundo ele, Fachin comete "um estupro contra a democracia brasileira".

Francischini, agora, perde o mandato e volta a ficar inelegível por oito anos. "Não vão nos calar!", afirmou ele, em uma rede social. Há ainda pendente de julgamento um recurso extraordinário do deputado cassado, que vai julgar o mérito do caso.

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