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Procuradoria vai à Justiça contra Bolsonaro e ministros por ‘declarações discriminatórias e preconceituosas’ às mulheres

Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo diz que declarações e atos administrativos da cúpula do governo federal reforçam estigmas e estimulam a violência contra as mulheres

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Por Pepita Ortega , Julia Lindner e Fausto Macedo
Atualização:


O presidente Jair Bolsonaro. Foto: Adriano Machado / Reuters

O Ministério Público Federal apresentou ação civil pública contra o governo Jair Bolsonaro por postura ‘desrespeitosa’ e declarações discriminatórias do presidente e de seus ministros com relação às mulheres. A Procuradoria ressalta que desde o início da atual gestão, integrantes da cúpula do governo federal já proferiram uma série de declarações e atos administrativos que revelam um viés preconceituoso e discriminatório contra as mulheres, reforçando estigmas e estimulando a violência.


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A AÇÃO CONTRA BOLSONARO POR MISOGINIADocumento

Segundo o MPF, a postura de Bolsonaro e seus ministros configura abuso de liberdade de expressão, uma vez que fere outros direitos garantidos pela Constituição, como o respeito à dignidade da pessoa humana. A Procuradoria destaca que as manifestações 'intoleráveis' têm efeitos 'sobre a realidade social e a persuasão do público, com potencial para reforçar estereótipos e posturas misóginas e discriminatórias, notadamente quando advindas de pessoas com poder de influência'.

A ação apresentada à 6ª Vara Cível Federal de São Paulo pede o imediato bloqueio de pelo menos R$ 10 milhões no orçamento federal com destinação dos valores para campanhas de conscientização sobre os direitos das mulheres. "Com veiculação pelo período mínimo de um ano, os conteúdos deverão expor os dados sobre a desigualdade de gênero no Brasil e a vulnerabilidade das mulheres à violência, além de reforçar informações sobre os direitos que elas têm ao atendimento nas áreas de saúde, segurança e assistência social", descrevem os procuradores.

Além disso, o MPF ainda requer que a União seja condenada ao pagamento de R$ 5 milhões ao Fundo de Direitos Difusos, a título de indenização por danos sociais e morais coletivos.

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"É desolador que mensagens e pronunciamentos de Ministros do Poder Executivo Federal, que com absoluta falta de sensibilidade, minimizem o grave problema da violência contra a mulher e reforcem, com potencial de perpetuar ou de dificultar sobremaneira o combate ao preconceito contra as vítimas mulheres, mensagens que partindo de autoridades do topo da administração pública federal, impõem inegáveis danos morais coletivos e danos sociais", afirmou a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, órgão responsável pela ação civil pública apresentada na última quarta, 5, dois dias antes do aniversário de 14 anos da lei Maria da Penha.

No documento, os procuradores Pedro Antonio de Oliveira Machado e Lisiane Braecher citam os episódios em que o presidente se dirigiu a mulheres de maneira desrespeitosa ou fez insinuações misóginas:

"Este padrão presente em tais pronunciamentos, assim como outras declarações veiculam estereótipos que reforçam abusivamente a discriminação e o preconceito, que estigmatizam as mulheres. Causam danos morais coletivos e danos sociais, pois atingem todas as mulheres, impactando negativamente o exercício da missão constitucional (que é indeclinável no agir dos dirigentes estatais) de modificar esse quadro de desigualdade social e de discriminação, através da promoção da cidadania e da dignidade humana", argumentam os procuradores na ação.

Já entre as falas dos ministros de Bolsonaro, a Procuradoria cita:

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  • Ministro da Economia Paulo Guedes - "Tudo bem, é divertido. Não tem problema nenhum, é tudo verdade, o presidente falou mesmo. E é verdade mesmo, a mulher é feia mesmo", disse, em 'endosso aos ataques' de Bolsonaro à primeira-dama francesa Brigitte Macron;
  • Ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo - "Hoje, um homem olhar para uma mulher já é tentativa de estupro";
  • Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos Damares Alves - "As meninas lá (na ilha do Marajó) são exploradas porque não têm calcinha. Não usam calcinha, são muito pobres."

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Ao lado das falas de Bolsonaro e de seus ministros, a ação elenca diferentes números relacionados à violência contra a mulher:

  • 27,4% das mulheres brasileiras com 16 anos ou mais sofreram algum tipo de violência nos 12 meses que antecederam a pesquisa (fevereiro de 2019), totalizando 16 milhões de mulheres - pesquisa 'Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil', desenvolvida pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Instituto Datafolha;
  • A cada 2 segundos, uma mulher é vítima de violência física ou verbal no País - 'Relógios da Violência' do Instituto Maria da Penha;
  • 503 mulheres são vítimas de agressão a cada hora - segunda edição da pesquisa 'Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil';
  • Crescimento de 22,2% no número de violência letal contra mulheres (feminicídios) nos meses de março e abril de 2020 - Nota Técnica 'Violência Doméstica Durante a Covid-19' divulgada pelo Fórum de Segurança Pública;

'Três meninas? Três fraque... Não vou falar, não, se não vai dar problema'

Na mesma manhã em que a Procuradoria anunciou a ação apresentada contra o governo, o presidente  voltou a insinuar que o nascimento de mulheres representaria uma 'fraquejada' dos pais, mas não chegou a completar a frase desta vez. "Três meninas? Três fraque... Não vou falar, não, se não vai dar problema", disse Bolsonaro, rindo, em conversa com apoiadores na manhã.

O comentário foi feito após uma apoiadora dizer que as suas três filhas estavam assistindo ao presidente através de uma chamada de vídeo. O pai das mulheres brincou e disse que é o 'fornecedor'. "O meu está quatro a um", reagiu Bolsonaro, que tem quatro filhos homens e uma mulher.

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Ao falar sobre a 'fraquejada', Bolsonaro aludiu a uma fala de 2017, quando disse que deu 'uma fraquejada' ao ter a filha caçula. "Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher." Um ano depois, no período da campanha eleitoral, o então candidato à presidência disse que o comentário foi "uma brincadeira que homem faz".

'Descaso' além dos discursos

A Procuradoria ressalta ainda que o 'descaso do presidente pelos desafios que as mulheres enfrentam não tem se revelado apenas em discursos'.

O MPF aponta que ações do governo vêm dificultando o cumprimento dos direitos femininos e cita como exemplo a decisão de Bolsonaro de revogar uma nota técnica do setor de Coordenação da Saúde da Mulher, vinculado ao Ministério da Saúde, que recomendava a continuidade de ações de assistência durante a pandemia, como o acesso a métodos contraceptivos e a realização de abortos em casos previstos na legislação. "'No que depender de mim, não terá aborto', afirmou o presidente ao justificar a decisão, ignorando que a prática é um direito assegurado às mulheres no Brasil em casos de violência sexual, risco à vida da gestante ou anencefalia fetal", afirmou o MPF em nota.

Além disso, os procuradores dizem que as mulheres vem enfrentando barreiras na administração federal. "De acordo com um levantamento realizado pela Organização das Nações Unidas, o Brasil é apenas o 154º colocado no ranking mundial de participação feminina no Poder Executivo. Durante a celebração do Dia da Mulher em 2019, Bolsonaro apelou para a retórica ao tentar defender a composição de sua equipe na época. 'Pela primeira vez na vida o número de ministros e ministras está equilibrado em nosso governo. Temos 22 ministérios, 20 homens e duas mulheres. Somente um pequeno detalhe: cada uma dessas mulheres que estão aqui equivale por dez homens', disse na cerimônia realizada no Palácio do Planalto", registrou o MPF.

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