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'Pode mandar brasa'

Em grampo interceptado pela Polícia Federal na Operação Faroeste, investigação sobre suposto esquema de venda de sentenças judiciais, presidente do Tribunal de Justiça da Bahia, desembargador Gesivaldo Britto, afastado do cargo por 90 dias, trata com líder do PT na Assembleia da indicação de juiz eleitoral para a região de Camamu

Foto do author Pepita Ortega
Foto do author Fausto Macedo
Por Pepita Ortega e Fausto Macedo
Atualização:

O deputado estadual Rosemberg e o desembargador Gesivaldo Britto. Fotos: TSE e TJBA / Divulgação Foto: Estadão

O presidente afastado do Tribunal de Justiça da Bahia, desembargador Gesivaldo Britto, alvo da Operação Faroeste - investigação sobre suposto esquema de venda de sentenças judiciais em processos de grilagem de terras na região oeste do Estado - caiu no grampo da Polícia Federal tratando com o deputado estadual Rosemberg (PT) da possível indicação de um juiz eleitoral para a região de Camamu.

Com população estimada em 40 mil habitantes, Camamu fica na Costa do Dendê, litoral Sul da Bahia, a 330 quilômetros de Salvador.

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Líder do Governo Rui Costa (PT) na Assembleia Legislativa da Bahia, Rosemberg Pinto - presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Casa - não foi alvo da Operação Faroeste, nem é investigado, mas seu interlocutor, o magistrado, é apontado como personagem decisivo de um esquema criminoso que se teria instalado no TJ para 'legitimação de grilagem de terras'.

Por ordem do ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça, Britto foi desligado da presidência da Corte, e das funções da toga, por 90 dias.

Rastreamento bancário indica que, entre 1.º de janeiro de 2013 até agora ele movimentou em suas contas R$ 24,4 milhões, dos quais R$ 2,2 milhões 'não apresentam origem/destino destacado'.

Além do presidente, outros cinco magistrados foram alijados temporariamente de suas cadeiras - os desembargadores José Olegário Monção Caldas, Maria da Graça Osório Pimentel Leal (em nome dela a investigação aponta 57 contas bancárias), Maria do Socorro Barreto Santiago e os juízes de primeiro grau Marivalda Almeida Moutinho e Sérgio Humberto de Quadros Sampaio.

Ao decretar as medidas cautelares - que incluíram ordens de prisão de alguns investigados, inclusive do assessor especial de Gesivaldo Britto, o secretário judiciário do TJ da Bahia Antônio Roque do Nascimento Neves -, o ministro do STJ dedicou um trecho às relações do presidente da Corte estadual.

À página 10 de seu despacho, Og Fernandes transcreveu diálogo de Britto com o deputado Rosemberg. Nele, o parlamentar diz que 'conversou com Roque sobre um processo eleitoral que vai acontecer em Camamu e lá sem o juiz, o juiz substituto, é o juiz de Gandu'.

Roque seria Antônio Roque do Nascimento Neves, o braço direito do presidente do tribunal, apontado como 'o operador e corretor na venda de sentenças judiciais'.

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Segundo o ministro do STJ, Antônio Roque teria envolvimento com indicações de magistrados para 'comarcas específicas e sensíveis', de modo a 'impulsionar o esquema criminoso'.

O ministro não faz nenhuma observação, nem restrição à conduta do líder do Governo baiano na Assembleia.

Desembargador Gesivaldo Britto. FOTO: EMERSON LEAL/STJ  

No grampo da PF, Rosemberg sugere ao presidente do TJ. "A gente poderia ter aí um juiz nesse período especial pra cobrir essas eleições lá, porque é uma eleição muito questionada."

O desembargador devolveu. "Imagino! Aquela região ali é meio conturbada mesmo."

O petista adiantou. "Aí eu combinei, já expliquei isso pra Roque."

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Rosemberg propôs um encontro pessoal com o magistrado. "Segunda-feira, entre 3 e 4 da tarde eu dou um pulinho aí e a gente dá uma conversada, tá bom?"

Gesivaldo Britto aprova. "Ótimo, ótimo! A gente vai ver aqui o que é que precisa fazer, porque depende de fazer um trabalho com o TRE lá, né?"

Rosemberg diz que 'tem que fazer com o TRE' e que 'também marcou lá prá conversar com o presidente'.

Na avaliação de Britto, 'é o mais difícil, né?'

O deputado concorda, mas demonstra disposição em seguir adiante. 'É, mas eu vou dar uma conversada com ele também, viu?'

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O presidente do TJ se põe à disposição do líder do Governo na Assembleia. "Mas o que depender da gente aqui já viu, né? Pode mandar brasa."

'Tranquilo!', concluiu Rosemberg.

 Foto: Reprodução

COM A PALAVRA, O DEPUTADO ROSEMBERG

Por meio de sua Assessoria de Comunicação, o deputado Rosemberg esclareceu, inicialmente, que não é investigado na Operação Faroeste.

Rosemberg afirma que 'apenas solicitou, e não indicou, um juiz para a Comarca de Camamu'.

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Em nota, o parlamentar destaca que recebeu, nas eleições em 2018, um volume de 101.945 votos, o segundo mais votado em todo o Estado, e com expressiva votação em Camamu.

LEIA A ÍNTEGRA DA DECLARAÇÃO DO DEPUTADO ROSEMBERG

"Com relação ao conteúdo da sentença do STJ, envolvendo agentes do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), o deputado e líder governista na Assembleia Legislativa da Bahia, Rosemberg Pinto (PT), esclarece que não é investigado no Processo."

"Quanto ao conteúdo das gravações, da conversa que teve com o presidente do TJ-BA, o parlamentar informa que apenas solicitou, e não indicou, um juíz para a comarca de Camamu, já que o magistrado da Comarca (Juiz Substituto) encontrava-se de férias."

"A justificativa é que o município vivia um processo eleitoral suplementar conturbado."

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"Rosemberg Pinto está no seu terceiro mandato e, na última eleição, recebera 101.945 mil votos, sendo o segundo mais votado no estado e com expressiva votação no referido município."

O QUE DIZ O MINISTRO OG FERNANDES SOBRE OS JUÍZES AFASTADOS DAS FUNÇÕES

"O afastamento (dos desembargadores e dos juízes da Bahia) se impõe como forma de garantia da ordem pública. O caso, como já fundamentado, apresenta alta gravidade, com indícios veementes de desvios na atuação funcional de desembargadores e juízes de Direito investigados."

"Até mesmo durante o desenrolar das investigações, os possíveis ilícitos, 'vendas' de decisões judiciais, continuaram a acontecer, em urna atuação advinda do ãmago do próprio Poder que deveria julgar e punir tais condutas."

"Os fatos são extremamente graves e foram perpetrados no exercício de uma das mais nobres atividades de Estado, uma vez que aos ocupantes da magistratura foi confiado o poder de decidir sobre a liberdade, o patrimônio e outros temas altamente sensíveis a todos os cidadãos."

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"São crimes ligados ao exercício funcional, praticados no desempenho do cargo e com abuso dele, crimes esses que trouxeram efeito deletério à reputação, á imagem e à credibilidade do Poder Judiciário da Bahia."

"A natureza da atividade desenvolvida pelos investigados exige e impõe atuar probo, lídimo, íntegro e transparente. São agentes remunerados para restaurar a ordem, para fazer cumprir as leis e para zelar pelo princípio republicano."

"É inaceitável que os magistrados investigados, aparentemente descambando para a ilegalidade, valham-se das relevantes funções que o Estado lhes confiou para enriquecer ilicitamente, em prejuízo da justiça que deveriam fazer prevalecer diutumamente, afastando-se do dever de reparar ilegalidades e de restaurar o império da lei."

"Ao que indicam as provas colhidas até o presente momento, em prol de seus interesses econômicos escusos, os referidos investigados prejudicaram e prosseguem prejudicando o jurisdicionado, o direito de propriedade e do livre exercício da atividade econômica."

"É mister impedir que essas pessoas prossigam atuando, quando paira sobre elas a fundada suspeita de que o seu atuar não seja o lídimo e imparcial agir que se espera de um membro do Poder Judiciário."

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"Não se pode viabilizar que continuem os investigados em tela ditando o que é justo e o que não é, ou quais sentenças de primeiro grau devem e quais não devem ser reformadas, ou que tomem assento no julgamentos das questões internas do Tribunal de Justiça da Bahia, quando eles próprios são suspeitos de abjeta conduta."

"Os seus afastamentos, portanto, não visam apenas a resguardar a imagem do Judiciário do Estado da Bahia, mas sim, primordialmente, a dar segurança ao jurisdicionado de que não serão julgados por pretores suspeitos, acusados de venda de sentença e de integrarem organização criminosa."

COM A PALAVRA, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA BAHIA

"O Tribunal de Justiça da Bahia foi surpreendido com esta ação da Polícia Federal desencadeada na manhã desta terça-feira (19/11/19). Ainda não tivemos acesso ao conteúdo do processo. O Superior Tribunal de Justiça é o mais recomendável neste atual momento para prestar os devidos esclarecimentos. A investigação está em andamento, mas todas as informações dos integrantes do Tribunal de Justiça da Bahia serão prestadas, posteriormente, com base nos princípios constitucionais.

Pelo princípio do contraditório tem-se a proteção ao direito de defesa, de natureza constitucional, conforme consagrado no artigo 5.º, inciso LV: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes."

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Ambos são princípios constitucionais e, também, podem ser encontrados sob a ótica dos direitos humanos e fundamentais. Logo, devem sempre ser observados onde devam ser exercidos e, de forma plena, evitando prejuízos a quem, efetivamente, precisa defender-se.

Quanto à vacância temporária do cargo de presidente, o Regimento Interno deste Tribunal traz a solução aplicada ao caso concreto. O 1.º vice presidente, desembargador Augusto de Lima Bispo, é o substituto natural."

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