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Moro diz que assinou portaria que aumentou munições por pressão de Bolsonaro

Ao Estadão, ministro revela que não se opôs à medida para não abrir novo 'flanco' de conflito e desviar o foco da interferência na PF

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Por Patrik Camporez/BRASÍLIA
Atualização:

 

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro disse que sofreu pressão do presidente Jair Bolsonaro para aprovar a portaria que aumentou em três vezes o acesso a munições no País. Ao Estadão, Moro revelou que não se opôs ao presidente para não abrir um novo 'flanco' de conflito no momento em que tentava evitar a troca no comando da Polícia Federal, o que ele considera que daria margem para uma interferência indevida no órgão.

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"A portaria elaborada no MD (Ministério da Defesa) foi assinada por conta da pressão do PR (Presidente da República) e naquele momento eu não poderia abrir outro flanco de conflito com o PR", explicou o ex-ministro Sérgio Moro à reportagem.

Sérgio Moro falou com Estadão logo após o jornal revelar, com exclusividade, que a portaria do governo foi fundamentada em pareceres de três linhas, um deles assinado pelo general Eugênio Pacelli, quando ele já estava exonerado do cargo de diretor de Fiscalização de Produtos Controlados.

A pressão de Bolsonaro para armar a população e aprovar a portaria ficou evidente com a divulgação da tensa reunião ministerial do dia 22 de abril. O vídeo veio à tona na última sexta-feira por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) e mostra Jair Bolsonaro determinando, nominalmente, que os ministros Sérgio Moro e Fernando Azevedo (da Defesa) providenciem a portaria que ampliava o acesso a munições. A norma foi publicada no dia seguinte.

"Peço ao Fernando e ao Moro que, por favor, assinem essa portaria hoje que eu quero dar um puta de um recado pra esses bosta! Por que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não dá para segurar mais! Não é? Não dá pra segurar mais", disse Bolsonaro, na frente dos outros ministros.

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Bolsonaro desferia seus xingamentos a governadores e prefeitos, que, na visão dele, se aproveitam da população desarmada para impôr medidas, na visão dele, "ditatoriais", como as de isolamento durante a pandemia do novo coronavírus. "Por isso que eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme! Que é a garantia que não vai ter um filho da puta aparecer pra impor uma ditadura aqui! Que é fácil impor uma ditadura! Facílimo! Um bosta de um prefeito faz um bosta de um decreto, algema, e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia pra rua".

O presidente ainda ordenou à equipe ministerial: "É escancarar a questão do armamento aqui. Eu quero todo mundo armado! Que povo armado jamais será escravizado."

Em entrevista exclusiva ao Fantástico, da TV Globo, o ex-ministro comentou sobre o assunto. Moro justificou por que não questionou a ordem de Bolsonaro: "Não há espaço ali dentro das reuniões - me pareceu muito claro -, não existe um espaço ali para o contraditório". E confirmou que assinou a portaria devido à pressão do presidente e não por estar de acordo com ela ou haver elementos técnicos para justifica-la. "Certamente. Eu não queria também que isso fosse utilizado como um subterfúgio para desviar a questão da Polícia Federal, da interferência na Polícia Federal", disse.

Como revelou o Estadão, o parecer do general Pacelli foi enviado à assessoria jurídica do Ministério da Defesa às 22h18 de 15 de abril, por um e-mail particular, num horário de fora do expediente da repartição. A exoneração dele saiu no DOU dia 30 de março, mesmo dia em que seu substituto foi nomeado.

Principais especialistas em direito administrativo no País ouvidos pelo Estadão consideraram "grave" e possível "fraude" a decisão do Ministério da Defesa de utilizar um parecer de um general exonerado e sem função numa portaria para aumentar o limite de compra de munições. O número de balas passou de 200 para 600, por registro de arma de fogo, com a portaria. No País, 379.471 armas estão nas mãos da população, segundo a Polícia Federal. Dessa forma, o novo decreto pode possibilitar a compra de 227.682.600 balas (600 munições por arma).

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Após a divulgação da reportagem, o Ministério da Defesa encaminhou nota ao jornal para afirmar que "o militar estava em pleno exercício legal do seu cargo ao assinar os documentos". No entendimento da Defesa, uma regra expressa do art. 22 da Lei 6.880/80 permite que o militar possa assinar atos mesmo já exonerado e com um substituto nomeado em seu lugar.

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Não é o que pensa Carlos Ari Sundfeld, professor de direito administrativo da FGV Direito SP e um dos autores da nova Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro. "O substituto poderia não estar em exercício, mas como Pacelli foi o exonerado, a partir daquele momento não pode exercer a função. O exonerado nunca pode responder pelo órgão, a partir da data da publicação da exoneração", afirmou.

Rafael Maffini, advogado e professor de Direito Administrativo da UFRGS, também pensa dessa forma. "É pressuposto de validade dos atos administrativos que eles sejam praticados por quem tenha atribuição legal para tanto. Em 26/03 foram publicados decretos que exoneraram, a partir de 31/03, o General Pacelli Mota do cargo de Diretor de Fiscalização de Produtos Controlados e o transferiram para a reserva remunerada. Desta forma, em meados de abril, não mais teria ele atribuição legal, pois excluído do serviço ativo das Forças Armadas (art. 94, I, da Lei 6.880/80). E são igualmente inválidos os atos administrativos que foram praticados com base na indevida manifestação de agente público sem atribuição legal, inclusive com expressa menção a tal manifestação".

Vera Monteiro, professora de direito administrativo da FGV Direito São Paulo, avaliou os fatos a pedido do Estadão. "É um episódio grave mudar uma política pública dessa maneira. A portaria foi assinada por quem tem competência pra fazer - os ministros da Defesa e da Justiça. São superiores hierárquicos. No entanto, a invalidade da portaria está relacionada à falta de motivação. A motivação para tomar essa decisão foi um 'ok' por WhatsApp, e foi um e-mail de alguém que não ocupava mais a função dentro do departamento, dizendo que não observa "qualquer impedimento".

O advogado Saulo Stefanone Alle, doutor em direito pela USP, concorda. "Da forma como foi praticado, o ato do general não tem validade", disse. "O que a gente tem que avaliar, no caso do general, é se, ao praticar esse ato, ele cometeu improbidade diante da administração pública. Se teve a violação de um princípio. Para essa improbidade tenho que verificar se ele agiu de forma dolosa."

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