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'Invocação de fatos históricos antidemocráticos constitui ofensa à memória nacional', alerta Faculdade de Direito da Uerj

Direção e Conselho Departamental subscreveram nota para manifestar apoio ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal após crescente de ataques desferidos por apoiadores bolsonaristas

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Por Rayssa Motta
Atualização:

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) no Maracanã, zona norte do Rio. Foto: Marcos Arcoverde/ Estadão

A Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) emitiu nota, na quinta-feira, 4, para manifestar apoio ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF).

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O texto, elaborado pela Direção e pelo Conselho Departamental do curso, repudia ataques de autoridades públicas e grupos civis organizados 'contra os poderes legalmente constituídos da União, dos Estados e dos Municípios' e contra a própria Constituição.

"Não há espaço para propostas, ações, sequer sugestões, de qualquer origem, que cogitem o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. A invocação de fatos históricos antidemocráticos, quando a nação está de luto, é mais do que desrespeitosa ou impiedosa, constitui, em verdade, ofensa à memória nacional de lutas pela democracia, quando não à ordem constitucional", ressalta a nota.

A manifestação segue diversas outras tornadas públicas nas últimas semanas após uma crescente da tensão entre o governo Jair Bolsonaro, seus membros e apoiadores e o Poder Judiciário. Uma série de manifestações, virtuais e físicas, passaram a falar em 'ditadura do STF' e chegaram a recorrer ao artigo 142 da Constituição como suposta brecha legal para pedir intervenção das Forças Armadas em favor do governo.

A nota da Faculdade de Direito da Uerj rebateu os apelos por uma intervenção militar e ressaltou que é'inaceitável qualquer interpretação do texto constitucional que contrarie ou ameace, sob qualquer pretexto, as garantias constitucionais ou o Supremo Tribunal Federal, a quem cabe defendê-las, sobretudo para que se cumpra o compromisso assumido pelo constituinte de solução pacífica das controvérsias, na ordem interna e internacional'.

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Os flertes bolsonaristas com o autoritarismo não são recentes. Um alerta de crise institucional, no entanto, tem soado mais forte há cerca de dois meses. Em abril, o presidente Jair Bolsonaro elevou o tom do confronto contra o Congresso e o STF e, diante do Quartel- General do Exército, pregou o fim da 'patifaria' em uma manifestação que pedia intervenção militar no País. Com microfone em punho, Bolsonaro subiu na caçamba de uma caminhonete e fez um discurso inflamado para seguidores que exibiam faixas com inscrições favoráveis a um novo AI-5, o mais duro ato da ditadura (1964 a 1985), e gritavam palavras de ordem contra o STF e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Depois disso, os atos organizados em favor do presidente registraram agressões a jornalistas e levaram veículos de comunicação a suspender temporariamente a cobertura do Alvorada.

O presidente Jair Bolsonaro discursa em manifestacao contra o Congresso e a favor de intervencao militar em frente ao Quartel General do Exército em Brasília Foto: Gabriela Biló / Estadão

Insatisfação com o STF. Os primeiros sinais recentes de insatisfação do Planalto e de seus aliados com a Justiça vieram após a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, que concedeu a Estados e municípios autonomia para adotar medidas de isolamento social, independente de orientação federal contrária.

A abertura do inquérito para apurar se houve tentativa de interferência política de Jair Bolsonaro na Polícia Federal aumentou a tensão entre os poderes. A investigação implicou na divulgação, a revelia do governo, da íntegra do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril - que atingiu ministros do alto escalão do Planalto, incluindo um dos principais remanescentes da ala ideológica bolsonarista, Abraham Weintraub, que responde por declarações contra os ministros da Corte.

O pedido de devassa no celular do presidente, encaminhado pelo decano Celso de Mello para análise da Procuradoria-Geral da República, como manda o rito do STF, é outro componente que inflamou a militância pró-governo. O ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, chegou a dizer que se o pedido fosse aceito poderia ter 'consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional'. O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, disse ao Estadão estar 'extremamente preocupado' com a tensão entre os Poderes e afirmou que apreender o celular de Bolsonaro seria uma 'afronta'. Na madrugada desta terça, 2, Celso de Mello decretou o arquivamento do pedido, mas alertou Bolsonaro que descumprir ordem judicial implica 'transgredir a própria Constituição da República, qualificando-se, negativamente, tal ato de desobediência presidencial', o que configuraria crime de responsabilidade.

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O ápice para os ataques, no entanto, veio após apreensões de celulares, computadores e documentos de apoiadores bolsonaristas investigados no 'inquérito das fake news'.

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No mesmo dia, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho mais novo do presidente, chegou a dizer que participa de reuniões em que se discute 'quando' acontecerá o 'momento de ruptura' no Brasil. Foi ele quem afirmou, em outubro do ano passado, que 'se a esquerda brasileira radicalizar', uma resposta pode ser 'via um novo AI-5'. Em julho de 2018, antes do primeiro turno das eleições que deram a vitória a Jair Bolsonaro, o filho caçula do então presidenciável disse ainda que, para fechar STF, bastava 'um soldado e um cabo'. A declaração se referia à possibilidade do pai ser impedido de assumir o Planalto caso fosse eleito ainda na primeira fase da corrida presidencial.

O próprio presidente chegou a declarar, no dia seguinte à operação que mirou seus aliados, que 'ordens absurdas não se cumprem'. "Acabou, porra!", esbravejou o presidente. "Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas individuais, tomada de forma quase que pessoais certas ações. Ordens absurdas não se cumprem e nós temos que botar um limite nessas questões".

LEIA A ÍNTEGRA DA NOTA

Nota Oficial da Faculdade de Direito da UERJ em apoio ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal

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A Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), nos termos da deliberação unânime de seu Conselho Departamental, vem manifestar seu apoio ao Congresso Nacional e, em especial, ao Supremo Tribunal Federal, neste grave momento que o País atravessa.

Os ataques desferidos contra os poderes legalmente constituídos da União, dos Estados e dos Municípios, seja por parte de autoridades públicas, seja por parte de grupos civis organizados, armados ou não, afrontam de modo severo a Constituição da República de 1988, que consagra o Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.

Diante dessas garantias constitucionais, não há espaço para propostas, ações, sequer sugestões, de qualquer origem, que cogitem o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. A invocação de fatos históricos antidemocráticos, quando a nação está de luto, é mais do que desrespeitosa ou impiedosa, constitui, em verdade, ofensa à memória nacional de lutas pela democracia, quando não à ordem constitucional.

Inaceitável, pela mesma razão, qualquer interpretação do texto constitucional que contrarie ou ameace, sob qualquer pretexto, as garantias constitucionais ou o Supremo Tribunal Federal, a quem cabe defendê-las, sobretudo para que se cumpra o compromisso assumido pelo constituinte de solução pacífica das controvérsias, na ordem interna e internacional.

Direção e Conselho Departamental da Faculdade de Direito da UERJ

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