Paulo Roberto Netto/SÃO PAULO e Rafael Moraes Moura/BRASÍLIA
26 de novembro de 2020 | 18h13
A defesa do ex-ministro Sérgio Moro afirmou que a desistência do presidente Jair Bolsonaro em prestar depoimento no inquérito sobre suposta interferência na Polícia Federal ‘surge sem justificativa’ e ‘contrasta com elementos reunidos pela investigação’. Em nota divulgada na tarde desta quinta, 26, o criminalista Rodrigo Sánchez Rios afirma ter recebido com ‘surpresa’ a decisão do Planalto.
Por meio da Advocacia-Geral da União, Bolsonaro informou ao Supremo Tribunal Federal que abria mão de prestar depoimento no inquérito, e pediu que o processo fosse remetido à PF para a conclusão das investigações e elaboração de relatório final. A oitiva do presidente era uma das últimas etapas para o fim das apurações, que serão então remetidas à Procuradoria-Geral da República (PGR) para elaboração de denúncia ou arquivamento.
Bolsonaro desiste de depoimento presencial no inquérito sobre suposta interferência na PF
“A defesa do ex-ministro Sérgio Moro recebe com surpresa o declínio do presidente da República de atender à determinação para depor em inquérito no qual é investigado”, afirmou Sánchez Rios, que defende Moro. “A negativa de prestar esclarecimentos, por escrito ou presencialmente, surge sem justificativa aparente e contrasta com os elementos reunidos pela investigação, que demandam explicação por parte do Presidente da República”.
O inquérito apura acusações de Moro sobre suposta interferência indevida de Bolsonaro para trocar o comando da PF. Em abril, o ex-juiz da Lava Jato deixou o governo após pressão do Planalto para substituir o então diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo, pelo diretor da Abin, Alexandre Ramagem, um nome próximo da família presidencial.
O presidente Jair Bolsonaro e o ex-ministro Sérgio Moro. Foto: Adriano Machado / Reuters
Moro prestou depoimento no caso no início de maio, quando foi ouvido por oito horas na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Durante a oitiva, Moro apresentou mensagens trocadas com Bolsonaro e com a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), aliada do Planalto.
O ex-ministro também relatou as declarações de Bolsonaro durante a reunião ministerial do dia 22 de abril, no qual o presidente cobra mudanças no governo e faz pressão sobre Moro e os demais auxiliares sob a alegação de que não vai esperar ‘foder a minha família toda’. A gravação foi tornada pública semanas depois por ordem do ministro Celso de Mello.
“Mas é a putaria o tempo todo pra me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, disse Bolsonaro aos ministros.
Ao anunciar a desistência do depoimento, a AGU alegou ao STF que a divulgação da reunião ministerial do dia 22 de abril ‘demonstrou completamente infundadas quaisquer das ilações que deram ensejo ao presente inquérito’. O presidente também relembra que o prazo de prorrogação concedido às investigações está chegando ao fim.
“Assim, o peticionante vem, respeitosamente declinar do meio de defesa que lhe foi oportunizado unicamente por meio presencial no referido despacho, aliás, como admitido pelo próprio despacho, e roga pronto encaminhamento dos autos à Polícia Federal para elaboração de relatório final a ser submetido, ato contínuo, ainda dentro da prorrogação em curso, ao Ministério Público Federal”, anotou a AGU.
Conforme mostrou o Estadão em maio, parte dos investigadores que atuam no inquérito avalia que, até o momento, não foram encontradas provas que incriminem Bolsonaro e aponta que a tendência é que o procurador-geral da República, Augusto Aras, peça o arquivamento do caso.
O entendimento desse grupo é o de que, neste momento, as acusações de Moro provocam mais estrago político do que jurídico para Bolsonaro.
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