O procurador de Justiça Antonio Carlos da Ponte, de 55 anos, defende a 'democracia interna' no Ministério Público de São Paulo, o que inclui, segundo ele, a possibilidade de também os promotores concorrerem ao topo da instituição. Candidato ao cargo de procurador-geral nas eleições de abril, Ponte está no Ministério Público paulista desde junho de 1988. Em entrevista ao Estadão, ele afirma que, se for o escolhido por seus pares no pleito, e nomeado pelo governador João Doria, ele vai 'liderar um movimento político buscando a viabilização da democracia interna, o que possibilitará a oxigenação da Instituição, seu aperfeiçoamento e avanço'.
A participação de promotores na corrida ao comando do Ministério Público paulista é um tabu. São Paulo é um dos poucos Estados em que os promotores não podem entrar na disputa pela cadeira número 1.
No pleito de abril, também concorre o procurador de Justiça Mário Luiz Sarrubbo. Desde 1989 na carreira, ele foi subprocurador-geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais do Ministério Público paulista. Sarrubbo é o postulante da situação, apoiado pelo atual procurador-geral, Gianpaolo Poggio Smanio.
Antonio da Ponte e Mário Sarrubbo almejam o gabinete ocupado por Smanio há quatro anos.
O sistema eleitoral do Ministério Público prevê a formação de uma lista tríplice com os mais votados pela classe - são 2 mil promotores de Justiça em todo o Estado.
A lista é levada ao governador, que decide quem escolher, independentemente da colocação do indicado. O pleito de abril próximo, porém, deverá ser disputado apenas por dois procuradores - ainda há tempo para que outros concorrentes se inscrevam.
A reportagem do Estadão entrevistou Antonio da Ponte e Sarrubbo, fazendo a eles as mesmas peguntas sobre a Instituição e seus projetos para a Procuradoria-Geral de Justiça.
Antonio da Ponte diz que representa 'um projeto político-institucional que tem como ideal resgatar o Ministério Público, por intermédio de uma atuação proativa, independente, apartidária e profissional'.
O candidato argumenta que pretende devolver ao Ministério Público 'o lugar que lhe foi conferido pela Constituição de 1988'. Para atingir sua meta, considera 'imprescindível a adoção dos princípios da racionalidade, economicidade e eficiência, além de uma gestão profissional, competente e responsável do orçamento destinado à Instituição'.
Casado com Leila Hassem da Ponte, juíza de direito, um filho de 11 anos, Antonio Carlos Hassem da Ponte, o procurador aprecia a leitura. Ele destaca algumas recentes - A escolha de Sofia (William Styron), A menina que roubava livros (Markus Zusak) e Livro do Desassossego (Fernando Pessoa).
LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA DO PROCURADOR ANTONIO CARLOS DA PONTE AO ESTADÃO
ESTADÃO: Por que o sr. disputa o topo do Ministério Público de São Paulo?
Procurador de Justiça Antonio Carlos da Ponte: Represento um projeto político-institucional erigido com o auxílio de Colegas de várias gerações, que tem como ideal resgatar o MP, por intermédio de uma atuação proativa, independente, apartidária e profissional, devolvendo-lhe o lugar que lhe foi conferido pela Constituição de 1988 e permitindo-lhe contribuir com o aperfeiçoamento do Estado Social e Democrático de Direito. Para tal mister, que busca a construção do MP do século 21, é imprescindível a adoção dos princípios da racionalidade, economicidade e eficiência, além de uma gestão profissional, competente e responsável do orçamento destinado à Instituição. Sou Promotor de Justiça há quase trinta e dois anos, fui secretário do Conselho Superior do MP, membro do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça, subprocurador-geral de Justiça Institucional e de Gestão e Diretor da Escola Superior do Ministério Público. Acredito que o tempo de carreira associado à experiência vivenciada na Administração Superior e a observância ao projeto político-institucional apontado credenciam-me a ocupar o cargo de procurador-geral de Justiça.
ESTADÃO: O que será prioridade em uma eventual gestão sua como procurador-geral de Justiça?
Antonio da Ponte: O maior desafio como procurador-geral de Justiça será devolver a Instituição ao seu lugar de direito, que lhe foi conferido pela Constituição de 1988, contribuindo para o aperfeiçoamento uma pauta desenvolvimentista com a salvaguarda da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. O enfrentamento à criminalidade sem rosto e organizada, a proteção integral às vítimas de crimes e atos infracionais; o combate à corrupção e à improbidade administrativa; a política de proteção integral à infância, juventude, idoso, pessoa com deficiência e a atuação propositiva e ordenada em áreas como meio ambiente, habitação, urbanismo, mobilidade urbana, consumidor e saúde pública são objetivos a serem alcançados.
ESTADÃO: Quais são as principais preocupações e desafios dos promotores?
Antonio da Ponte: O principal desafio do Ministério Público é o enfrentamento à criminalidade ordinária e organizada, o fortalecimento de sua atuação nas áreas do patrimônio público e social, interesses difusos e coletivos, além da proteção integral às vítimas de crimes e atos infracionais. É hora de o Ministério Público de São Paulo liderar o movimento que, a exemplo de outros países, permita, entre outros projetos, a discussão e, mais tarde, construção do estatuto da vítima.
ESTADÃO: A lei de abuso de autoridade intimida os promotores?
Antonio da Ponte: A lei de abuso de autoridade não intimida a ação do Ministério Público, muito ao contrário. Nenhum agente público, mormente aquele encarregado da salvaguarda do império da lei, está imune ao controle social e legal de suas ações. O Ministério Público tem ciência de seu papel constitucional e a certeza de que nenhum diploma legal pode ser utilizado em desfavor daqueles que por intermédio de suas ações buscam o fortalecimento e aperfeiçoamento do Estado Democrático. Eventuais abusos sempre foram e continuarão a ser repelidos.
ESTADÃO: A lei de abuso de autoridade enfraquece investigações do porte da Lava Jato?
Antonio da Ponte: Não. A interpretação da lei, ainda que venha a negar vigência à sumula vinculante, não caracteriza crime de abuso de autoridade. Para caracterização de eventual crime é imprescindível aquilo que a Escola Clássica, Tradicional ou Causalista denominava de dolo específico, ou seja, a especial finalidade de produzir determinado resultado. É o que se infere do artigo 1º, §§ 1º e 2º, da Lei 13.869/2019 (abuso de autoridade). A lei de abuso de autoridade não tem o condão de minimizar ou impedir a ação independente e escorreita do Ministério Público.
ESTADÃO: É a favor da prisão em segunda instância?
Antonio da Ponte: Sou plenamente favorável à prisão em segunda instância, que nada mais é do que uma forma de prisão cautelar, que encontra lastro constitucional e não viola o princípio da presunção de inocência. A exigência do exaurimento da via recursal para fins de prisão representa séria anomalia ao senso médio das pessoas e aos pressupostos que alicerçam o Estado de Direito.
ESTADÃO: O que precisa ser corrigido em sua Instituição?
Antonio da Ponte: O Ministério Público, apesar de seu diminuto orçamento (fixado em 1,18% para 2020, quando teria direito a 2%, e o índice de advertência exigiria 1,90%) vem desenvolvendo com esforço os compromissos que lhe são atribuídos constitucionalmente. Com investimento em logística, tecnologia e pessoal poderia fazer muito mais. A Instituição precisa passar por um processo de desburocratização e racionalização da atividade-fim, por intermédio de práticas e medidas que valorizem o trabalho de promotores e funcionários. É imperioso a melhora da estrutura física e logística, recomposição do quadro de servidores e promotores, com a otimização de recursos da atividade meio. Além disso, é imprescindível o fomento de uma nova forma de atuação conjunta e integrada, por intermédio de agências, que congregariam promotores e procuradores de justiça nas diversas áreas afetas ao Ministério Público. Áreas estratégicas de atuação como criminalidade organizada, lavagem de capitais, corrupção, meio ambiente, saúde pública e educação justificam ainda a criação de promotorias regionais, após a transição do modelo de grupos especiais hoje existentes.
ESTADÃO: Até onde vai a independência do chefe do Ministério Público se ele é nomeado pelo governador?
Antonio da Ponte: O procurador-geral de Justiça é nomeado pelo governador do Estado que, para tanto, deve observar lista tríplice formada pelo voto direto e plurinominal de todos os integrantes da carreira. A escolha do chefe da Instituição por parte do Governador, que certamente será sensível a sinalização da classe e a altivez na condução da coisa pública que o cargo requer, não afeta a independência da Instituição. A relação entre o Governador do Estado e o chefe do MP deve ser profissional, leal e republicana.
ESTADÃO: O sr, foi secretário-adjunto da Segurança Pública. Isso afeta sua independência em relação ao Executivo?
Antonio da Ponte: Trabalhei como secretário-adjunto da Segurança Pública durante dois anos (2012-2013), quando esteve à frente da Secretaria o colega Fernando Grella Vieira. Foi uma experiência importante, pois me permitiu conhecer a estrutura e o funcionamento das policias civil, militar e técnico-científica, suas dificuldades e desafios, possibilitando-me o exercício de projetos e ações na área da inteligência, investigação e enfrentamento à criminalidade organizada, entre outras, sempre observando o diálogo e o respeito às particularidades de cada uma das policias. Na Secretaria da Segurança Pública também tive a oportunidade de enxergar o Ministério Público de fora para dentro e constatar a necessidade do fortalecimento do diálogo aberto, leal, crítico e contínuo da Instituição com o Executivo, Legislativo, Judiciário e a sociedade civil organizada.
ESTADÃO: Promotores reclamam da falta de reajuste em seus subsídios. O sr. está satisfeito com seu holerite?
Antonio da Ponte: Os subsídios dos membros do MP são fixados em atenção aos parâmetros contidos na Constituição para os integrantes de carreiras de Estado. A pretensão dos integrantes do MP é muito simples. Trabalhar com estrutura razoável, receber regularmente seus vencimentos e dar vazão aos sonhos que lhes animaram a escolher a Instituição, permitindo-lhes o cumprimento da missão a ela destinada.
ESTADÃO: Como será seu relacionamento com o Legislativo? A frequente necessidade de 'reforçar' o orçamento do MP pode implicar em uma relação amistosa com a Assembléia e consequente perda de autonomia dos promotores? Antonio da Ponte: Terei com o Legislativo e Executivo um relacionamento republicano, respeitoso, propositivo, leal, independente e transparente, que tenha como eixo central o fortalecimento do Estado Social e Democrático de Direito. Estarei sempre atento e sensível às críticas e propostas de aprimoramento da Instituição. Na mesma linha, de forma independente e profissional, apontarei nossas preocupações e necessidades para que a atividade-fim se desenvolva regularmente. O diálogo propositivo e republicano será a característica da nossa gestão.
ESTADÃO: O sr. é a favor ou contra promotores também poderem concorrer às eleições para procurador-geral de Justiça? Por quê?
Antonio da Ponte: Sou defensor da democracia interna na Instituição o que inclui, entre outras medidas, a possibilidade de Promotores de Justiça concorrerem ao cargo de PGJ. Na condição de PGJ liderarei um movimento político buscando a viabilização da democracia interna, o que possibilitará a oxigenação da Instituição, seu aperfeiçoamento e avanço.
QUEM É ANTONIO CARLOS DA PONTE
Antonio Carlos da Ponte ingressou no Ministério Público em 2/6/88. Foi Promotor de Justiça Substituto nas Comarcas de Taubaté, São Luiz do Paraitinga, Caçapava, Ubatuba, Cruzeiro e nas Promotorias Criminais da Capital.
Foi promotor de Justiça titular nas Comarcas de Cerqueira César, Praia Grande, Piracicaba e I Tribunal do Júri da Capital.
Na condição de procurador de Justiça foi eleito membro e Secretário do Conselho Superior do Ministério Público, membro do Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça e Diretor da Escola Superior do Ministério Público. Também exerceu os cargos de subprocurador-geral de Justiça Institucional, de Relações Externas e de Gestão. Integrou a Comissão de Estudos do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que apresentou sugestões ao Projeto de Código Penal (PLS 236/2012) e foi representante da Região Sudeste na Unidade Nacional de Capacitação do CNMP.
Em 1995 foi premiado pela Associação Paulista do Ministério Público com o Prêmio Melhor Arrazoado Forense, área criminal, com o trabalho intitulado 'Pessoa Jurídica - Responsabilidade Criminal de seus administradores, por atos praticados no curso da gestão'.
Em 2001, em razão da atuação como promotor de Justiça do I Tribunal do Júri da Capital, foi premiado pela Presidência da República com o Prêmio Nacional de Direitos Humanos.
Atualmente exerce o cargo de 51.º procurador de Justiça da Procuradoria de Justiça de Habeas Corpus e Mandados de Segurança Criminais.
Na área acadêmica, é Mestre (1998) e Doutor (2001) em Direito Processual Penal e Livre Docente (2008) em Direito Penal pela PUC-SP. Professor Associado da Faculdade de Direito da PUC-SP e Professor de Direito Penal e Teoria Geral do Direito nos Programas de Graduação e Pós-Graduação da PUC-SP e da Unisanta. Foi vice-diretor da Faculdade de Direito da PUC-SP, membro do Conselho Universitário da mesma Universidade e Chefe do Departamento de Direito Penal, Processo Penal e Medicina Legal, em duas oportunidades.
Coordenador do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal da PUC-SP (Cogeae). Integrante do Conselho Consultor da Revista Jurídica da Presidência da República e Parecerista ad hoc da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Autor dos livros Falso Testemunho no Processo (Atlas), Inimputabilidade e Processo Penal (Saraiva), Crimes Eleitorais (Saraiva), Teoria e Prática do Júri (CPC) e Coordenador do livro Mandados de criminalização e novas formas de criminalidade (Lumen Juris).
Autor de vários artigos jurídicos, integrante de bancas de Mestrado, Doutorado, Livre Docência e Concursos acadêmicos.
No âmbito familiar, é casado com Leila Hassem da Ponte, juíza de direito, e tem um filho com 11 anos de idade, Antonio Carlos Hassem da Ponte.
Leituras recentes: A escolha de Sofia (William Styron), A menina que roubava livros (Markus Zusak) e livro do desassossego (Fernando Pessoa).