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Bolsonaro tenta 'subordinar' MPF e PF, diz ex-procurador da Lava Jato

Carlos Fernando dos Santos Lima critica intenção e tentativas do presidente de interferir nas instituições por 'desejo particular de proteger a si e aos seus', ataca indicação de novo PGR fora da lista tríplice e vê retrocesso no combate à corrupção diante de 'reação coordenada'

Foto do author Fausto Macedo
Por Ricardo Brandt , Ricardo Galhardo e Fausto Macedo
Atualização:

Carlos Fernando do Santos Lima. Foto: Rodolfo Buhrer/Estadão

Com 28 anos de Ministério Público, filho de promotor e um dos mais ácidos membros que passaram pela força-tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba, Carlos Fernando dos Santos Lima solta o verbo contra o governo Jair Bolsonaro: aponta tentativa de interferência do presidente na Polícia Federal e no Ministério Público Federal para salvar "os seus", critica nomeação do novo chefe da Procuradoria-Geral da República (PGR), Augusto Aras, nome fora da lista tríplice votada pela categoria, fala em "reação coordenada" e momento de "retrocesso total" para combate à corrupção e à impunidade no Brasil.

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"A simples concordância com a absurda decisão do ministro Dias Toffoli em suspender as comunicações do Coaf e Receita Federal já demonstra a incapacidade de Bolsonaro em compreender a posição que ocupa. Agrava ainda seu desejo em interferir na Superintendência de Polícia Federal do Rio de Janeiro, indicador que pretende subordinar o interesse público ao seu interesse particular, compreensível, mas irrelevante, de proteger o filho", afirmou Carlos Lima em entrevista exclusiva ao Estado, concedida por e-mail.

Procurador regional da República aposentado desde março e, atualmente, advogado especialista em compliance, Carlos Lima criticou ainda políticos, de quem não espera um "espírito republicado", atacou a atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ao falar da saída de seis membros da equipe da Lava Jato na PGR, falou sobre tentativas de ingerência na Polícia Federal, sobre mudanças no Coaf, sobre o Caso Queiroz e disse que a Lava Jato vive seu pior momento. Para ele, Bolsonaro não entende seu "papel institucional".

LEIA A ENTREVISTA

Estado: A Lava Jato vive seu pior momento?

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Carlos Fernando dos Santos Lima: Não há dúvida sobre isso, mas a operação é muito resiliente. A população percebe que se trata de uma reação do sistema político viciado em dinheiro ilícito, com seus braços de interesses e conveniências em todos os Poderes, bem como na própria imprensa, que está tentando de todas as maneiras sobreviver.

Como acontece com ratos, encurralados pelo combate à corrupção, resolveram deixar suas desavenças de lado e atacar. Entretanto, como a população está cansada e conformada, e as eleições estão distantes, os ratos criaram coragem para reagir.

Estado: O sr. vê riscos de retrocesso ou riscos na agenda do combate à corrupção?

Carlos Lima: Já há retrocessos importantes. A transferência do Coaf para o Bacen, a diminuição da área de fiscalização e inteligência da Receita Federal pelo governo Bolsonaro são retrocessos. E são retrocessos significativos, pois indicam uma convergência de interesses do Executivo com a parcela do Congresso Nacional, que foi duramente atingida pela Operação Lava Jato, bem como com representantes desse mesmo sistema apodrecido em outros órgãos e Poderes públicos.

Estado: O governo Bolsonaro tem cumprido a promessa de enfrentamento à corrupção?

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Carlos Lima: Quando se observa a atuação do ministro da Justiça, Sérgio Moro, isoladamente, especialmente no seu início, havia a impressão que o presidente Bolsonaro não seria somente um surfista na onda anticorrupção que tomou o País a partir de 2013.

Entretanto, por mais que se reconheça a competência e disposição de Moro, talvez motivado por uma incapacidade de Bolsonaro de compreender seu papel institucional, seja por este não desejar realmente o combate à corrupção, seja por temer as investigações sobre seu filho, o atual governo não vem realmente realizando a promessa de campanha.

A simples consideração de interferir diretamente na Polícia Federal é um indicador de que teremos sério retrocesso.

Estado: A possível troca do comando geral da PF e as tentativas de interferência são preocupantes?

Carlos Lima: Um péssimo sinal. Um sinal de interferência indevida do Executivo em áreas que devem possuir autonomia. Um retrocesso completo.

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Estado: A retirada do Coaf do Ministéro da Justiça e Segurança Pública e as ofensivas contra a Receita também são sinais preocupantes?

Carlos Lima: Sim, mas há outros.

Escolher um PGR (procurador-geral da República) fora da lista, a aprovação das mudanças na Lei de Abuso de Autoridade pelo Congresso, a mutilação do pacote anticorrupção de Moro, a tramitação de projetos que limitam a colaboração premiada, o silêncio completo sobre o fim do foro privilegiado, as abusivas decisões monocráticas de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, tudo a indicar uma reação coordenada contra o combate à corrupção.

Estado: Como o sr. avalia a postura de Bolsonaro em relação ao Caso Queiroz?

Carlos Lima: A pior postura possível. A simples concordância com a absurda decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, em suspender as comunicações do Coaf e Receita Federal já demonstra a incapacidade de Bolsonaro em compreender a posição que ocupa. Agrava ainda seu desejo em interferir na Superintendência de Polícia Federal do Rio de Janeiro, indicador que pretende subordinar o interesse público ao seu interesse particular, compreensível, mas irrelevante, de proteger o filho.

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Estado: A defesa de Bolsonaro ao filho e suas ações são condizentes com o discurso que ele adotou na campanha e o ajudou a eleger?

Carlos Lima: Absolutamente não.

Estado: Bolsonaro comparou o PGR à "dama" do jogo de xadrez. Como o senhor interpretou a fala e como vê a condução da sucessão de Raquel Dodge?

Carlos Lima: Da mesma forma: subordinar toda instituição ao seu desejo particular de proteger a si e aos seus só indica sua inaptidão para um cargo tão importante. Além disso, mostra-se incapaz de ser realmente um estrategista, um Maquiavel dos trópicos como se acha, pois ingenuamente acredita que essas pessoas que procuram burlar o mecanismo da lista tríplice irão lhe entregar o que prometem.

Quem é capaz de trair o desejo de toda uma categoria, certamente trairá um presidente enfraquecido.

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Estado: O sr. teme tentativa de interferência na PGR pelo governo?

Carlos Lima: Certamente teremos um procurador-geral da República que fará considerações políticas na sua atuação institucional.

Isso para a maioria dos procuradores da República é um erro.

A função de PGR exige independência e coragem, e não subserviência e conformismo.

Estado: Qual sua opinião sobre notícias que apontam o advogado de Flávio, Frederik Wassef, como responsável pela indicação de nomes para a PGR?

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Carlos Lima: Há muitos padrinhos para todos os candidatos. Alguns com mais acesso ao presidente que outros.

Infelizmente um país cujos chefes de Poderes são Dias Toffoli (STF), Davi Alcolumbre (presidente do Senado), Rodrigo Maia (presidente da Câmara) e Bolsonaro, não se pode esperar espírito republicano, um espírito realmente dirigido ao atendimento do interesse público.

Estado: Desde o inicio, a Lava Jato enfrentou tentativas de obstrução, complôs. Essa nova ofensiva une Congresso, Executivo e Judiciário?

Carlos Lima: Exatamente isso. A Lava Jato encurralou o sistema político e ele está finalmente reagindo de forma coordenada.

Os interesses são diversos, mas têm em comum o desejo do retorno ao padrão brasileiro de uma Justiça Criminal que só possui efetividade para colocar negros, pardos e pobres na cadeia, mas nunca contra poderosos.

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Esses Poderes estão nas mãos de lideranças completamente engajadas, sem qualquer escrúpulo ou disfarce, na destruição do combate à corrupção. Fazem coisas que ofendem diretamente a Constituição Federal, como por exemplo esse inquérito conduzido por Alexandre de Moraes (ministro do STF), sob ordens de Toffoli. É um caso que não é absolutamente da competência do STF, sem objeto definido, pois começou como relativo ao combate de fake news e se transformou evidentemente em um inquérito que visa garantir que de nenhuma maneira ministros do STF sejam investigados - inclusive no aspecto fiscal. Além disso, esse inquérito não foi livremente distribuído entre os ministros e corre em segredo, que é diferente de sigilo, pois nem sequer o órgão acusador tem a ele acesso.

Estado: Há uma conjunção de fatores colocando em risco a Lava Jato e o combate à corrupção?

Carlos Lima: Tudo isso seria escandaloso por si, mas esse fenômeno passa também, infelizmente, por uma mídia incapaz de fugir de um relativismo moral, incapaz de fazer uma crítica realmente séria dos problemas que vivemos, e que parece entender que é válido proteger essa elite corrupta em troca do crescimento econômico. Assim, por exemplo, não discutem (a mídia) se Raquel Dodge poderia realmente excluir depoimentos de delator envolvendo o irmão de Toffoli e Maia em ilícitos - ao que parece ter sido a motivação de renúncia de seu gabinete. Nem querem aparentemente investigar que eventuais fatos ilícitos foram informados. Fingem ser mais importante publicar narrativas construídas a partir de material de origem criminosa para denegrir Moro e Deltan Dallagnol.

O futuro é bastante incerto. Cada pessoa que acredita num País melhor deve se levantar e mostrar sua indignação com tudo que está acontecendo.

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