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Decano da Lava Jato se aposenta do MPF e vai dar consultoria anticorrupção para empresas

Carlos Fernando dos Santos Lima se afastou das investigações em setembro e começa nesta segunda, 18, a trilhar a carreira de advogado especialista em compliance: de saída, falou sobre 5 anos da força-tarefa, a ida de Sérgio Moro para governo e a prisão de Lula

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Foto do author Fausto Macedo
Por Ricardo Brandt e Fausto Macedo
Atualização:

Procurador Carlos Fernando, no QG da Lava Jato. Foto: Rodolfo Buhrer/Estadão

A partir desta segunda-feira, 18 de março de 2019, Carlos Fernando dos Santos Lima não é mais procurador da República. Aos 55 anos de idade, o mais antigo membro da força-tarefada da Operação Lava Jato se aposentou. Da cadeira de acusador, vai passar agora para a cadeira de consultor e defensor: deve abrir um escritório de advocacia para atuar para o setor privado dando cursos e consultorias na área de compliance, que é a prática de medidas que tentam evitar desvios dentro de empresas. Garante que atuará fora área criminal: " não vou advogar contra o Ministério Público" nem mesmo em casos relacionados à Lava Jato.

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Na última semana desocupou o gabinete no oitavo andar da Procuradoria Regional da República da 3.ª Região (PPR-3), em São Paulo. Não faz parte mais do quadro de membros do Ministério Público Federal, posto que ocupava desde 1995. Membro da equipe do Caso Banestado - de lavagem de dinheiro por contas CC5 no final da década de 1990 -, uma das origens da Lava Jato, e um dos principais articuladores dos acordos de delação premiada da força-tarefa, Carlos Lima falou ao Estado em sua última entrevista como procurador, na terça-feira, 13, véspera da decisão do STF considerada um dos maiores revés para a Lava Jato nesse cinco anos.

Falou sobre as investigações e a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva - que completará um ano em abril -, sobre a "judicialização excessiva" reinante no País e avaliou a ida de Sérgio Moro para o governo de Jair Bolsonaro (PSL) como um prejuízo para a imagem da Lava Jato a ser compensado, caso ele consiga aprovar o pacote de leis anticrime organizado e anticorrupção.

Desde 2017, Carlos Lima poderia pedir aposentadoria, mas suspendeu a decisão em meio às incertezas geradas pelo plano de reforma da Previdência em discussão no governo do ex-presidente Michel Temer. Preferiu se aposentar por tempo de serviço: completou ontem 40 anos de trabalho. Antes de ser procurador, trabalhou no Banco do Brasil e como promotor . "Sou dos que tiveram a sorte de não pegar o novo regime previdenciário." Em setembro do ano passado, pediu afastamento da força-tarefa da Lava Jato, onde estava atuando desde 2014 - acumulando com o trabalho em São Paulo -, para fazer uma "quarentena por conta própria".

LEIA A ENTREVISTA:

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Já foi sondado para alguns trabalhos?

Já vieram conversar... eu sempre disse que ainda estava de saída ainda. Então não permiti nenhum desenvolvimento, mas agora vamos ver. Posso abrir escritório do Paraná ou em São Paulo. Eu ainda não estou certo, estou até ansioso, porque é uma mudança de vida total. Devo sair uns dias para viajar com a família e no final de maio volto.

Nesses 5 anos de Lava Jato o sr. se arrepende de algo?

Tenho dificuldades com essa pergunta, por causa da minha natureza pragmática. Se naquele momento foi a decisão tomada .... Talvez dar mais apoio para o Deltan (Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato) no dia da apresentação do power point (sobre a primeira denúncia criminal feita contra Lula), mas lidamos com o processo Lula de maneira muito cuidadosa... É o tipo de investigação que tem dificuldade natural, pelo tamanho que era a imagem do presidente Lula. Mesmo quando estávamos nas investigações... A primeira coisa foi a condução coercitiva, que mostrou que o ex-presidente estava sujeito às investigação da Justiça. Às cinco horas, antes que as pessoas tivessem a ideia do que fazer, ele já estava em casa novamente. Foi tudo feito com muito cuidado. O episódio das gravações de telefones...

O que o sr. achou da divulgação dos áudios?

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Fomos nós que pedimos, não foi o (ex-juiz Sérgio) Moro que tirou da cartola. Não vejo problemas nas gravações, era evidente que estava sendo articulado ali.

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Chegaram a cogitar a prisão cautelar de Lula ao invés da condução coercitiva?

A decisão operacional de leva-lo para ser ouvido no aeroporto de Congonhas foi da Polícia Federal. Havia muitas dúvidas sobre o local adequado. Talvez fosse um quartel, por exemplo, um local de difícil acesso. Mas politicamente ia ser um problema. A PF decidiu levar para lá e funcionou. Era necessário desconstruir a imagem que existiam pessoas fora do alcance da Justiça. Aquele momento a condução teve a virtude de mostrar que a Justiça alcançava qualquer um. Não é bem assim, porque na verdade há uma série de intocáveis na República, mas de qualquer forma depois que o Lula foi preso (em abril de 2018, após condenação em segundo grau), ninguém está mais garantido.

Nos últimos meses, muitos processos da Lava Jato com delações que estão no âmbito da procuradoria-geral da República (PGR) e do Supremo Tribunal Federal (STF) começaram a ser arquivados Qual é o problema?

São duas situações. Primeiro que aquilo que o delator fala é um indício e isso tem que ser corroborado com outras provas e outros indícios. Não para denunciar, muito menos condenar alguém só com base em delação. O que aconteceu é que não houve qualidade das investigações como houve no primeiro grau. Porque o STF e a PGR não têm a mesma capacidade e agilidade e experiência do primeiro grau a respeito disso. Não houve boas investigações. Segundo problema é que os ministros do Supremo começaram a enveredar por outro campo: as provas produzidas pelos colaboradores também não valiam como suficientes. Uma coisa é o depoimento, ele é insuficiente. Mas se eu tenho documentos .... Começaram a querer contaminar os documentos com a mesma ineficácia para gerar acusação ou condenação. Mas um documento é diferente. O depoimento do colaborador pode não ser suficiente, mas se ele vem com documentos, essa documentação tem outro peso. E começaram (STF) a fazer isso independente do pedido do titular da ação, independente do Ministério Público pedir o arquivamento. O juiz tem que ser inerte, não pode querer presidir a investigação.

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Nessa nova fase da vida profissional o sr. continuará atuando nessa área de delações?

Mais em leniências, compliance, investigações internas. Tem um campo grande que posso auxiliar empresas a buscar elementos ara levar ao Ministério Público. Com minha visão de procurador eu posso ajudar as empresas a procurar documentos para iniciar negociações com o Ministério Público. Até posso trabalhar com negociações com o Ministério Público, mas quero construir uma atividade que não seja concorrente com o Ministério Público, mas sim coadune com os interesses do Ministério Público. Vou ajudar empresas a resolver seus problemas, mas não a confrontarem. Porque hoje em dia, quem trabalha com compliance, a última coisa que se deve fazer é confrontar. A Odebrecht é um exemplo de confrontação que quase levou à uma situação de não retorno.

O sr. vai atuar para empresas investigadas na Lava Jato?

Não no caso Lava Jato. Posso atuar para uma empresa... Mas não no caso da Lava Jato. Não posso atuar em nada que eu tenha atuado como procurador. E hoje é muito difícil, porque o que é Lava Jato é um conceito cada vez mais difícil de se estabelecer. No caso do Rio de Janeiro, por exemplo. Fizemos a primeira operação deles, no caso Sérgio Cabral, em conjunto. Depois eles tocaram para frente independente. O caso da Eletronuclear, que gerou a Lava Jato no Rio, também atuei. Então é um espectro amplo. Tem muita gente que enriqueceu com a Lava Jato, mas eu não vou.

Há uma crescente crítica de judicialização no País. Há uma anomalia no sistema?

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Temos uma anomalia sim. O Brasil é um País que para solucionar um problema ele não soluciona, ele busca uma gambiarra. E isso gera novos problemas, que serão corrigidos também com gambiarras. Aí vamos fazendo gambiarra em cima de gambiarra. O problema nosso é: por que a Justiça não funciona? Nos Estados Unidos fui estudar lá, aluguei um apartamento, não precisei de fiador, não precisei de seguro fiança, nada. Simplesmente paguei um mês adiantado e no final me devolveram. Porque seu eu não pagasse o aluguel, em um mês eles me tiravam do apartamento. Quem garante no Brasil que você sai do apartamento em um mês. E tudo isso é custo. Então nossa Justiça está em uma situação complicada. E de gambiarra em gambiarra, inclusive, para resolver problemas que ela mesma criou começaram a judicializar excessivamente.

O Supremo começou em habeas corpus na área criminal, por exemplo, e em diversas outros assuntos, ele começou a ter uma atividade legislativa. Nós temos uma série de problemas, mas nós como país não temos o hábito de discuti-los com profundidade, arranjamos um jeito de empurrar o problema um pouco mais para frente, até o outro governo ou coisa assim. Então acho que temos uma judicialização excessiva no Brasil por não querermos atacar os problemas reais que temos.

Se quiser tratar da corrupção, ataque o motivo pelo qual temos que ter tanto dinheiro para as estruturas partidárias e para as eleições. Não vai mudar só tornando a cadeia um risco real. É preciso dar um jeito de as eleições serem mais baratas. Para isso, precisa de discussão séria, mas onde ela está? Ninguém quer. É o País do remendo e ideologicamente dividido hoje em dia.

A Lava Jato ganhou com a ida de Sérgio Moro para o Ministério da Justiça?

Não digo que seja um ganho, porque a Lava Jato sofre também com isso. Obviamente temos que fazer uma desvinculação da Lava Jato com a política. O fato de ele ter ido para o governo, fez muita gente dizer que a Lava Jato toda era ou tinha uma direção determinada. E isso não existe. Então, temos um problema de discussão, uma questão retórica.

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Mas acha que a ida dele para o governo enfraqueceu a Lava Jato?

Só do ponto de vista retórico. Se ele (Moro) conseguir aprovar o projeto anticorrupção e anticrime organizado eu digo que será um custo suportável. Nem que seja 60% ou 70% dele. Eu acho esse projeto (enviado em fevereiro à Câmara dos Deputados) tímido. Comparado com as 10 Medidas Anticorrupção e agora com as 70 Novas Medidas, ele é muito pequeno.

O sr. passou pelo Banestado e agora pela Lava Jato. Pode existir algo parecido?

Olhando historicamente o desenvolvimento dela é surpreendente. Ter algo com essa dimensão e com esse crescimento exponencial, com esse envolvimento, não acredito. Mas a política está aí e vai continuar e se não houver mudanças efetivas, os mesmos erros devem ser cometidos. O Banestado também foi surpreendente na época porque quebrar o que quebramos de contas de doleiros no exterior ... Chegamos a quebrar o mercado de dólar paralelo no Brasil. Isso dito pelo (ex-ministro José) Dirceu que era do governo na época. Mas tudo se adapta.

Mas aí veio a Lava Jato para provar que nada tinha mudado...

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Retorno total ao que era não acho possível. Mas não podemos dizer que acabou a corrupção. Se o Moro conseguir aprovar o pacote de medidas, a ida dele para o governo terá compensado, apesar do preço alto que ela gera para a Lava Jato. Se ele não conseguir fazer nada... Acho que o Moro tem sido um dos pilares do novo governo. Se o Moro e o ministro Paulo Guedes (Economia) fizer aquilo que querem, acho que o Brasil tem a chance de ter um bom governo.

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