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‘A inércia do Estado pode levar à violência, em face do abandono de pessoas que se tornam criminosas’

Ao analisar o caso envolvendo o chicoteamento de um jovem negro que foi flagrado tentando furtar uma barra de chocolate, o juiz Carlos Alberto Correa de Almeida Oliveira, da 25ª Vara Criminal de São Paulo registrou: ‘um erro não justifica outro erro, ou seja, não autorizava os acusados baterem em um adolescente’

Foto do author Pepita Ortega
Foto do author Fausto Macedo
Por Pepita Ortega e Fausto Macedo
Atualização:


Jovem foi torturado em supermercado na zona sul de São Paulo por tentar furtar uma barra de chocolate. Foto: Reprodução

Ao condenar os seguranças Davi de Oliveira Fernandes e Valdir Bispo dos Santos por lesão corporal e absolvê-los da acusação de tortura envolvendo o episódio em que chicotearam um adolescente negro flagrado tentando furtar uma barra de chocolate, o juiz Carlos Alberto Correa de Almeida Oliveira, da 25ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo fez considerações sobre as pessoas que ‘acabam por tomar a justiça nas próprias mãos e com isso passam a ser criminosos’.

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"A inércia do Estado pode levar à violência, em face do abandono de pessoas que se tornam criminosas, como pela reação das vítimas que não acreditam no Estado e reagem, desproporcionalmente, contra os criminosos, passando a se tornarem criminosos também", disse o magistrado durante o julgamento nesta quarta, 11.

Em outro momento, o magistrado apontou que a certeza de impunidade gera o sentimento de vingança, que se reflete em mais violência. No entanto, tomando como base o caso em questão, do jovem negro chicoteado por ter roubado uma barra de chocolate, e também a omissão do Estado quanto à vitima e dua conduta ele ressalta: "o fato é que um erro não justifica outro erro, ou seja, não autorizava os acusados baterem em um adolescente".

O juiz inocentou ou ex-seguranças do supermercado Ricoy da acusação de tortura porque 'as agressões infringidas ao menor não foram com a finalidade de obter informações e também não foram aplicadas por quem estava na condição de autoridade, guarda ou poder'.

O episódio envolvendo o jovem negro virou alvo de inquérito policial após cair na internet o vídeo em a vítima é açoitada completamente despida.

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"As imagens são gravíssimas e demonstram como o adolescente foi exposto a um intenso sofrimento, a uma humilhação desnecessária e teve a sua dignidade humana desrespeitada", disse o magistrado em referência à gravação.

Outro trecho da decisão registra que os ex-seguranças tinham a intenção de 'aplicar uma reprimenda e uma humilhação' ao jovem, 'acabando por representar ato de sadismo'.

"Além da revolta natural que causa a covardia de se agredir alguém sem condições de defesa, esse sentimento é ainda agravado pelo fato do menor estar pelado e com a boca amordaçada, repetindo aquilo que já existiu em um passado de escravidão que o país já vivenciou ou ainda sessões de sadomasoquismo e de pedofilia que há foram constatados em outros processos", disse Oliveira no julgamento.

Ao condenar os ex-seguranças por lesão corporal e não tortura, o magistrado indicou ainda que os termos 'autoridade, guarda ou poder' possuem significados jurídicos próprios que não podem ser estendidos por analogia ou ainda interpretados de forma extensiva 'para colocar o criminoso na condição de que possui uma situação que decorre da lei e não do próprio crime'.

Segundo o magistrado, a tipificação do crime de tortura tem como base uma ideia de autoridade, deixando de considerar a "conduta de pessoas que apenas usam do castigo injustificado e imoderado como um meio de afirmação, como ocorre nos chamados 'Tribunais do Crime' ou no próprio ato de 'Linchamento' quando não ocorra evento mais grave".

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"O que os réus fizeram foi extremamente grave, causa intensa revolta no homem comum e ainda demonstra o quanto miseráveis de sentimentos e valores algumas pessoas podem se tornar se não observado o limite da humanidade. Porém, não está na repulsa à conduta praticada pelos acusados, a justificação para se flexionar a interpretação da lei para castigar com maior rigor, o que pode nos colocar em situação assemelhada à dos acusados no tocante à violação da lei", apontou o magistrado.

COM A PALAVRA, A DEFESA DOS CONDENADOS A reportagem busca contato com os advogados de Davi de Oliveira Fernandes e Valdir Bispo dos Santos. O espaço está aberto para manifestações. COM A PALAVRA, O RICOY Quando as acusações sobre o episódio de agressões ao jovem negro foram divulgadas, o Ricoy divulgou a seguinte nota: "O Ricoy Supermercados apura todo e qualquer caso de violência. Mais do que isso, sempre vai colaborar com as investigações e as autoridades para garantir que todos os fatos sejam esclarecidos. E enfatizamos que somos contrários e não compactuamos com qualquer tipo de discriminação ou violação de direitos humanos. Por isso, o Ricoy espera que sejam punidos no rigor da lei sempre que o crime for comprovado." "Em relação aos fatos lamentáveis registrados em vídeo divulgado amplamente, o Ricoy Supermercados esclarece o seguinte: 1 - Ficamos chocados com o conteúdo da tortura em cima do adolescente vítima da violência. 2 - O Ricoy desde sua fundação na década de 1970 exerce os princípios mais rígidos de valorização do ser humano, seja em nossas lojas ou em nossa comunidade. Ficamos muito abalados com a notícia que nos causou repulsa imediata. 3 - Os dois seguranças acusados de praticarem os atos são de empresa contratada terceirizada e não prestam mais serviço para nossos supermercados. 4 - Para manter a coerência em contribuir com as investigações, nesta terça-feira (3), um funcionário da loja Yervant Kissajikian, 3384, prestou depoimento no 80º Distrito Policial. 5 - O Ricoy já disponibilizou uma assistente social para conversar com a vítima e a família. E dará todo o suporte que for necessário. O Ricoy Supermercados condena e repudia todos os casos de violência, discriminação ou violação dos direitos humanos envolvendo direta ou indiretamente suas lojas. O Ricoy Supermercados acredita que para a construção de um país mais justo é preciso uma sociedade mais igualitária, mais tolerante com as diferenças e sem preconceitos. Não por acaso é importante enfatizar que desde a sua fundação o Ricoy Supermercados reflete em seu corpo de colaboradores a grande diversidade dos brasileiros. E diante das notícias dos últimos dias, enfatiza: espera que todos sejam punidos no rigor da lei sempre que o crime for comprovado."

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