O preço da gasolina comum é influenciado tanto por tributos federais como por estaduais, diferentemente do que afirma uma postagem falsa no Facebook. De acordo com a Agência Nacional de Petróleo (ANP), o valor do combustível é composto pela cobrança das refinarias (média de 27,7% do preço), impostos federais (15,5%) e estaduais (28,3%), além de custos e margem de lucro da revenda (13,1%).
A postagem analisada mostra a nota fiscal de um posto onde o cliente abasteceu o veículo com R$ 100 em combustível. O documento supostamente aponta que não foi cobrado nenhum imposto federal, ao passo que o tributo estadual teria correspondido a R$ 47,93 do total. "Gasolina cara, a culpa é do governador", acusa a legenda. Esta postagem foi compartilhada ao menos 12 mil vezes no Facebook.
O Estadão Verifica apurou que a nota fiscal em questão foi cancelada pelo posto e não tem valor.
A primeira pista que temos para analisar a veracidade da nota fiscal é a data: 18 de março de 2021. Naquele mês, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) zerou por dois meses os tributos federais para o diesel, atendendo a um pedido de caminhoneiros após a Petrobras anunciar aumento no preço nas refinarias para o combustível.
Como a nota fiscal diz "gasolina comum", perguntamos ao Ministério da Economia se a medida foi estendida a este combustível, mas a pasta negou. "Não houve desoneração do etanol e da gasolina", informou.
Utilizamos a ferramenta de monitoramento de redes CrowdTangle para achar postagens semelhantes. A mais antiga encontrada foi publicada em 23 de março, cinco dias após a emissão da suposta nota. Nela, é possível ver um pedaço do documento que não aparecia na outra publicação e que mostra uma chave de acesso para consulta no site da Secretaria da Fazenda da Bahia (Sefaz/BA).
No site, a nota aparece como "cancelada pelo emitente". A assessoria de comunicação da Sefaz disse que o cancelamento é feito pelo emissor da nota e que "torna juridicamente inútil a Nota Fiscal do Consumidor Eletrônica (NFC-e)".
O Estadão Verifica não conseguiu entrar em contato com o posto de combustíveis onde a nota foi emitida, na cidade de Remanso.
Composição do preço dos combustíveis
O petróleo passa por uma cadeia de produção até chegar aos postos de combustíveis. Os custos de cada etapa (refinarias, distribuidoras e postos) impactam no preço cobrado na bomba. Além disso, soma-se ao valor total os impostos estaduais (ICMS) e federais (PIS/Pasep, Cofins e Cide).
A ANP se ampara em dados do Ministério de Minas e Energia para calcular o preço médio dos valores praticados nos postos em cada região. O dado mais recente é o de novembro de 2020. Veja o peso de cada fator sobre o preço final da gasolina na região Nordeste:
O primeiro fator que compõe o do litro da gasolina comum é o preço nas refinarias. A Petrobras informa que o valor cobrado pelo petróleo nas refinarias sobe e desce de acordo com a influência do mercado internacional. Com isso, a taxa de câmbio do real em relação ao dólar também interfere. Segundo a empresa, é necessário variar o valor cobrado nas refinarias para poder "competir de forma eficiente no mercado brasileiro" com os concorrentes importadores.
Das refinarias, a gasolina passa pelas distribuidoras antes de chegar aos postos de combustível. Por isso, entram no preço final da gasolina as despesas operacionais de cada empresa. Outra influência é da margem de lucro da redistribuição e revenda.
Mais um fator importante para se compreender a composição do preço da gasolina é o acréscimo de etanol, obrigação legal desde 1993. Atualmente, a gasolina comum contém 27% de etanol e o preço do combustível entra na conta de quanto você paga para abastecer o carro.
Por fim, é preciso colocar na ponta do lápis o peso dos tributos estaduais e federais. Os Estados recebem pelo ICMS; este valor equivale em média a 28,3% do preço final dos combustíveis no País. Em novembro, os tributos estaduais pesavam menos na região Norte (26,3%) e mais na região Centro-Oeste (29,3%).
O governo federal cobra PIS, Cofins e Cide. No dado mais recente da ANP, o peso dos tributos federais era em média de 15,5%, tendo menor impacto na região Centro-Oeste (15%) e maior na região Sul (15,8%).
O preço dos combustíveis tem papel importante na inflação e na satisfação da população. A alta no diesel já levou a uma greve de caminhoneiros que tirou o sono do então presidente Michel Temer. Por isso, o tema pode ser alvo de desinformação para atacar ou defender algum governo.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.