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Posts que citam alta de mortes por covid em 2021 omitem impacto de variantes e vacinação lenta

Publicações nas redes sociais afirmam que agravamento da pandemia é sinal de que vacinas não estão funcionando; mas especialistas lembram que ainda é baixo o percentual da população imunizada com segunda dose no Brasil

Por Victor Pinheiro
Atualização:

Publicações nas redes sociais enganam ao citar o aumento no número de casos e mortes por covid-19 em 2021 como sinal de que as vacinas não estão funcionando. De acordo com especialistas consultados pelo Estadão Verifica, o surgimento de novas variantes mais transmissíveis, o ritmo lento da campanha de imunização e o relaxamento de medidas protetivas são alguns dos fatores que podem explicar o agravamento da pandemia no País.

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Em entrevista a um canal no YouTube, o médico Alessandro Loiola citou dados de mortes por covid-19 em Estados brasileiros e em outros países antes e depois do início da vacinação. Ele pontuou que, atualmente, a média semanal de óbitos é maior do que as observadas no pico da pandemia em 2020, quando ainda não havia vacinas disponíveis. A análise do médico, no entanto, ignora outros fatores que afetam a dinâmica da transmissão do vírus no País

"Não tem nada a ver com a vacina. Se não tivéssemos iniciado a vacinação, certamente o pico mais recente da pandemia teria sido muito pior, principalmente no grupo de idosos", destaca a epidemiologista da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Ethel Maciel, em entrevista ao Estadão.

A entrevista de Loiola foi excluída do YouTube por ferir as diretrizes da plataforma, mas ainda circula no WhatsApp, Facebook e Twitter. O médico espalha desinformação sobre a pandemia repetidamente, e foi desmentido pelo Estadão Verifica diversas vezes.

 Foto: Estadão

Ethel Maciel ressalta que as vacinas são eficazes, mas apenas a primeira dose não oferece proteção adequada contra a doença. Loiola cita no vídeo que Goiás, Bahia, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul registraram alta na média de mortes em relação a 2020; no entanto, apenas os dois últimos Estados já alcançaram mais de 15% da população elegível com as duas aplicações, segundo dados do Consórcio de Veículos de Imprensa consultados nesta segunda-feira, 28. 

"O percentual [de vacinados com as duas doses] é muito pequeno. Não temos um percentual que faça mudanças expressivas na transmissão do vírus", defende a especialista. 

O médico epidemiologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Guilherme Werneck classifica o discurso de Loiola como uma "grande falácia". Ele afirma que o descontrole da transmissão corresponde ao principal fator por trás do número de casos e, consequentemente, de hospitalizações e mortes.

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"O fato é que ocorreu a entrada de variantes mais transmissíveis e isso alavancou a curva de casos e óbitos. A proteção [da vacina] que nós temos hoje se dá somente no nível individual, ou seja, não temos tanta gente vacinada com as duas doses a ponto de interferir na dinâmica da transmissão e da mortalidade", pontuou Werneck. 

Maciel aponta que é preciso acelerar a vacinação no Brasil, principalmente em meio ao surgimento de novas cepas  que podem afetar a eficácia do imunizante. Um relatório de vigilância genômica do governo britânico aponta que a imunização com a primeira dose apresenta uma eficácia de apenas 35% em prevenir casos sintomáticos de infecções da variante delta, identificada inicialmente na Índia. Com as duas aplicações, a proteção salta para 79%. A cepa já provocou a morte de dois pacientes no Brasil.

SARS-CoV-2 variants of concern and variants under investigation in England Technical briefing 17

O cálculo usa dados referentes às três vacinas aplicadas na Grã-Bretanha, fabricadas pela Pfizer, Astrazeneca/Oxford e Moderna; a última ainda não é utilizada no Brasil. 

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Reportagem da Forbes

Em sua exposição, Loiola ainda cita uma matéria da Forbes que aponta que quatro de cinco dos países com maior proporção de vacinados enfrentam surtos de covid-19, entre eles Chile e Emirados Árabes. 

O veículo cita preocupações com a eficácia do imunizante das empresas chinesas Sinopharm e Sinovac, uma vez que os países mencionados concentraram suas estratégias de imunização nos produtos do país asiático. As vacinas chinesas citadas apresentaram um percentual de eficácia para prevenir casos sintomáticos em ensaios clínicos menor do que outras, como as fabricadas pela Pfizer e Moderna. 

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Por outro lado, o texto ressalta que o relaxamento precoce de medidas restritivas e falhas de comunicação configuram potenciais explicações para o cenário de aumento nesses países. 

Para Guilherme Werneck, é importante monitorar o impacto da vacinação, mas ele argumenta que é precipitado associar surtos de covid coma uma eficácia mais reduzida dos imunizantes chineses. Ele acrescenta que comparar o percentual de eficácia de diferentes vacinas é extremamente complicado, porque ensaios clínicos têm metodologias diferentes. 

"Não vou dizer que é impossível existir influência da diferença de nível de eficácia de vacinas, mas o aumento no número de casos parece estar mais relacionado com o processo de vacinação e características de transmissão locais", pontua. 

Vacina da Pfizer desmontou eficácia de 100% em prevenir sintomas da covid durante estudo clínico com adolescentes maiores de 12 anos. Foto: Alejandra De Lucca V. / Ministério da Saúde do Chile (Minsal)

Uma matéria do jornal El País publicada no início de junho, por exemplo, ressalta que 90% dos pacientes hospitalizados no Chile não foram vacinados. Além disso, um relatório do Ministério da Saúde do país sul-americano indicou que o imunizante é 80% eficaz na prevenção de mortes após 14 dias da segunda dose. 

"O que se observa fora do Brasil, em países que têm cobertura [vacinal] maior, é que ainda há óbitos e retorno de casos, como estamos vendo em Israel. Mas esses casos são mais leves, com menos hospitalização, e se você for olhar o perfil de óbitos, a grande parte deles é de pessoas que não foram imunizadas", diz Werneck. 

Evidências preliminares

Segundo os especialistas, há evidências preliminares que mostram um possível impacto positivo da vacinação na população brasileira. A professora da UFES Ethel Maciel cita um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) que mostrou uma queda na proporção de mortes de covid-19 entre idosos maiores de 80 anos. 

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Ainda não revisada por pares, a pesquisa analisou as notificações de óbitos da doença em 14 semanas epidemiológicas, que compreendem o início do ano até a metade de abril. O índice que esteve entre 25-30% ao longo da pandemia, recuou para 13.1% nas duas últimas semanas do período. 

Artigo Ufpel

Os autores ressaltam que os dados não permitem estabelecer uma relação causal com a vacina, mas corroboram com os dados de eficácia identificados nos estudos clínicos dos imunizantes e pesquisas observacionais de redução de óbitos em grupos de profissionais da saúde. 

Estadão Verifica entrou em contato com o médico Alessandro Loiola, que não respondeu até a publicação desta checagem.

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