Postagem infundada inventa risco de 'alterações genéticas' para fazer campanha contra vacinas armazenadas a baixas temperaturas

Texto viral falsamente atribui informação a ex-vice-presidente da Pfizer

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Por Marianna Gualter (Broadcast) e especial para o Estado
Atualização:

É infundada uma publicação que circula em redes sociais sugerindo que vacinas armazenadas a baixas temperaturas têm capacidade de alteração genética e que são "agentes de transfecção". O texto é acompanhado de uma fotografia do ex-vice-presidente da Pfizer Michael Yeadon, mas ele não é o autor da informação falsa. Leitores solicitaram a checagem deste conteúdo pelo WhatsApp do Estadão Verifica11 97683-7490.

Temperatura baixa de conservação da vacina da Pfizer se deve a tecnologia utilizada no imunizante. Foto: Reprodução

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A postagem apresenta a seguinte mensagem: "O médico no Twitter (conta que foi removida) disse o seguinte: 'Qualquer vacina que precise ser enviada e armazenada a -80ºC não é uma vacina. É um agente de transfecção, mantido vivo para infectar suas células e transferir material genético. Não os deixe enganar você. Isso é manipulação genética de humanos em grande escala'. Sabe quem é? Michael Yeadon falou tudo sobre o plano das vacinas e foi demitido. Ele era simplesmente o vice-presidente da Pfizer! A última dele foi essa que está na legenda e o que aconteceu!? Sua conta do Twitter foi deletada".

Apesar de não estar claro a qual vacina o texto faz referência, é possível relacioná-lo com os imunizantes contra a covid-19 que utilizam a tecnologia mRNA e, por isso, precisam ser armazenados em temperaturas muito baixas. Tal exigência ocorre devido à alta sensibilidade desse tipo de molécula, que pode ser facilmente degradada e perder a eficiência se exposta a outras condições. 

Segundo o Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a COVID-19, elaborado pelo Ministério da Saúde, esse é o caso dos imunizantes apresentados pela Pfizer/BioNTech e pela Moderna, que precisam, respectivamente, serem mantidos em torno de -70º C e - 20ºC para conservação.

"A vacina de RNA precisa ser ultracongelada porque o RNA é uma molécula muito frágil. Em laboratório, a gente costuma manter tudo que é de RNA estocado com o maior cuidado, porque são moléculas que degradam facilmente", conta a doutora em microbiologia Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), em entrevista realizada por WhatsApp. 

A cientista ressaltou que o que determina a temperatura de armazenamento de um fármaco, seja ele um medicamento ou uma vacina, é a formulação utilizada. Por essa razão, imunizantes feitos a base de outras tecnologias não apresentam a mesma exigência. 

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Vacinas não causam alterações genéticas 

Apesar de enfrentarem questões logísticas, as vacinas com base em RNA representam um avanço para ciência e podem abrir caminhos para tratamentos promissores contra câncer, problemas cardíacos e várias doenças infecciosas. 

Ainda que inovadores, os imunizantes não têm capacidade de causar "manipulação genética de humanos em grande escala", como citado pela postagem. Segundo Natalia, com a vacina, fragmentos do material genético do vírus são introduzidos no citoplasma da célula humana, mas não chegam ao núcleo, onde o DNA está localizado. O que acontece simula uma infecção natural, como uma gripe, feita com menor quantidade de material viral.

"O RNA nem chega ao núcleo, ele fica no citoplasma, onde é traduzido pelos ribossomos da célula em uma proteína viral, nesse caso, uma proteína do coronavírus. Essa proteína é apresentada ao sistema imune, que prepara uma resposta. A molécula de RNA que sobra é rapidamente degradada, depois de um tempo não sobra mais nada na célula", explica a pesquisadora. 

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O autor da falsa informação não é Michael Yeadon

Essa não é a primeira vez que o nome do ex-vice-presidente da Pfizer Michael Yeadon aparece junto com informações falsas sobre a covid-19. Em dezembro, ele alegou que a pandemia havia acabado e relacionou imunizantes à infertilidade. Contudo, Yeadon não é o autor das informações apresentadas na postagem enviada ao WhatsApp do Estadão Verifica.

Conforme apurado pela AFP Fact Check, o texto foi publicado em inglês pela primeira vez em novembro de 2020, no Twitter, por uma conta intitulada The Disruptive Physician. Atualmente, o usuário está suspenso na rede social.

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 Foto: Reprodução

A postagem que circula em português também erra ao identificar o ex-executivo da Pfizer como médico. De acordo com seu perfil no LinkedIn, Yeadon é, na verdade, bioquímico formado pela Universidade de Surrey, na Inglaterra.

Este conteúdo também foi postado no Instagram e no Facebook, onde foi compartilhado ao menos 1,1 mil vezes. A Agência Lupa e a Reuters checaram conteúdo semelhante.

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