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Médico texano espalha informações falsas sobre vacinas mRNA em vídeo viral

Steve Hotze disse que imunizantes da Pfizer e da Moderna são 'tratamentos experimentais perigosos', frase que é contestada por autoridades sanitárias dos EUA

Por Elena Turrión e Newtral.Es
Atualização:

Esta checagem foi publicada originalmente pelo site espanhol Newtral.Es e traduzida por meio da Aliança CoronavirusFacts, coordenada pela IFCN. Leia mais sobre a parceria aqui e veja a verificação original aqui.

Em um vídeo viral nas redes sociais, o médico americano Steve Hotze espalha informações falsas sobre as vacinas mRNA aprovadas contra a covid-19 nos Estados Unidos. Segundo Hotze, estas vacinas são "terapias genéticas experimentais perigosas" que representam "um risco sanitário maior do que a covid-19. Mas isso é falso. Nós explicamos. 

 

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Quem é Steve Hotze?

O homem que aparece no vídeo, publicado nas redes sociais em inglês com legendas em espanhol (nota: no Brasil, circula com dublagem em português), identifica-se como Steve Hotze, fundador e CEO da clínica Hotze Health & Wellness em Houston, Texas. 

Embora seu nome apareça no site oficial do Conselho de Médicos do Estado do Texas, as autoridades americanas já afirmaram anteriormente que este médico vendeu tratamentos não aprovados para tratar a covid-19.

Especificamente, a U.S. Food and Drug Administration (FDA) e a U.S. Federal Trade Commission enviaram uma carta a Hotze em dezembro pedindo-lhe que parasse de oferecer sua linha de vitaminas para "curar" a covid-19.

Outros verificadores de fatos como a AFP -- que faz parte da IFCN (International Fact-Check Network) assim como a Newtral.es e o Estadão Verifica -- também desbancararam algumas das falsas alegações difundidas por este médico sobre vacinas contra o coronavírus. 

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É falso que vacinas de RNA mensageiro não sejam vacinas

O vídeo de Hotze, com cerca de 17 minutos de duração, foi publicado pela primeira vez em 26 de fevereiro em seu próprio site. Naquela época, havia duas vacinas covid-19 aprovadas nos Estados Unidos, a vacina Pfizer/BioNtech e a vacina Moderna, ambas baseadas na técnica do mRNA. Em 27 de fevereiro, o imunizante da Janssen também foi aprovado pela FDA.

Hotze começa a gravação dizendo que as vacinas Pfizer e Moderna contra covid-19 não atendem à definição de "vacinas" dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA porque "não fornecem imunidade nem previnem a propagação de doenças". 

Entretanto, o CDC considera sim os imunizantes de mRNA como um dos "três principais tipos de vacinas contra covid-19 que são licenciadas ou submetidas a testes clínicos em larga escala (fase 3) nos Estados Unidos".

Além disso, como explica a agência americana, as vacinas ajudam nossos corpos "a desenvolver imunidade ao vírus que causa a covid-19 sem que tenhamos que contrair a doença".

Com relação à prevenção do contágio, as autoridades sanitárias especificam que "ainda não se sabe se a vacinação impede que as pessoas vacinadas sejam infectadas e, mesmo que não adoeçam, podem transmitir o vírus a outras pessoas", mas isso não significa que esses tratamentos não sejam vacinas.

Vacina contra a covid-19 da Moderna. Foto: Eduardo Munoz/Reuters

Não, as vacinas aprovadas contra covid-19 não são "terapias experimentais perigosas"

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Hotze insiste no vídeo que as vacinas contra covid-19 baseadas em mRNA são na verdade "terapias genéticas experimentais perigosas". A FDA define a terapia genética como "uma técnica que modifica os genes de uma pessoa para tratar ou curar uma doença". Mas como já explicamos no Newtral.es, estas vacinas não modificam nosso código genético.

Além disso, as autoridades sanitárias lembram que todas as vacinas aprovadas contra a covid-19 são seguras. De fato, antes da aprovação, os imunizantes passaram por um rigoroso processo de pesquisa e avaliação no qual a segurança e a eficácia nas pessoas é garantida. 

O médico questiona este processo de pesquisa, argumentando que as vacinas contra covid-19 da Pfizer/BioNtech e Moderna foram aprovadas nos Estados Unidos "sem nenhum estudo animal publicado ou estudos humanos de longo prazo".

Mas as autoridades encarregadas de aprovar potenciais vacinas contra a covid-19 receberam e analisaram os dados disponíveis de cada fase da pesquisa de vacinas, incluindo os resultados de estudos com animais e humanos. 

A própria FDA deixou claro no início da pandemia que a obtenção de dados e a caracterização da resposta imunológica induzida pelas candidatas a vacinas contra o SARS-CoV-2 em animais era uma etapa "necessária".

A vacina da Pfizer é considerada por especialistas uma das mais complexas do ponto de vista logístico, pois precisa ser armazenada a uma temperatura de 70°C a 80°C negativos Foto: JEAN-FRANCOIS MONIER / AFP

Alegações enganosas de Steve Hotze sobre os supostos riscos das vacinas

No vídeo, o médico americano também cita uma série de supostos efeitos adversos sofridos pelos pacientes vacinados e afirma que as vacinas contra o coronavírus "representam um risco muito maior à saúde do que a covid-19".

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"No primeiro mês de uso, mais de 40 mil reações adversas foram documentadas nos Estados Unidos, incluindo milhares de reações anafiláticas e graves problemas neurológicos", diz Hotze, que diz que, até 14 de fevereiro, também houve 934 mortes de pessoas que haviam recebido a vacina. 

Mas, como explicamos no Newtral.es, as agências reguladoras de medicamentos dos EUA monitoram a segurança das vacinas durante a campanha de vacinação. Para fazer isso, eles registram todas as suspeitas de efeitos adversos relatados por pessoas vacinadas no sistema VAERS para observar quaisquer reações que não tenham sido observadas em estágios anteriores de pesquisa.

Ou seja, as pessoas vacinadas podem comunicar à VAERS quaisquer eventos adversos que tenham coincidência temporal com a vacina, mesmo que não sejam problemas causados pela vacina. As autoridades sanitárias então investigam se o evento está de fato ligado à vacinação.

Das suspeitas de reações adversas registradas nos Estados Unidos até hoje, "não foram observados novos alertas de segurança" relacionados às vacinas contra o coronavírus, como confirmado pela FDA para a Newtral.es.

Além disso, as autoridades sanitárias dos EUA relatam que até agora "nenhum padrão foi detectado em causas de morte que possam indicar um problema de segurança com vacinas contra a covid-19". 

Com relação aos casos de anafilaxia, os cientistas do CDC e da FDA relatam que a ocorrência deste tipo de alergia grave após a vacina covid-19 "é muito rara, com aproximadamente 2 a 5 casos por 1 milhão de pessoas vacinadas nos Estados Unidos".

Profissional no laboratório da BioNTech; vacina em parceria com a Pfizer é 95% eficaz contra a covid-19, segundo estudos clínicos Foto: Michael Probst/AP

Como funcionam as vacinas contra covid-19 com mRNA?

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Segundo o Ministério da Saúde espanhol, o que as diferentes vacinas aprovadas até agora contra a covid-19 têm em comum é que elas fazem com que nossas defesas atuem contra uma proteína do vírus chamada proteína S, que é fundamental para que o SARS-CoV-2 se ligue à célula humana.

Especificamente, vacinas baseadas na técnica do mRNA injetam o RNA mensageiro do vírus diretamente no corpo para que ele envie a mensagem às células para produzir proteínas similares às do vírus. Desta forma, no caso de uma infecção pelo SARS-CoV-2, o sistema imunológico já saberá como agir, pois conhece o tipo de proteínas que este vírus gera.

Hotze diz no vídeo: "Não há como saber por quanto tempo suas células produzirão essas proteínas virais, ou se elas alguma vez deixarão de produzi-las", diz ele. "Seu sistema imunológico ficará sobrecarregado e reagirá em excesso quando exposto a qualquer tipo de coronavírus no futuro". 

Mas o geneticista Lluís Montoliu, do Centro Nacional de Biotecnologia (CNB-CSIC) em Madri, explica a Newtral.es que "o mRNA dá à célula a possibilidade de produzir aquela proteína do vírus, mas depois ela desaparece". 

O CDC também explica em seu site que "uma vez que as instruções do mRNA estão dentro das células, as células as utilizam para fazer a proteína". A célula então quebra as instruções e se livra delas.

Brasil já acumula mais de 560 mil mortes por covid desde o início da pandemia . Foto: Fusion Medical Animation/Unsplash

Até o momento, não há evidências de que as vacinas aprovadas contra a covid-19 aumentem a gravidade da infecção

Steve Hotze também argumenta no vídeo que as vacinas baseadas no mRNA causam outros supostos riscos à saúde, tais como o aumento "da capacidade do vírus de infectar células". 

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"Há evidências convincentes de que esta terapia genética experimental pode desencadear uma resposta intensificada de anticorpos (ADE) e aumentar a capacidade do vírus de infectar células", diz ele. "Em outras palavras, se você contrair uma infecção por coronavírus após receber a terapia genética experimental, é provável que seu caso seja muito pior do que se você nunca tivesse recebido essa terapia". 

Mas como explicamos nesta verificação, até o momento não há evidências de que as vacinas aprovadas contra a covid-19 causem ADE. O que foi demonstrado é que a vacina protege contra a doença na vida real, ou seja, fora dos testes de laboratório, com populações e casos imprevisíveis.

De acordo com uma declaração divulgada em 11 de março pela Pfizer, a vacina foi pelo menos 97% eficaz contra casos sintomáticos de covid-19, pacientes hospitalizados em estado grave e mortes, entre os vacinados em Israel. Além disso, dados da campanha de vacinação de Israel obtidos entre 17 de janeiro e 6 de março indicam que "as pessoas não vacinadas tinham 44 vezes mais probabilidade de desenvolver covid-19 sintomática e 29 vezes mais probabilidade de morrer da doença", de acordo com a Pfizer.

Outra pesquisa, publicada em 24 de fevereiro no New England Journal of Medicine, registra dados semelhantes e mostra que a vacina da Pfizer é 94% eficaz em casos sintomáticos. Na Espanha, três meses após o início da vacinação, também houve uma queda nos afastamentos por doença devido a incapacidade temporária dos trabalhadores da área de saúde, de acordo com dados do Ministério da Inclusão, Seguridade Social e Migração.

 

Recomendações sobre o uso de ivermectina e hidroxicloroquina contra a covid-19

No final do vídeo, Steve Hotze também afirma que "foi demonstrado em estudos em todo o mundo que o uso de ivermectina e hidroxicloroquina pode prevenir e tratar com segurança a infecção por covid-19". Mas a ivermectina (uma droga antiparasitária) e a hidroxicloroquina (medicamento antimalárico) não são aprovadas para uso nos Estados Unidos para tratar ou prevenir a covid-19 em humanos. 

Em 22 de março, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) também desaconselhou o uso de ivermectina para prevenir ou tratar a covid-19 fora dos ensaios clínicos em pessoas. Quanto ao uso da hidroxicloroquina, a entidade lembra que o medicamento "não demonstrou nenhum efeito benéfico no tratamento da covid-19 em grandes ensaios clínicos".

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Resumo:

O vídeo do Dr. Steve Hotze sobre as vacinas contra covid-19 baseadas com tecnologia mRNA contém afirmações falsas. Estes tratamentos não são "terapias genéticas experimentais" e a segurança dos imunizantes tem sido comprovada em numerosos estudos e ensaios clínicos. 

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