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Vídeo em que Lula fala sobre desoneração fiscal de Dilma circula fora de contexto

Gravada durante jantar com correligionários em 2016, filmagem não foi 'vazada'; ex-presidente criticou política econômica da sucessora e citou outras razões para a crise

Por Alessandra Monnerat e Victor Pinheiro
Atualização:

Circula fora de contexto nas redes sociais um vídeo em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fala sobre a crise econômica no País. Durante um jantar com correligionários em dezembro de 2016, Lula criticou a política de desoneração fiscal de sua sucessora, Dilma Rousseff (PT), e disse a União estava falida. Nesta última semana, um trecho da gravação viralizou com a alegação enganosa de que as imagens teriam sido "vazadas".

Mas o vídeo em questão não é secreto -- sua versão completa, de 1h15 de duração, foi transmitida pela página do ex-presidente no Facebook em 2016. Vários veículos de imprensa, como o Estadão, repercutiram as falas de Lula na ocasião.

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Agora, no Facebook e no TikTok, a fala foi compartilhada com a frase "Lula assume que PT quebrou o País". Durante o jantar, o ex-presidente disse que a política de desonerações de Dilma "significou R$ 500 bilhões a menos de entrada de dinheiro no cofre do Estado". Ele não culpa explicitamente a sucessora pela crise econômica, cassada cerca de sete meses antes das declarações. 

As críticas de Lula às reduções de impostos a empresas são públicas. Em julho de 2016, ao jornal francês Libération, o ex-presidente havia dito que Dilma tinha errado na área econômica. Na mesma entrevista, ele citou outros fatores que teriam contribuído para a crise -- segundo o petista, o Congresso aprovou leis para aumentar as despesas, rejeitando uma tentativa de ajuste fiscal. "O Parlamento parece ter apostado na crise até que surgisse a ideia do golpe", disse.

 Foto: Estadão

Durante o jantar de dezembro de 2016, Lula repetiu a ideia de que um "golpe" teria prejudicado o País. Ele afirmou ainda que o ex-presidente Michel Temer (MDB) não saberia "resolver o problema da economia".

O petista repetiria a tese do golpe em nova entrevista, de 2021. "O governo da Dilma fez coisas fantásticas, mas em 2014 adotou uma política de exoneração, na minha opinião, exagerada", disse, segundo o Diário de Pernambuco

"Depois ela tentou corrigir, e aí já tinha uma figura chamada Eduardo Cunha, que, em vez de ajudar, como Temer fez com Fernando Henrique (Cardoso), em 1999 -- que ajudou a fazer as mudanças no Congresso para melhorar a governabilidade --, o Eduardo Cunha começou a lançar pautas bombas para impedir a Dilma de governar", afirmou.

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Em 2015, o Estadão mostrou que os benefícios fiscais haviam dobrado desde 2011. Nesse período, a renúncia fiscal saltou de R$ 209 bilhões para R$ 409 bilhões. Este último valor equivalia a 6,2% do PIB da época. Segundo um estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Economia do Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), a crescente dispensa de grande volume de recursos havia desorganizado as finanças públicas e reduzido o poder de investimento do governo. 

"O excesso de benefícios abalou a geração de recursos do governo e ajudou a empurrar o País para o abismo da pior recessão do pós-guerra", disse um dos autores da pesquisa, o economista José Roberto Afonso, em 2015.

Lula citou outras razões para crise durante jantar de 2016 

Em outro ponto de seu discurso no jantar de 2016 -- que não é mostrado no vídeo que viralizou recentemente nas redes -- Lula disse acreditar que a Operação Lava Jato prejudicou a economia brasileira. "Eles têm noção de quanto a Operação Lava Jato já causou de prejuízo na economia desse País?, ao PIB desse País? Eles têm noção de quanto desemprego (a Lava Jato) já causou?", disse.

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Vale citar ainda que, em entrevistas mais recentes, Lula disse acreditar que o "País só não quebrou por causa do PT". "Há quatro anos eles estão dizendo que o PT quebrou o Brasil", disse em maio de 2020, segundo texto no site do partido. "O Brasil só está de pé por causa do PT. Eu ontem vi o (Paulo) Guedes dizendo que as reservas internacionais deixadas pelo PT vão render R$ 500 bilhões de reais ao Tesouro. Se não fosse isso, o País não estava conseguindo importar um palito de dente".

Veja, abaixo, a transcrição da fala de Lula durante o jantar de 2016:

Nós estamos vivendo um momento em que a União, ela não tem nenhuma capacidade de arrecadação, não tem capacidade de investimento. Para ela aumentar a arrecadação, teria que ter um grupo de gente com coragem de aumentar o imposto. Não tem. Ou a gente teria que ter coragem de acabar com as desonerações que a Dilma fez de 2011 a 2010 (?), uma desoneração que significou R$ 500 bilhões a menos de entrada de dinheiro no cofre do estado. O Estado está falido, a União. Os Estados estão todos quebrados. Rio de Janeiro, tem um déficit de R4 20 bilhões. São Paulo tem um déficit de R$ 16 bilhões. Minas Gerais tem um déficit de R$ 14 bilhões e os outros vão daí pra mais. Eles não vão conseguir pagar décimo terceiro, pagar salário, e só tem uma solução, cortar benefício do povo mais pobre. A União não investe, os Estados não investem, as prefeituras estão todas quebradas. Os bancos não emprestam dinheiro. Os bancos privados, porque ganham na Selic. Os bancos públicos -- que deveriam servir de exemplo, como nós fizemos em 2008 -- estão seguindo os bancos privados. Antigamente, a gente usava os bancos públicos para baixar os juros, pro banco privado baixar. Hoje, o banco privado aumenta os juros e aumenta a régua. Acabou os bancos públicos (sic).  A função deles. Foi anunciado essa semana que vai fechar 400 agências do Banco do Brasil. Então você tem assim: União não funciona, Estado não funciona, município não funciona, bancos não oferecem crédito nem financiamento. Os empresários não investem porque não têm nenhuma garantia de política para fazer investimento. [...] Então, a desgraça que nós estamos é essa. Além dos processos contra mim, você tem a economia quebrada, você tem tudo não funcionando. A roda gigante está parada. Como a gente retoma isso?

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O Estadão Verifica entrou em contato com a assessoria de Lula, mas não obteve resposta.


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