Lista de projetos aprovados na Lei Rouanet troca dados e inclui iniciativas arquivadas

Mensagem que circula nas redes sociais desde 2015 confunde valores aprovados e captados de quatorze propostas, oito delas não obtiveram nenhum centavo

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Por Paulo Roberto Netto
Atualização:

Maria Bethânia participa do show de verão da Mangueira, no Tom Brasil. Projeto de blog de poesias lidas pela cantora foi arquivado sem captar recursos da Lei Rouanet. Foto: Gabriela Biló / Estadão

Uma lista de projetos autorizados para captação de recursos via Lei Rouanet circula pelas redes sociais desde 2015 confundindo dados e omitindo a situação de quatorze iniciativas. O padrão é sempre voltado ao alerta à população sobre "falta de dinheiro" em serviços públicos devido a supostos gastos de R$ 60 milhões com as propostas. Nesta segunda-feira, 22, o governo anunciou redução de 98% do teto de captação para projetos beneficiados pela legislação.

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Os projetos listados incluem personalidades como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (Governo Lula), as cantoras Maria Bethânia e Claudia Leitte, a personagem infantil Peppa Pig e até as instalações do Museu do Trabalho e dos Trabalhadores, o "Museu do Lula".

Apesar de todos os projetos existirem, a mensagem confunde os valores autorizados e os valores captados. O primeiro se refere ao montante autorizado pelo Ministério da Cultura (MinC) para a iniciativa receber em recursos de empresas e patrocinadores. O valor captado, por sua vez, é o total de dinheiro recebido pela proposta.

Na mensagem que circula nas redes sociais, o número informado se refere a apenas o valor aprovado para captação, e não o doado. O boato também omite a situação das iniciativas: oito propostas foram arquivadas por falta de doações. Somente um projeto teve repasse de órgão estatal. Nos demais, o valor doado veio da iniciativa privada.

Sancionada em 1991, a Lei Rouanet estabelece que o governo deixe de receber parte do imposto de renda de quem contribuir com os projetos autorizados pelo MinC. Os repasses são feitos por terceiros, como empresas e pessoas físicas, e não pelo governo. Confira algumas informações falsas desmentidas pelo ministério sobre a lei.

Confira a lista dos projetos citados pela mensagem e a checagem sobre a situação de cada um deles:

1. Livro sobre a vida de José Dirceu (R$1.526.536,25)

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José Dirceu deixa a vara de execuções penais no Fórum Mirabete, em Brasilia. Projeto sobre cinebiografia do ex-ministro foi cancelado, segundo a Ancine. Foto: Dida Sampaio / Estadão (27/06/18)

O primeiro projeto da lista se trata, na verdade, da cinebiografia "O Vilão da República", da diretora Tata Amaral. De acordo com a Agência Nacional do Cinema, o longa sobre a trajetória do petista teve aprovação inicial para captação em agosto de 2013. Apesar de informar o número correto, o montante dito pela mensagem também inclui outros mecânicos de arrecadação além da Lei Rouanet. O projeto, no entanto, foi cancelado e nenhum valor foi captado.

2. DVD do Mc Guimê (R$ 516.000)

Em maio de 2015, a Maximo Produtora obteve autorização para captar R$ 516 mil para a gravação de um DVD do funkeiro McGuimê com quatorze faixas durante um show em São Paulo. Haveria a prensagem de 3 mil cópias. A proposta não vingou e terminou arquivada sem captar nada.

3. Livro de Poesia da Maria Bethânia (R$ 1,3 milhão)

Assim como no caso do José Dirceu, o projeto é listado como um livro, mas se trata de uma proposta de blog de poesias no qual seria publicado diariamente um vídeo da cantora Maria Bethânia lendo uma obra em verso e prosa. Autorizado em 2011 para captar R$ 1,3 milhão, o projeto foi arquivado sem captar recursos.

4. Turnê de Luan Santana (R$ 4,1 milhão)

O cantor sertanejo Luan Santana até teve o projeto de turnê de quinze shows autorizada para captação de R$ 4,1 milhão em 2014, mas a proposta foi arquivada após não conseguir captar nada. Novamente, o motivo foi falta de patrocínios.

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5. Turnê Detonautas (R$ 1 milhão)

Outra proposta de turnê arquivada sem captação de recursos via Lei Rouanet foi a do grupo Detonautas, prevista para 25 cidades do País. O valor autorizado pelo MinC foi de R$1,086 milhão, mas a banda não conseguiu captar nenhum centavo.

6. Shows de Claudia Leitte (R$ 5,8 milhões)

No caso de Claudia Leitte, a mensagem informa o valor autorizado de R$ 5,8 milhões para a realização de doze shows musicais da cantora baiana pelas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste em 2013. Ao todo, foram captados R$ 1,2 milhões - todo o montante foi repassado pela empresa de serviços de telecomunicação Sky em três parcelas iguais de R$ 400 mil entre julho e agosto de 2013. Segundo o Versalic, o projeto se encontra em situação de tomada de contas especial.

7. Filme do Brizola (R$ 1,9 milhão)

Leonel Brizola em convenção do PDT, na sede do partido. Projeto de peça teatral sobre o ex-governador do Rio foi arquivado. Foto: Lindauro Gomes / AE (19/04/99)

Apesar de estar listada na mensagem como filme, o projeto se trata na verdade do espetáculo teatral Brizola, da Voleio Produções Artísticas. A proposta foi autorizada para captação de R$ 1,6 milhão em 2015, mas foi arquivada por não conseguir investidores até o fim de 2017. A iniciativa buscava a realização de 36 apresentações sobre a vida do ex-governador do Rio de Janeiro.

8. Peppa Pig (R$ 1,7 milhão)

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Outro projeto teatral autorizado foi o do desenho infantil Peppa Pig. Ao todo, foram R$ 1,7 milhões autorizados, mas nada foi captado em dois anos. A proposta foi arquivada sem receber um real.

9. Painel do Clube São Paulo (R$ 5,7 milhões)

Em 2014, o Club A apresentou projeto para a criação de um painel artístico na unidade. A proposta foi autorizada para captação de R$ 5,7 milhões, mas até o fim do mesmo ano acabou arquivado por não obter apoio de nenhuma empresa. A iniciativa sequer foi levada adiante pelo próprio clube, que não apresentou prorrogação do período de captação.

10. Turnê do Shrek Musical (R$ 17,8 milhões)

Em 2011, a Kabuki Produções Artísticas obteve autorização para captar R$ 8,2 milhões para adaptação, produção e realização da produção Shrek - O Musical. Do total, R$ 6 milhões foram arrecadados por meio de doações da Nestlé (R$ 1 milhão), Banco Alvorada (R$ R$1,5 milhão), Bradesco (R$ 1,5 milhão) e Vivo (R$ 2 milhões).

Três anos depois, o mesmo musical obteve autorização para captar mais R$ 9,6 milhões. Conseguiu R$ 5,3 milhões de outras sete empresas: Cielo, Aché, Biosintética Farmacêutica, Brasilcap, Formula Comércio de Automóveis, Centro de Automóveis e os Correios. Este último doou R$ 1,8 milhões entre março e agosto de 2013.

11. Cirque du Soleil (R$ 9,4 milhões)

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Em 2006, a sucursal brasileira da Companhia Interamericana de Entretenimento no Brasil solicitou ao Ministério da Cultura R$ 12 milhões para captação com objetivo de promover o espetáculo Saltimbancos, do Cirque do Soleil, em São Paulo e no Rio de Janeiro. O grupo obteve autorização para captar pouco mais de R$ 9 milhões.

12. Livro do Chico Buarque (R$ 414 mil)

O Ministério da Cultura autorizou em janeiro do ano passado a captação de R$ 415 mil para a produção de um livro fotobiográfico sobre a vida e obra do cantor Chico Buarque. A obra arrecadou R$ 280 mil até março deste ano, quando o prazo para captação se encerrou. O montante repassado para a proposta foi inteiramente doado pela seguradora Icatu em seis parcelas pagas em 2018.

13. Museu Lula (R$ 7,9 milhões)

Idealizado pelo ex-prefeito de São Bernardo do Campo (SP), Luiz Marinho (PT), o Museu do Trabalho e do Trabalhador, popularmente conhecido como Museu Lula, teria cerca de 4,5 mil metros quadrados. A construção do espaço foi autorizada a ser feita por meio de captação de R$ 19,8 milhões - deste total, R$ 3,6 milhões foi arrecadado em doações da Vale (R$ 3 milhões) e a empreiteira OAS (R$ 600 mil).

Apesar da montante captado, o projeto não saiu do papel pois em março do ano passado, o então governador de São Paulo e pré-candidato à presidência Geraldo Alckmin (PSDB) autorizou a ocupação do prédio onde seria o Museu Lula por uma Fábrica de Cultura.

14. Queermuseu (R$ 800 mil)

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A mostra Queermuseu, no Parque Lage (RJ). Projeto aprovado pela Lei Rouanet recebeu doações do Santander. Foto: Fábio Motta / Estadão (16/08/18)

A exposição Queermuseu teve dois projetos autorizados para captação, cuja soma poderia chegar a R$ 1,4 milhão. No entanto, somente uma das propostas conseguiu arrecadar recursos, chegando a R$ 800 mil. O valor foi doado pelo Banco Santander, dono do Santander Cultural, espaço onde a mostra foi exibida pela primeira vez em Porto Alegre. Após polêmica, a exibição foi cancelada e movida para o Parque Lage, no Rio de Janeiro.