Em CPI, ex-secretário da Saúde do Amazonas faz alegações falsas sobre crise do oxigênio em Manaus

Marcellus Campêlo disse que só em 7 de janeiro soube da falta do insumo, mas secretaria já alertava para aumento da demanda em novembro

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Foto do author Samuel Lima
Por Alessandra Monnerat , Pedro Prata , Samuel Lima e Victor Pinheiro
Atualização:

Atualizada às 17h40.

Ex-secretário da Saúde do Amazonas, Marcellus Campêlo depõe nesta terça-feira, 15, à CPI da Covid. Ele responde a perguntas dos senadores a respeito do colapso no sistema hospitalar do Estado, ocorrido em janeiro. Durante a sessão, Campêlo fez alegações falsas sobre o gerenciamento da crise do oxigênio em Manaus. Leia a checagem do Estadão Verifica.

 

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Falta de oxigênio em Manaus

O que Campêlo disse: que durante visita a Manaus da secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, no dia 4 de janeiro, não houve necessidade de avisar sobre falta de oxigênio no Estado. "Nessa data, ainda não havia sinais desse tipo de necessidade. A empresa não sinalizava e o consumo de oxigênio estava na média", afirmou.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. A Secretaria da Saúde do Amazonas sabia pelo menos desde 23 de novembro que a quantidade de oxigênio hospitalar contratada com a fornecedora, a empresa White Martins, seria insuficiente para atender à alta demanda provocada pela covid-19, de acordo com reportagem publicada pelo Estadão em janeiro. Naquela data, a secretaria elaborou um projeto básico para compra de quantidade extra do insumo com a White Martins. O órgão aumentou o valor do contrato com a empresa em 25%. 

No projeto de compra, a secretaria registrou que o Departamento de Logística foi favorável a fazer uma aquisição maior de oxigênio e extrapolar o aditivo para 46,9% - e não mais de 25%. O pedido, entretanto, foi negado em despacho da Secretaria de Gestão Administrativa do Amazonas, segundo o documento.

Em resposta à reportagem, a White Martins afirmou que seria capaz de atender à alta na demanda se a secretaria tivesse pedido quantidade extra de oxigênio em novembro. Já em julho de 2020 a empresa tinha alertado o governo do Amazonas sobre a necessidade de aumentar o valor do contrato para fornecimento do insumo, de acordo com a CNN.

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Na CPI, Campêlo argumentou que não havia como prever que a alta nos casos de covid-19 seria tão grande em janeiro. Ele se contradisse, no entanto, ao afirmar que a secretaria percebeu no final de dezembro que o número de casos no Amazonas estava crescendo de forma diferenciada.

O que Campêlo disse: que houve "intermitência de fornecimento de oxigênio" na rede pública estadual apenas nos dias 14 e 15 de janeiro.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A fala de Campelo foi rebatida por senadores da CPI, como Eduardo Braga (MDB-AM), Omar Aziz (PSD-AM) e Eliziane Gama (Cidadania-MA). Braga mostrou uma série de vídeos mostrando pessoas comprando cilindros para os seus familiares e denunciando a escassez dos insumos e de leitos na rede hospitalar. Um deles é de uma reportagem da BBC, publicada em 26 de janeiro. O Estadão também noticiou, em 20 de janeiro, que famílias continuavam a virar noites em filas para abastecimento de cilindros.

A White Martins informou em nota de março deste ano que o consumo de oxigênio na Amazonas permaneceu acima de 60 mil metros cúbicos por dia ao longo de 30 dias. Esse número corresponde ao dobro do consumo diário de clientes da empresa no pico da primeira onda da pandemia no Estado. Em 23 de janeiro, a empresa comunicou ter atingido o volume máximo de 80 mil metros cúbicos de oxigênio.

Número de internações no Amazonas

O que Campêlo disse: que em dezembro foram registradas 2,2 mil internações por covid, e em janeiro, 7,6 mil internações.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: os dados estão subestimados. De acordo com a Secretaria de Saúde do Amazonas, em dezembro foram 3.248 hospitalizações por síndrome respiratória aguda grave (SRAG). Destas, 2.474 foram confirmadas como casos de covid-19. Em janeiro, foram 10.763 hospitalizações por SRAG. Foram registrados 9.337 casos causados pelo novo coronavírus.

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Para se comparar, o período mais crítico no Amazonas até então ocorreu entre 19 de abril e 10 de maio de 2020, com 5.272 internações por síndrome respiratória aguda grave, sendo 3.917 por covid-19.

O que Campêlo disse: que no final de dezembro de 2020, os números de internações no Amazonas ainda não haviam chegado ao mesmo patamar do primeiro pico da pandemia no Estado. "Somente no final de dezembro começamos a notar que havia algo de diferente, que a contaminação estava mais rápida no número de internação e no perfil dos pacientes que chegavam muito agravados", disse.

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O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Dados oficiais da Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) do Amazonas mostram que o número de hospitalizações realmente chegou aos patamares do momento mais crítico da primeira onda no final de dezembro, como afirma o ex-secretário. Porém, desde o começo do mês já havia sinais de agravamento da situação.

O painel de monitoramento indica que o número de internações se estabilizou no Amazonas entre as semanas epidemiológicas 26 (21 a 27 de junho) e 49 (29 de novembro a 5 de dezembro). Mas esse período é seguido por um crescimento contínuo a partir da semana 50 (6 a 12 de dezembro) -- com uma explosão de notificações na semana 53 (27 de dezembro a 2 de janeiro).

O calendário epidemiológico de 2020, para checagem de datas por semana, pode ser acessado neste link.

O que Campêlo disse: que aglomerações no feriado de 7 de setembro fizeram com que a taxa de internação das UTIs da rede privada aumentasse.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdade.  Em setembro do ano passado, a Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS) alertou por nota que, apesar da desaceleração da queda de números de casos, o Estado registrava um aumento na ocupação de leitos clínicos e de UTI nas redes de saúde pública e privada.  O texto destaca que houve um crescimento de 30% na ocupação dos leitos clínicos da rede privada e atribui a situação ao desrespeito de medidas não farmacológicas de combate à pandemia. 

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"Essa desaceleração na queda de casos e aumento de internações é reflexo das aglomerações, cada vez mais frequentes, ocasionadas por uma parcela significativa da população que não adotou e, cada vez mais, está abandonando as medidas não farmacológicas preconizadas (como distanciamento social, não aglomeração, uso constante de máscara e lavagem frequente das mãos)", diz a nota publicada pela FVS. 

O que Campêlo disse: que quando assumiu a Secretaria da Saúde números de taxa de ocupação, internações, óbitos e contaminação por covid-19 estavam em patamar alto, porém em queda.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. De acordo com dados do governo amazonense e do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), quando Marcellus Campelo assumiu a Secretaria da Saúde, o Estado enfrentava um aumento no número de casos confirmados de covid-19 e um recuo nas notificações de óbitos. 

Na semana epidemiológica de 3 a 9 de maio, o Amazonas registrou cerca de 5,9 mil casos da doença. O número de infecções seguiu uma tendência de crescimento até atingir o pico de 11 mil casos na última semana do mês. A quantidade de novas ocorrências declinou em seguida, mas permaneceu acima de 6 mil a cada sete dias até o período entre 19 e 25 de julho. 

Já as informações sobre óbitos apontam que, na semana em que Campêlo assumiu a secretaria, foram contabilizadas 461 mortes por covid no Amazonas. As notificações recuaram na sequência e se mantiveram estáveis no patamar de 100 mortes por semana entre julho e dezembro. Em apenas dois períodos, um no final de agosto e outro no final de setembro, o Estado registrou um volume maior de mortes pela doença.

Em relação à taxa de ocupação de leitos de UTI, uma reportagem da Folha de S. Paulo aponta que, em 4 de maio de 2020, a rede de saúde amazonense enfrentava uma ocupação de 87% dos leitos estaduais, todos localizados em Manaus. Um informe da Susam indica que o índice fechou o mês no patamar de 72%. Já uma nota publicada pela secretaria em junho relata que, após o ápice de ocupação de leitos em abril, a capital registrou na época taxas abaixo dos 30% da capacidade.

Ações da secretaria no combate à pandemia

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O que Campêlo disse: que o hospital de referência Delphina Aziz foi ampliado de 3 para 6 andares e hoje opera com capacidade máxima, de 180 leitos de UTI e 342 leitos clínicos.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. De acordo com nota divulgada em outubro pelo Governo do Estado do Amazonas, o Hospital Delphina Aziz operou apenas com os três primeiros andares ativados entre a sua inauguração, em 2014, até os meses de "abril e maio" de 2020. O número de leitos gerais teria passado de 132 para 350, e os leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), de 50 para 100, segundo o governador Wilson Lima. 

Campêlo não menciona, porém, o fato de que o sistema de saúde do Amazonas entrou em colapso pela primeira vez em abril de 2020, com a primeira onda de covid-19 no Estado, sendo que o hospital foi um dos que chegaram ao limite de ocupação já naquele momento. Além disso, a abertura de leitos foi gradual.

Exclusivamente para a covid-19, o painel de transparência da Secretaria de Saúde do Amazonas informa que o Hospital Delphina Aziz conta atualmente com um total de 172 leitos clínicos e 167 de UTI. O número geral, que inclui outras especialidades, não é informado.

O que Campêlo disse: que foram contratados mais de 2 mil profissionais de saúde "na segunda alça epidêmica".

O Estadão Verifica investigou e concluiu que:  é enganoso. Uma nota da Secretaria de Saúde do Amazonas (Susam) informa que, de outubro a março de 2021, foram contratados 2.089 profissionais da saúde em regime emergencial para auxiliar o atendimento médico no âmbito da pandemia de covid-19. A maior parte dos colaboradores, no entanto, foi recrutada somente a partir da crise no sistema de saúde amazonense, no início deste ano. 

Em 6 de janeiro, a secretaria publicou uma portaria para a abertura de um processo de contratação direta de 1,4 mil profissionais da saúde, incluindo médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, entre outras ocupações. A Susam convocou colaboradores a partir de um banco de dados do Ministério da Saúde e também propôs a profissionais que já atuavam na rede de saúde amazonense dobrar a carga horária de trabalho.

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O que Campêlo disse: que sua gestão ampliou a instalação de Unidades de Cuidados Intermediários (UCIs) para todos os municípios do Estado. Ele acrescentou que não existem UTIs no interior do Estado.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O governo do Amazonas divulgou uma nota, em 27 de outubro de 2020, relatando a existência de pelo menos uma Unidade de Cuidados Intermediários (UCI) em todos os municípios do Estado, como sugere o depoimento de Marcellus Campelo na CPI. Mas essa informação não é apoiada pelos dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos em Saúde (CNES).

O CNES informa a existência de 108 leitos do tipo no Estado. Na teoria, esse número seria suficiente para atender a todos os 62 municípios amazonenses. Porém, 37 deles não estão contemplados na lista. Em vez disso, alguns municípios -- mas nem todos -- contam com leitos de "Suporte Ventilatório Pulmonar Covid-19", categoria habilitada em dezembro pelo Ministério da Saúde em caráter temporário.

A estratégia de ampliação desse tipo de atendimento intermediário foi adotada desde o primeiro semestre do ano passado e custou pelo menos R$ 16,5 milhões aos cofres públicos, segundo o site The Intercept Brasil. A reportagem aponta que a ocupação das UTIs em Manaus chegou a 96% no pico da segunda onda da pandemia, em janeiro e fevereiro de 2021, enquanto a ocupação das UCIs no interior -- capazes de atender somente casos de menor complexidade -- não passou dos 64%.

O CNES mostra que, de fato, quase não existem leitos de UTI no interior do Amazonas. O Estado conta com 357 leitos de cuidados intensivos para adultos e 8 pediátricos. Destes, 345 estão localizados em Manaus, 12 em Borba (distante 149 km da capital) e 3 em Jutaí (a 750 km).

Repasses federais ao governo amazonense

O que Campêlo disse: que Amazonas tinha saldo de R$ 470 milhões no Fundo Estadual de Saúde, sendo R$ 115 milhões específicos para covid.

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O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdade. De acordo com dados atualizados do Fundo Nacional de Saúde, o Estado do Amazonas tinha um saldo positivo de R$ 478,13 milhões em dezembro de 2020. Esse montante cresceu nos meses seguintes e chegou a R$ 566,6 milhões em maio de 2021.

A plataforma não informa a quantidade de recursos destinados especificamente ao combate à pandemia de covid-19. O Amazonas recebeu um repasse federal total de R$ 487 milhões para essa finalidade em 2020, como mostrou uma checagem do projeto Comprova publicada em janeiro.

O que Campêlo disse: que Amazonas tem rede de saúde 85% dependente do SUS; 82% custeada por recursos estaduais e 18% por recursos federais.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é verdade. De acordo com a Lei Orçamentária Anual de 2021 (Lei nº. 5.365, de 30 de dezembro de 2020), a Secretaria Estadual de Saúde do Amazonas recebeu R$ 2,689 bilhões da previsão de receita para o ano. Destes, 2,203 bilhões são oriundos do Tesouro Estadual e 485,83 milhões de outras fontes. Isso faz com que o Governo do Amazonas seja o responsável por financiar 81,92% do orçamento da Saúde do Estado, como alega Campêlo.

A afirmação de que 85% da população depende do SUS no Amazonas está próxima ao que foi divulgado na Pesquisa Nacional de Saúde de 2013, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo dados consultados pelo portal G1, dos 2,9 milhões de amazonenses que costumam procurar os mesmos locais frequentemente, 83,6% buscam atendimento na rede pública. A PNS 2019 não traz essa informação, mas mostra que apenas cerca de 14,6% da população do Amazonas conta com algum plano de saúde médico.

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