Pedro Vilas Boas, especial para o Estadão
16 de junho de 2021 | 10h43
A microbiologista Natalia Pasternak não tentou se passar por médica durante depoimento à CPI da Covid no Senado, ao contrário do que sugere publicação nas redes sociais da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF). A cientista, presidente do Instituto Questão de Ciência, falou à comissão em 11 de junho. Por um erro, ela foi identificada pela transmissão da TV Senado como “médica e pesquisadora da USP”. A identificação foi corrigida posteriormente para “microbiologista e pesquisadora da USP”. Além disso, durante suas colocações, Pasternak ressaltou diversas vezes não ser médica.
A postagem de Kicis diz que “Natália Pasternak, que depôs na CPI como médica, não possui tal graduação. Ela é bióloga e está sendo processada por exercício da profissão sem registro”. A publicação é acompanhada de uma montagem que acusa a microbiologista de “fake news”. Leitores solicitaram a checagem do conteúdo por WhatsApp, 11 97683-7490.
De acordo com a plataforma de currículos acadêmicos Lattes, Pasternak é formada em Ciências Biológicas e tem PhD com pós-doutorado em Microbiologia, na área de Genética Molecular de Bactérias, pela Universidade de São Paulo (USP). E foi assim que foi apresentada durante o depoimento na última sexta-feira, 11. “A presente reunião destina-se a ouvirmos Natalia Pasternak, microbiologista e pesquisadora da Universidade de São Paulo”, disse o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM).
Porém, no início da sessão, a TV Senado a descreveu no vídeo como “médica e pesquisadora da USP”.
Foto: Reprodução/TV Senado
Depois — segundo a própria microbiologista, após solicitação da sua equipe — a informação foi corrigida durante a transmissão.
Em mais de um momento durante a sessão no Senado, a pesquisadora da USP ressalta que não é formada em Medicina, como comprovam as notas taquigráficas do dia em que Pasternak foi ouvida. “Eu não posso responder, senador, sobre conduta médica”, disse a microbiologista, após questionamento do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), aliado de Jair Bolsonaro (sem partido). “Isso eu vou passar para o meu colega, para o Dr. Cláudio, porque eu não sou médica e eu jamais poderia, então, me atrever a responder a essa pergunta”.
A cientista foi convidada a comparecer à CPI junto com o médico sanitarista Cláudio Maierovitch, ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Por meio de nota, a assessoria de comunicação do Senado pediu desculpas pelo erro e confirmou que a assessoria de Pasternak pediu que a TV corrigisse a descrição: “Não houve qualquer intenção da convidada em se passar por médica. Também não houve intenção da TV Senado em fazer com que a microbiologista se passasse por médica. Pedimos sinceras desculpas pelo transtorno causado”.
Na postagem, a deputada Bia Kicis também afirma que Natalia Pasternak está sendo processada pelo Conselho Regional de Biologia da 1a Região (CRBio-01). Há um auto de infração contra a microbiologista, emitido no ano passado, porque ela não possui registro profissional no conselho.
Procurada pelo Estadão, a defesa da pesquisadora informou que recorreu do auto de infração, já que Pasternak é formada em Biologia e, ainda assim, não se apresenta como bióloga, mas, sim, como microbiologista.
A própria Pasternak se posicionou nas redes sociais. “Quando inquirido pelos meus advogados, o CRBio alegou que eu me ‘apresento como bióloga’, o que além de ser ridículo, é mentira”, escreveu ela no Twitter. “Porque uso sempre meu título de doutoramento, microbiologista. Decidi tornar isso público para evitar que outros ‘biólogos’ sejam perseguidos. Se o CRBio realmente quiser autuar todo biólogo sem registro que trabalha em pesquisa e docência, vai ter trabalho”.
No ano passado eu fui autuada pelo Conselho Regional de Biologia por "exercício ilegal da profissão". Nunca conseguiram nem explicar qual seria esse exercício, pois eu nunca atuei em atividade exclusiva de biólogo, que exigiria o registro.
— Natalia Pasternak, PhD ???? ???????? ???????? (@TaschnerNatalia) June 9, 2021
Em nota divulgada no site oficial da instituição, o CRBio diz que “o processo administrativo segue, em tempo e ritmo normal, as instâncias para apurar as razões para o não registro da pesquisadora”. Porém, o conselho ressalta que “nada tem a ver com a qualificação dela para depor sobre questões técnicas de biologia, pois ela se graduou e pós-graduou muito bem em Ciências Biológicas”.
A postagem de Bia Kicis já recebeu 57 mil reações no Facebook e foi compartilhada ao menos 39 mil vezes. No Instagram, soma mais de 100 mil reações.
O post foi copiado por grupos bolsonaristas como o “J.BolsonaroPresidente”, onde recebeu 469 reações. Este conteúdo ainda foi reproduzido no canal do youtuber Enzuh, onde foi visto ao menos 63 mil vezes.
A reportagem do Estadão entrou em contato com a assessoria de comunicação da deputada Bia Kicis, mas não conseguiu um posicionamento até a publicação desta checagem.
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