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É falso que Fiocruz tenha participado de pesquisas iniciais da vacina de Oxford

Texto viralizou após governo federal anunciar acordo com a universidade britânica de acesso à imunização e transferência de tecnologia

Por Pedro Prata
Atualização:

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) não participou de pesquisas iniciais da Universidade de Oxford para desenvolvimento da vacina ChAdOx1 nCoV-19. A alegação faz parte de um texto no Facebook que critica o governo federal por supostamente não incentivar a pesquisa. A publicação viralizou após o governo anunciar acordo com a universidade inglesa e a empresa biofarmacêutica AstraZeneca para produção da imunização em território nacional. Até a publicação desta checagem, o post havia sido compartilhado 3,3 mil vezes.

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O texto alega que a Fiocruz "descobriu o genoma e as divisões celulares" do novo coronavírus e que, portanto, "sabia como deveria ser feito" o processo da vacina. A publicação afirma que a instituição no Rio de Janeiro não teria "tecnologia para desenvolver" a imunização e, por isso, teria procurado o governo federal para obter apoio. Por fim, a postagem no Facebook diz que os pesquisadores da Fiocruz teriam se unido por conta própria ao Instituto Butantan e à Universidade de Oxford diante da recusa da gestão de Jair Bolsonaro.

O Estadão Verifica procurou a Fiocruz para saber qual foi sua participação no desenvolvimento da vacina desenvolvida por Oxford. A assessoria de comunicação do órgão respondeu por e-mail que não participou do estudo, um "projeto de desenvolvimento daquela universidade (Oxford)".

Vacina começou a ser desenvolvida em 10 de janeiro por pesquisadores de Oxford, muito antes da covid-19 ser declarada pandemia pela OMS. Foto: Dado Ruvic/Reuters

A vacina ChAdOx1 nCoV-19

A covid-19 foi detectada inicialmente em dezembro de 2019 em Wuhan, na China, depois que o país reportou à Organização Mundial da Saúde (OMS) um número elevado de pacientes com uma pneumonia nova. A Universidade de Oxford começou seus esforços para o desenvolvimento de uma vacina em 10 de janeiro de 2020, antes mesmo da doença ser declarada uma pandemia, em 11 de março. A equipe é liderada pelos pesquisadores Sarah Gilbert, Andrew Pollard, Teresa Lambe, Sandy Douglas e Adrian Hill.

O novo coronavírus (SARS-CoV-2) possui uma camada lipoproteica, isto é, composta por lipídios e proteínas. Nessa camada estão presentes espinhos chamados de espículas. O novo coronavírus utiliza esses espinhos para se ligar e entrar nas células do corpo. A vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford pretende que o corpo reconheça as espículas e produza uma resposta imunológica que impeça o vírus de entrar nas células.

A equipe de pesquisadores escolheu uma tecnologia desenvolvida no Jenner Institute (da própria universidade) que utiliza o adenovírus de chimpanzé. Trata-se de um vírus de resfriado comum que infecta os macacos. Este vírus foi modificado geneticamente para não infectar humanos.

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Esta tecnologia foi escolhida porque gera uma forte resposta imunológica em uma única dose e não permite ao vírus se replicar, inibindo a possibilidade de causar uma infecção no indivíduo vacinado. Por isso, ela é segura para ser usada em crianças, idosos e pessoas com comorbidades. Esta tecnologia já era conhecida e utilizada em dez tipos diferentes de doenças.

Novo coronavírus. Foto: CDC/Divulgação

Os testes em seres humanos começaram em abril com voluntários da Inglaterra. A primeira fase contou com pessoas de 18 a 55 anos de idade. Em maio, os estudos foram ampliados para incluir pessoas a partir de cinco anos e acima de setenta. Os pesquisadores coletaram informações sobre a resposta imunológica para saber se a vacina era eficiente. Também analisaram efeitos colaterais e sua segurança para a vida das pessoas.

Em 20 de junho, os testes se iniciaram no Brasil com apoio da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). No total, 5 mil brasileiros vão participar. Os pesquisadores de Oxford consideram o País uma prioridade tendo em vista o alto número de casos da covid-19. Até esta quinta-feira, 16, o Brasil acumulava 1,9 milhão de casos confirmados e 75.366 óbitos. É o segundo pior cenário no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.

O acordo entre Fiocruz e Oxford

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Em 27 de junho, o governo federal anunciou que aceitava proposta do governo britânico e da biofarmacêutica AstraZeneca para cooperação no desenvolvimento tecnológico e acesso do Brasil à vacina. O acordo prevê a compra de lotes da vacina e também a transferência da tecnologia. No País, a Fiocruz, por meio do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), ficará responsável pelo desenvolvimento da vacina para que a produção possa ser completamente internalizada e nacional.

O governo federal fará os investimentos necessários em seu laboratório público para viabilizar a produção da vacina -- para adaptação da planta produtiva e incorporação da tecnologia.

O acordo tem duas etapas. Na primeira, o Brasil paga pela tecnologia, mesmo não tendo os resultados dos ensaios clínicos finais. Em uma segunda fase, caso a vacina se mostre eficaz e segura, será ampliada a compra de lotes da vacina.

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Na fase inicial, serão comprados 30,4 milhões de doses da vacina, no valor total de U$ 127 milhões (R$ 680 milhões), incluídos os custos de transferência da tecnologia e do processo produtivo da Fiocruz. Os dois lotes a serem disponibilizados à Fiocruz, de 15,2 milhões de doses cada, deverão ser entregues em dezembro de 2020 e janeiro de 2021.

Acordo permitirá transferência de tecnologia para que a Fiocruz possa desenvolver a vacina no País. Foto: Fiocruz/Divulgação

Na segunda etapa, caso a vacina se mostre eficaz e segura, serão mais 70 milhões de doses, no valor estimado em US$ 2,30 por dose (cerca de R$ 862 milhões no total).

A assessoria de comunicação da Fiocruz nega que o contato com a Universidade de Oxford tenha se dado por intermédio do instituto paulista de pesquisas Butantan. "Fiocruz e Butantan, como laboratórios públicos, trocam informações e mantêm relações institucionais no enfrentamento da pandemia, mas o escopo da negociação entre Fiocruz e AstraZeneca não fez parte dessa relação".

Fiocruz sequenciou o genoma do SARS-CoV-2?

Identificar o genoma do vírus em cada local que ele aparece é uma estratégia importante para compreender sua dispersão e as mutações que ele sofre. Isso pode ajudar no desenvolvimento de vacinas e de tratamentos.

Em 28 de fevereiro, cientistas do Instituto Adolfo Lutz, do Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e da Universidade de Oxford anunciaram ter descoberto o genoma do coronavírus que infectou o primeiro brasileiro. A descoberta aconteceu menos de 48 horas após a confirmação do caso.

Pesquisadores do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia) sequenciaram o primeiro genoma do novo coronavírus circulando na Região Norte do País. A Fiocruz também desenvolveu, juntamente com a University College London, do Reino Unido, um protocolo para sequenciamento genético do novo coronavírus que pode sequenciar até 96 genomas ao mesmo tempo.

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Este boato também foi verificado pela Agência Lupa.

Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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