É falso que farmacêutica Glaxo seja dona de 'laboratório biológico' na China

Mensagem que circula no WhatsApp sugere conspiração para criação da covid-19, mas não há nenhuma evidência de que isso seja verdade

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Por Victor Pinheiro
Atualização:

É falsa uma mensagem compartilhada no Facebook e no WhatsApp que afirma haver ligações entre um "laboratório biológico chinês" em Wuhan com as farmacêuticas Glaxo, Pfizer e os empresários Bill Gates e George Soros. O texto sugere uma conspiração entre esses diferentes atores para criação da covid-19, mas não há evidências das relações citadas entre as empresas ou os investidores. Além disso, estudos apontam que o novo coronavírus tem origem natural, e não artificial.

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Esta verificação foi solicitada por um usuário do WhatsApp por meio do canal do Estadão Verifica (11) 97683-7490.

A mensagem se refere ao Instituto de Virologia de Wuhan (WIV), localizado na cidade que foi o primeiro epicentro da pandemia do novo coronavírus. O site do órgão aponta que o instituto pertence à Chinese Academy of Sciences (CAS). A academia, por sua vez, é financiada majoritariamente por fundos estatais do governo chinês e verbas de transferência de tecnologia, conforme explica um representante do órgão em artigo na revista Nature.  Ou seja: não há relação com Glaxo, Pfizer, Bill Gates ou George Soros.

 Foto: Estadão

Em janeiro de 2015, o WIV inaugurou o laboratório de biossegurança P4 de Wuhan. Certificado por autoridades do país em janeiro de 2017, o complexo foi construído com o intuito de abrigar investigações científicas sobre a prevenção e controle de doenças infecciosas na China. O comunicado no site do órgão não faz menções à farmacêutica Glaxo. 

Ao site de verificação de fatos espanhol Maldita.es, a companhia britânica Glaxo assegurou que não é proprietária do Instituto de Virologia de Wuhan. O laboratório é alvo constante de desinformação sobre a origem do novo coronavírus. As melhores evidências indicam que o SARS-Cov-2 surgiu a partir da natureza. 

Glaxo não detém a Pfizer

A mensagem falsa diz ainda que a Glaxo seria proprietária da Pfizer, o que não é verdade. A empresa norte-americana desenvolveu  vacina contra a covid-19 em parceria com a startup alemã BioNtech. Após avaliado em três etapas de ensaios clínicos em humanos, o imunizante começou a ser distribuído nesta terça-feira, 8, a profissionais de saúde e pessoas em grupo de risco no Reino Unido.

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Como aponta a checagem do Maldita.es, a GSK (grupo da Glaxo) não está registrada entre as principais acionistas da Pfizer ou vice-versa. Em nota, a companhia britânica também negou qualquer relação de propriedade com o laboratório norte-americano. O único vínculo, além da concorrência de mercado entre ambas organizações, corresponde a uma joint-venture criada em 2018. 

Trata-se de uma parceria comercial com a proposta de criar uma empresa separada chamada "GSK Consumer Healthcare", como informa uma nota da GSK de 2019. O anúncio global com mais detalhes sobre a parceria está disponível em inglês no site da farmacêutica britânica

George Soros e a Open Society Fundations

A corrente insinua também associações entre a Pfizer, a Open Society Foundations, do magnata George Soros, e uma série de outras empresas internacionais, como a gestora de ativos BlackRock e a seguradora francesa AXA.

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A BlackRock é a segunda maior acionista da Pfizer, com 7,46% das ações do laboratório norte-americano, de acordo com informações do Yahoo Finanças. Uma verificação da AFP aponta que George Soros é um dos investidores da companhia. A empresa de investimentos do bilionário húngaro comprou ações da BlackRock em 2018, conforme artigo da Reuters. 

Não está claro, porém, se a BlackRock de fato administra os ativos da Open Society Foundation. O Estadão Verifica solicitou um posicionamento da entidade filantrópica, mas ainda não obteve retorno. Também não há evidências de nenhuma transação monetária entre a organização fundada por Soros e a empresa de seguros AXA, como destaca a AFP. 

A companhia francesa  adquiriu em 2006 o grupo suíço de seguros Winterthur (citado na mensagem falsa como sendo da Alemanha), informa uma reportagem do El País. De acordo com o site da Academia Chinesa de Ciências, porém, o projeto do laboratório nacional de biossegurança de Wuhan não tem nenhuma relação com essas duas empresas. Na verdade, a unidade foi construída em parceria com o governo francês.

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"O laboratório de Wuhan P4, foi concebido por unidades de design francesas e chinesas, como [parte de] um mega programa de cooperação científica no âmbito do Acordo de Cooperação Sino-Francesa [assinado em 2004], e foi instalado e construído pela parte chinesa",diz uma notícia da Academia Chinesa de Ciências publicada em 2017. "O laboratório recebeu o certificado do CNAS [China National Accreditation Service] em janeiro e estará plenamente operacional em breve".

Nenhum dos materiais de divulgação da Academia Chinesa de Ciências checados pelos Estadão Verifica faz menção à Winterthur ou qualquer outra empresa comercial privada estrangeira. 

Fundação Melinda & Gates

Alvo constante de teorias conspiratórias e de desinformação, Bill Gates é apontado no texto como acionista da Pfizer e o "primeiro patrocinador da Organização Mundial da Saúde". De acordo com a OMS, a instituição filantrópica Bill & Melinda Gates é responsável por 11,65% do fluxo financeiro da entidade, atrás apenas do governo da Alemanha, com 12,18%. 

A fundação filantrópica do cofundador da Microsoft investiu em estudos clínicos da farmacêutica Pfizer contra a infecções de bactérias streptococcus, que podem desencadear doenças graves em recém-nascidos. Gates também apoiou um programa para ampliar o acesso do anticoncepcional injetável Sayana em países em desenvolvimento. 

A organização filantrópica também apoia a Pfizer e uma série de outras empresas no desenvolvimento de potenciais vacinas contra o novo coronavírus. Todas essas informações estão disponíveis para consulta no site da fundação.

Apesar do apoio financeiro a alguns projetos em parceria com farmacêutica, nem a Fundação Bill & Melinda Gates nem o nome do empresário aparecem entre os principais acionistas do laboratório norte-americano.

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