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Deputado bolsonarista espalha inverdades sobre produção de vacinas pela Fiocruz no Ceará

Instituição nega participação de unidade de Eusébio na fabricação do imunizante; Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) nacional será feito na planta industrial de Bio-Manguinhos, no Rio de Janeiro

Foto do author Samuel Lima
Por Samuel Lima
Atualização:

Não é verdade que um novo complexo tecnológico da Fiocruz na cidade de Eusébio, no Ceará, será capaz de "quadruplicar" a produção de vacinas contra a covid-19 a partir da metade do ano. A alegação falsa aparece em vídeo gravado pelo deputado estadual cearense Delegado Cavalcante (PSL), que distorce a finalidade e o andamento de um projeto da instituição para fazer elogios à atuação do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia. O conteúdo teve mais de 40 mil visualizações e 2,3 mil compartilhamentos no Facebook.

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A peça de desinformação analisada pelo Estadão Verifica mostra o político em frente aos portões fechados da sede da Fiocruz/Ceará, localizada em Eusébio. Em uma sequência de frases confusas, Cavalcante primeiro aponta para o prédio e fala em "fabricação de vacina contra a covid-19". Depois, alega que a unidade seria responsável por fabricar insumos, que seriam então enviados ao Rio de Janeiro para acelerar o ritmo de trabalho. "A partir do meio do ano, mais ou menos, quando o complexo ficar pronto, vai quadruplicar a produção. Nós vamos ter na faixa de 4 milhões de vacinas por dia."

Deputado cearense espalha desinformação sobre produção de vacina contra a covid-19. Foto: Reprodução / Arte: Estadão

Diferentemente do que sugere o deputado, o Complexo Tecnológico em Insumos Estratégicos (CTIE) a que ele se refere nem começou a ser construído ainda, e não há previsão para que entre em funcionamento. Além disso, a Fiocruz afirmou ao Estadão que não pretende utilizar essa estrutura para a produção do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) das vacinas contra a covid-19 -- pelo menos, não a curto e médio prazo. "O IFA da vacina contra a covid-19 será produzido no Rio de Janeiro, na planta industrial de Bio-Manguinhos, que se encontra em adaptação para esta finalidade", destaca a instituição. 

A Fiocruz também esclareceu que a construção da fábrica de insumos no CTIE não está incluída na primeira parte da obra, com previsão de início até o final do ano. A equipe está elaborando hoje o projeto executivo das áreas administrativas, de desenvolvimento tecnológico e do almoxarifado. "Em paralelo, estão em discussão os projetos das instalações de produção de IFAs, que serão construídas em etapa posterior". O investimento total do projeto é estimado em R$ 950 milhões, e não R$ 3 bilhões, como também sugere erroneamente o deputado. 

Atualmente, a Fiocruz está produzindo a vacina desenvolvida pela farmacêutica AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford, usando insumos importados. A produção em larga escala teve início em 8 de março deste ano, e a tendência é que a capacidade de processamento de Bio-Manguinhos chegue a 1 milhão de doses por dia nas próximas semanas, segundo a instituição de pesquisa. 

O cronograma mais recente divulgado pela Fiocruz prevê a entrega de 3,9 milhões de doses do imunizante neste mês de março, 18,8 milhões em abril, 21,5 milhões em maio, 34,2 milhões em junho e 22 milhões em julho, totalizando 100,4 milhões de doses para distribuição aos brasileiros pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O investimento é de R$ 1,99 bilhão para compra, processamento e distribuição da vacina.

O IFA ainda não é fabricado nacionalmente, como mostra outra checagem publicada recentemente pelo blog. De acordo com o Bio-Manguinhos/Fiocruz, a produção desse insumo deve iniciar depois de maio. "As instalações para produção nacional do IFA estão em fase de adequação, deverão ser inspecionadas pela Anvisa entre abril e maio, e após isto iniciaremos a produção do ingrediente em nossas instalações", informou a entidade na terça-feira, 23.

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Sobre a alegação de que o CTIE no Ceará poderia "quadruplicar" a produção de insumos para a vacina contra a covid-19, a Fiocruz indica que o autor do vídeo pode ter se confundido com outro complexo industrial que está nos planos em Santa Cruz, no Rio de Janeiro. A estrutura pode aumentar em quatro vezes a capacidade de produção de vacinas e biofármacos do Bio-Manguinhos como um todo, mas só deve ficar pronta em 2025. O edital da obra foi publicado em fevereiro.

Vacina funciona; 'tratamento precoce', não

Além de desinformar sobre a unidade da Fiocruz no Ceará, o deputado Delegado Cavalcante (PSL) faz outras declarações infundadas no vídeo para propagandear o suposto "tratamento precoce", defendido pelo presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores na contramão de especialistas. O kit de remédios composto por hidroxicloroquina, ivermectina, azitromicina, zinco e outras drogas não tem validade científica e pode trazer graves prejuízos para a saúde.

O deputado espalha inverdades ao afirmar que o combo de remédios "já está comprovado cientificamente, publicado em várias revistas científicas do mundo todo" e que o uso seria capaz de prevenir internações em hospitais. Os principais órgãos mundiais de saúde afirmam justamente o contrário, como mostrou o Estadão Verifica em várias outras checagens desde o início da pandemia.

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Nenhuma dessas drogas é recomendada como forma de tratamento ou prevenção contra o novo coronavírus. Algumas apresentaram resultados promissores em testes de laboratório e pesquisas iniciais, mas falharam em comprovar qualquer benefício em estudos científicos mais amplos e de metodologia mais robusta -- as chamadas pesquisas "padrão ouro", que determinam a eficácia clínica de uma droga com o mínimo de interferência externa. 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) destaca que não existe nenhum tratamento precoce contra a covid-19. O incentivo ao uso dessas drogas também é repudiado por mais de 80 entidades médicas e científicas brasileiras, que recentemente pediram o banimento da prescrição do "kit covid" nos hospitais. As melhores formas de se prevenir contra o novo coronavírus são o uso de máscara, distanciamento social e a higienização das mãos. 

Já as vacinas aprovadas no Brasil realmente funcionam. São três os imunizantes autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) até o momento: Coronavac (desenvolvida pela farmacêutica Sinovac e produzida pelo Instituto Butantan), Covishield (produto da Universidade de Oxford e da empresa Astrazeneca, produzida pela Fiocruz) e Cominarty (desenvolvida pelas indústrias Pfizer e BioNTech).

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As três vacinas passaram por uma série de experimentos, incluindo testes com milhares de voluntários, e provaram em estudos publicados nas revistas The Lancet e New England Journal of Medicine e por dados analisados pela Anvisa que são eficientes e seguras para serem aplicadas na população. A campanha de vacinação é importante tanto para reduzir o nível de contágio quanto para diminuir a chance de o paciente desenvolver quadros graves em caso de contaminação pelo vírus.

Esta checagem foi feita com informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 26 de março de 2021.

Outro lado

A reportagem procurou o deputado Delegado Cavalcante (PSL), mas não conseguiu contato até a publicação desta checagem. O espaço está aberto.

 

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