Dados de comorbidades de pacientes mortos por covid-19 nos EUA são tirados de contexto nas redes

Postagens utilizam análise do Centro de Controle de Doenças (CDC) para contestar a dimensão da pandemia

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Por Pedro Prata
Atualização:

Um dado publicado pelo Centro de Controle de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, sobre comorbidades em pacientes mortos pela covid-19 foi alvo de uma onda de desinformação nas redes sociais. O órgão informou que apenas 6% dos óbitos causados pelo novo coronavírus não apresentaram nenhuma outra condição de saúde que possa ter contribuído para a morte. Postagens distorceram essa informação para afirmar que o CDC havia reduzido o total de mortos pela doença para apenas 6% do número registrado oficialmente.

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Os dados estão presentes em uma análise publicada semanalmente pelo CDC com estatísticas da doença. O documento é elaborado a partir dos dados dos certificados de óbito de covid-19 nos EUA e traz recortes de idade, gênero e raça, entre outros. Os dados que causaram confusão foram sobre comorbidades.

Comorbidades são condições de saúde, como diabetes ou pneumonia, que podem contribuir para o agravamento do quadro de um paciente com covid-19. A página da análise do CDC sobre esse assunto traz uma tabela com "tipos de condições de saúde e causas" que contribuíram para as mortes causadas pelo novo coronavírus. Em 6% dos casos, a infecção pelo SARS-CoV-2 foi a única causa mencionada. Já nas situações restantes (94%), havia uma média de 2,6 condições citadas por morte.

O CDC é uma das agências sanitárias regulatórias dos Estados Unidos. Foto: James Gathany/CDC/Divulgação

Em e-mail enviado ao Estadão Verifica, o centro de estatísticas do órgão (NCHS) informou que em 92% das mortes no país que mencionam covid-19, a infecção pelo coronavírus foi definida como causa subjacente, isto é, a causa para uma cadeia de eventos que levou à morte. "Em 94% das mortes por covid-19, outras condições foram detectadas para além dela. Estas condições vão desde doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, até condições agudas que ocorreram como consequência da covid-19, como pneumonia e insuficiência respiratória".

Em entrevista à rede de televisão ABC News, o responsável pela força-tarefa de combate à pandemia nos EUA, Anthony Fauci, disse que é equivocado dizer que as pessoas com comorbidades morreram por causa dessas condições prévias de saúde, e não por covid-19. "O CDC disse naquele pronunciamento que, quando se olha para as pessoas que morreram de covid-19, uma certa porcentagem não tinha nada a não ser covid-19", disse Fauci. "Isso não quer dizer que alguém com diabetes ou hipertensão que morreu de covid-19 na verdade não morreu de covid-19. Eles morreram (de covid-19)."

Após a publicação dos dados, algumas postagens nos Estados Unidos falsamente afirmaram que "o CDC revisou o número de pessoas mortas pela covid-19 para 6%". Os rumores ganharam força depois que o presidente Donald Trump retuitou uma dessas postagens. Ela havia sido inicialmente divulgada por uma conta que espalha desinformação sobre o QAnon, um movimento conspiratório pró-Trump que já encontra ecos no Brasil com apoio a Jair Bolsonaro (sem partido). Após ser compartilhada pelo republicano, o Twitter removeu a postagem por violar as regras da plataforma.

No Brasil, os dados do CDC são compartilhados juntamente com frases como "Surge a verdade" e "A verdade sempre aparece", dando a entender que teria havido uma revisão nos dados. Isso leva os leitores ao engano, uma vez que o informe do CDC analisava apenas a incidência de comorbidades nos óbitos. Condições como pressão alta, doenças cardíacas, doenças pulmonares, câncer e diabete são consideradas como fatores de risco desde o começo da pandemia. O Ministério da Saúde do Brasil considera estes, além das pessoas idosas, como os grupos "mais suscetíveis a desenvolver casos mais severos de covid-19".

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O CDC esclareceu que "não há nada de novo, visto que o NCHS vem publicando essas mesmas informações desde que começou a publicar tais dados no site".

Dados da Universidade Johns Hopkins informam que nesta sexta-feira, 11, os Estados Unidos tinham 6,39 milhões de infectados e 191,8 mil mortes. É o país mais afetado e responde sozinho por 22,6% dos casos e 21% dos óbitos em todo o mundo.

Este conteúdo também foi checado pelo jornal USA Today, pelo site BBC e pelas agências FactCheck.org, Aos Fatos, AFP Checamos e Lupa.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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