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'Sociedade tem dívida com famílias de desaparecidos',diz Ideli

Ao anunciar retomada das análises das ossadas encontradas há 24 anos em Perus, ministra Ideli Salvatti diz que é "inadmissível" falta de respostas aos familiares de mortos e desaparecidos

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Por Roldão Arruda
Atualização:

Será anunciada oficialmente nesta quinta-feira, 4, em São Paulo, a retomada do trabalho de identificação de 1049 ossadas encontradas numa vala comum do Cemitério Dom Bosco, no bairro de Perus, na capital paulista. Desde que foram descobertas, há 24 anos, acredita-se que estejam no meio delas restos mortais de parte de militantes políticos assassinados durante a ditadura e que se encontram desaparecidos até hoje.

O anúncio será feito durante um ato público na Assembleia Legislativa de São Paulo, organizado em conjunto pela Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura, a Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. A ministra titular da pasta, Ideli Salvatti participará do evento.

 Foto: Estadão

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Na entrevista abaixo, a ministra fala sobre a "dívida" da sociedade com os familiares de mortos e desaparecidos e as dificuldades para a retomada dos trabalhos. "Não poderíamos concluir o mandato da presidenta sem que isso estivesse equacionado e em andamento". afirma.

O que levou a senhora, num mandato tampão de ministra de Direitos Humanos, a retomar a questão das ossadas? Desde que cheguei à Secretaria, em abril, soube que não haveria tempo para grandes mudanças ou inovações. O objetivo era manter o que estava em andamento e atacar algumas questões importante ainda não solucionadas. A primeira que eu identifiquei, com a ajuda do secretário de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo, Rogério Sottili, foi a das ossadas. Então eu assumi diretamente a responsabilidade de por em andamento ações destinadas a resolver o problema, da mesma forma que fiz com PEC do Trabalho Escravo, que foi finalmente votada, e a criação do Conselho Nacional de Direitos Humanos, cujo projeto de lei estava parado há 19 anos no Congresso.

A questão das ossadas começou há mais tempo: 24 anos. Eu sei. É inadmissível que ainda não tenha sido ainda colocado um ponto final na análise dessas ossadas. Os familiares precisam enterrar os restos mortais de seus entes queridos e completar o luto. É uma dívida que a democracia brasileira tem com essa parcela da população que sofreu muito com a morte e o desaparecimento de seus parentes.

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Que problemas a senhora teve que resolver? O primeiro foi a contratação dos peritos, que envolvia questões financeiras, burocráticas e administrativas. Contratamos treze profissionais brasileiros, historiadores, fotógrafos e especialistas em arqueologia e antropologia forense. Todos eles já estão em campo. Por outro lado, estamos na fase final de contratação de peritos estrangeiros, que é um pleito das famílias. Eles estão vindo da Argentina e do Peru.

Por que? Porque esses países têm um conhecimento acumulado nessa área muito maior que o nosso. O objetivo é aproveitar a competência deles.

Quando as ossadas foram descobertas, decidiu-se enviá-las para a Universidade de Campinas (Unicamp). Ficaram esquecidas lá durante dez anos, até serem devolvidas à Prefeitura de São Paulo e depositadas no ossário Cemitério do Araçá, onde se encontram até hoje. Porque escolheram agora a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)? Os familiares sempre manifestaram desconfiança em relação ao Instituto Médico Legal de São Paulo (N.R. Vários de seus técnicos já foram apontados por ex-presos políticos e familiares de mortos e desaparecidos como colaboradores dos serviços de repressão política na ditadura). Nunca admitiram que a análise fosse feita lá. Esse era um dos grandes nós a serem desatados para que o trabalho andasse. A solução foi realizar uma parceria entre o Ministério da Educação e a Unifesp. Por meio dela o ministério repassou recursos à universidades para alugar, reformar e manter um imóvel durante todo o período de análises.

Não acha 24 anos um prazo excessivo? A que atribui isso? Não quero tecer comentários sobre os motivos da demora. Quero dizer que essa questão, pela importância e simbologia, precisava de uma solução. Por isso decidi acompanhar tudo pessoalmente. Desde os contatos com os familiares às questões da burocracia financeira e administrativa. Tivemos que lidar com órgãos da municipalidade, uma vez que o Cemitério do Araçá pertence à prefeitura, do Estado, por causa do IML, e do governo federal. Era um emaranhado.

Pretende continuar acompanhando pessoalmente a questão? Sim. Até meu último dia na Secretaria. Não poderíamos concluir o mandato da presidenta Dilma sem que isso estivesse equacionado.

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Quantas ossadas de desaparecidos políticos podem ser identificadas? Qualquer estimativa é temerária. A única coisa da qual temos certeza é que encontraremos restos mortais de desaparecidos durante a ditadura.

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Por que? Porque já foram identificadas ossadas de desaparecidos no cemitério de Perus. Outra questão importante sobre a qual gostaria de falar é que, a partir desse trabalho, a a Unifesp vai montar um centro de formação em antropologia e arqueologia forenses. Essa é uma área muito importante, que vai além do problema político dos mortos e desaparecidos. Tivemos recentemente a revelação de um caso lamentável, sobre quase três mil pessoas que foram enterradas numa vala comum em São Paulo, mesmo tendo identificação. É uma prática inadmissível numa sociedade democrática. Ou seja, não é um trabalho feito apenas de olho no espelho retrovisor.

Esse grupo será utilizado também na identificação de restos da guerrilha do Araguaia? Com certeza.

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