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Projeto que dá foro privilegiado a militares que matam civis é inconstitucional, diz Procuradoria

Proposta de lei retira da competência da Justiça comum crimes 'dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civis' quando praticados no 'cumprimento de atribuições que lhe forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa'

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Por Julia Affonso , Luiz Vassallo e Fausto Macedo
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 Foto: Fabio Motta/Estadão

O Ministério Público Federal - por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão da Câmara Criminal e da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional encaminhou, na sexta-feira, 18, ao Congresso Nacional uma nota técnica em que aponta inconstitucionalidades no Projeto de Lei da Câmara nº 44/2016. Segundo o Ministério Público Federal, o projeto altera o Código Penal Militar e retira da competência da Justiça comum crimes 'dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civis' quando praticados no 'cumprimento de atribuições que lhe forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa'.

As informações foram divulgadas nesta quarta-feira, 23, pelo Ministério Público Federal.

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Documento

NOTA TÉCNICA

Para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a proposta vai na contramão de todo o sistema de Justiça previsto pela Constituição Federal brasileira, além de contrariar as posições firmadas pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos - que já assentaram a natureza excepcional da justiça militar apenas para julgar casos que envolvam ofensa às instituições militares.

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Na nota técnica, a procuradora federal dos Direitos dos Cidadão, Deborah Duprat, esclarece que nem todo crime praticado por militar deve ser julgado na Justiça Militar.

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"A Lei nº 9.299/1996 determina que a competência para julgar crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civil é da Justiça Comum, especificamente do Tribunal do Júri. Na mesma linha, a Emenda à Constituição nº 45/2004 modificou o art. 125 para determinar que: compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil", afirma.

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A nota do Ministério Público Federal, que pretende subsidiar a análise dos parlamentares acerca da questão, destaca que o tema já foi enfrentando em diversas instâncias internacionais, as quais estabelecem que a jurisdição militar deve seguir o princípio da especialidade, ou seja, deve julgar apenas os crimes relacionados diretamente com o exercício de atividades de natureza estritamente militar e, em hipótese alguma, usada para julgar civis ou violações de direitos humanos.

"Sobre o Projeto de Lei - Apresentado na Câmara dos Deputados em julho de 2016 com a justificativa de oferecer salvaguardas para a atuação de militares na segurança dos Jogos Olímpicos, o projeto não avançou e acabou não sendo convertido em lei. Na última quarta-feira, 16, no entanto, o PL recebeu emenda no Senado Federal, afastando a natureza temporária inicial da proposta e concedendo foro especial permanente para militares que praticarem homicídio doloso contra civil. Atualmente, a proposição tramita na Comissão de Relações Exteriores do Senado", informa o Ministério Público Federal.

Na nota, a Procuradoria da República lembra que a Corte Interamericana de Direitos Humanos 'já teve a oportunidade de se pronunciar diversas vezes acerca do alargamento inapropriado e indevido da competência da justiça militar'.

A Nota Técnica PFDC nº 8/2017 lista casos analisados pela Corte Interamericana relacionados à violação de direitos humanos no contexto do uso da jurisdição militar contra civis.

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"Além disso, o próprio Estado brasileiro já foi diretamente condenado a abster-se de utilizar a justiça militar para investigar e julgar militares por crimes cometidos contra civis, como no caso Gomes Lund", afirma o Ministério Público Federal.

No Brasil, a Justiça Militar - dada a sua composição e organização - não goza de autonomia em relação às Forças Armadas. Dos 15 ministros que compõem o Superior Tribunal Militar (STM), dez são vinculados às forças militares - o que representa dois terços da composição da Corte. Além disso, os ministros do STM não integram a magistratura e não precisam sequer de formação ou conhecimento jurídico.

"Ao contrário do requisito imposto pela Constituição Federal para a escolha dos demais membros do Tribunal, os juízes militares não demandam 'notório saber jurídico e conduta ilibada'. Assim, a justiça militar carece, além da independência indispensável à magistratura, de capacidade técnica específica no campo jurídico. Embora essa lacuna seja superável para fins de exercício de sua competência no plano da apuração de infrações disciplinares de militares, ela constitui verdadeiro óbice ao julgamento de crimes cometidos por civis ou contra civis, especialmente quando os fatos ocorreram no ambiente de uma atividade de segurança interna, como ocorre nas operações de garantia da lei e da ordem", destaca o texto.

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