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'Dissidentes PF' é perturbador, diz Moro

Juiz da Lava Jato manda Odebrecht explicar até quinta-feira, 23, anotações encontradas no celular do presidente da empreiteira; 'vazar doação campanha', outro registro no telefone de Marcelo Odebrecht, também será esclarecido

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Por Redação
Atualização:

Marcelo Odebrecht, preso desde 2015, em Curitiba. Foto: Cassiano Rosário/Futura Press

Atualizada às 19h06

Por Ricardo Brandt, enviado especial a Curitiba, Julia Affonso e Fausto Macedo

O juiz federal Sérgio Moro, que conduz as ações da Operação Lava Jato, intimou nesta terça-feira, 21, os defensores da maior empreiteira do País a explicarem até esta quinta-feira, 23, anotações feitas pelo próprio presidente da companhia, Marcelo Bahia Odebrecht, em seu telefone celular.

Para a Polícia Federal, há indícios de que o empresário, preso desde 19 de junho, lançou mão de uma estratégia de confrontar as investigações da Lava Jato, buscando criar "obstáculos" e "cortinas de fumaça", que contaria com "policiais federais dissidentes", dupla postura perante a opinião pública, apoio estratégico de integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e ataques às apurações internas da Petrobrás.

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"O trecho mais perturbador é a referência à utilização de 'dissidentes PF' junto com o trecho 'trabalhar para parar/anular' a investigação", alerta o juiz da Lava Jato. Para Moro, "sem embargo do direito da defesa de questionar juridicamente a investigação ou a persecução penal, a menção a 'dissidentes PF' coloca uma sombra sobre o significado da anotação".

 Foto: Estadão

Nas 64 páginas do relatório de indiciamento de Marcelo Odebrecht, Márcio Farias, Rogério Araújo e outros executivos, a PF traça um panorama a partir das anotações do presidente da Odebrecht, de e-mails e materiais apreendidos, para apontar tal conduta do empresário - enquadrado pela PF por corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa e crime contra a ordem econômica.

"Considerando a aparente gravidade dessas anotações, antes de extrair as possíveis consequências jurídicas, resolvo oportunizar esclarecimentos das Defesas dos executivos da Odebrecht, especialmente das de Marcelo Odebrecht, Márcio Faria e Rogério Araújo, acerca das referidas anotações", afirmou Moro que deu prazo para as defesas até a próxima quinta-feira, 23.

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Um dos pontos da conduta atribuída à Odebrecht para tentar neutralizar as investigações seria a "utilização de 'dissidentes' da Policia Federal. No Relatório de Análise 417/2015, da PF no Paraná, consta: "Marcelo ainda elenca outros passos que devem ser tomados identificando-os como 'ações B', tido aqui como uma espécie de plano alternativo ao principal."

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Em uma das anotações, foi identificada uma suposta menção a Marcio Faria e Rogério Araújo: "(...) MF/RA: não movimentar nada e reembolsaremos tudo e asseguraremos a familia. Vamos segurar até o fim Higienizar apetrechos MF e RA Vazar doação campanha. Nova nota minha mídia? GA, FP, AM, MT, Lula? Ecunha? (...)"

"Em análise sumária e embora tudo esteja sujeito à interpretação, MF e RA aparentam ser referências aos coinvestigados e subordinados de Marcelo Odebrecht, Márcio Faria e Rogério Araújo. Aparentemente, a anotação indica que ambos estariam sendo orientados a não movimentar suas contas e que, no caso de sequestro e confisco judicial, seriam reembolsados. A referência a "higienizar apetrechos MF e RA" sugere destruição de provas, com orientação para que os aparelhos eletrônicos utilizados por Márcio Faria e Rogério Araújo fossem limpos, ou seja, que fossem apagadas mensagens ou arquivos neles constantes eventualmente comprometedores. "Vazar doação campanha" é algo cujo propósito ainda deve ser elucidado, mas pode constituir medida destinada a constranger os beneficiários", aponta Moro.

Em outra anotação, é possível ler "Acoes B - Parar apuracao interna (nota midia dizendo que existem para preparar e direcionar). - expor grandes - para apuracao interna - desbloqueio OOG - blindar Tau - trabalhar para parar/anular (dissidentes PF...) (...)".

Para Moro, os trechos 'estão sujeitos à interpretação, mas, em análise sumária, "LJ" parece ser referência à Operação Lava Jato'.

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"Outras referências como a "dossiê", "blindar Tau" e "expor grandes" são igualmente preocupantes", afirmou. "Por outro lado, nada indica que essas anotações eram dirigidas aos defensores de Marcelo Odebrecht, não havendo, em princípio, que se falar em violação de sigilo legal. Não é crível ademais que ele orientasse seus advogados ou recebesse orientação de seus advogados nesse sentido. De todo modo, ainda que assim não fosse, o sigilo profissional também não acobertaria o emprego de estratagemas de defesa ilícitos, por exemplo a destruição de provas."

COM A PALAVRA, A ODEBRECHT

NOTA

As defesas aguardarão a oportunidade de exercer plenamente o contraditório e o direito de defesa.

Em relação a Marcelo Odebrecht, o relatório da Polícia Federal traz novamente interpretações distorcidas, descontextualizadas e sem nenhuma lógica temporal de suas anotações pessoais. A mais grave é a tentativa de atribuir a Marcelo Odebrecht a responsabilidade pelos ilícitos gravíssimos que estão sendo apurados e envolveriam a cúpula da Polícia Federal do Paraná, como a questão da instalação de escutas em celas, dentre outras.

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O Relatório da Polícia Federal presta um desserviço à sociedade e confunde a opinião pública ao estabelecer suposições a partir de anotações pessoais de Marcelo Odebrecht, quando deveria ater-se a fatos concretos. Apenas no anexo 11 do referido Relatório constam 16 variantes de termos como "presume-se", "possivelmente", "é possível que" e "pode ser"...

A Odebrecht repudia especialmente a intenção de atribuir ao diretor-presidente da holding pretensas intenções extraídas de raciocínios especulativos, com o objetivo claro de prolongar prisão que, como a dos demais executivos que atuaram na Odebrecht, é totalmente ilegal e abusiva.

Em relação ao despacho do Juiz Sergio Moro, as defesas responderão dentro do prazo legal.

Quando foi consultada anteriormente sobre as anotações, a OAB se manifestou desta forma:

COM A PALAVRA, A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB)

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"Os presidentes das seccionais da OAB, diante das manifestações de autoridade policial sobre a atuação da Ordem na defesa de prerrogativas dos advogados que têm como clientes pessoas investigadas por desvios de recursos da Petrobras, vem a público declarar:

A OAB não se intimidará e nunca deixará de agir onde prerrogativas profissionais e o direito de defesa forem desrespeitados, sejam eles de advogados de investigados ou de delatores.

Nenhum advogado pode, e nem será, intimidado por autoridades policiais contrariadas com a defesa da Constituição e do Estado Democrático de Direito.

As leis existem para serem respeitadas. Investigações devem respeitar preceitos constitucionalmente instituídos.

Caso contrário, correm o risco de serem anuladas, frustrando a expectativa social que deseja ver a correta aplicação da lei.

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A OAB, em sua história, sempre lutou por um Brasil em que o Estado Democrático de Direito seja soberano. Junto à população, trabalhou pela aprovação da Ficha Limpa e sempre levantou bandeiras de combate à corrupção, acreditando que pessoas comprovadamente corruptas devam ser punidas.

No entanto, a persecução de uma sociedade mais justa, com corruptos comprovadamente culpados sendo punidos, não pode transbordar para o desrespeito aos marcos legais.

A comunicação entre clientes e advogados é inviolável. Sem ela, não se pode falar em amplo direito de defesa. Em dois anos, nossa procuradoria nacional de prerrogativas realizou mais de 16 mil atendimentos em defesa de advogados.

Tão correta está sendo a atuação da Ordem nos recentes acontecimentos que agitam o noticiário, que a Justiça Federal determinou a suspensão de inquérito em que houve violação da correspondência entre cliente e advogado.

Sabemos que a defesa da Constituição muitas vezes nos leva a zonas poucos confortáveis com determinados setores da sociedade, mas seguiremos lutando pelo devido processo legal, pelo direito à ampla defesa e pelo Estado Democrático de Direito.

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Presidentes das seccionais da OAB"

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