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MP flagra trabalho análogo à escravidão em obra do 'Minha Casa, Minha Vida'

Iinquérito foi instaurado para investigar o caso e a obra, em Fernandópolis (SP), está embargada até que todas as irregularidades sejam solucionadas

Por Ricardo Valota e Gheisa Lessa
Atualização:

São Paulo, 10 - Cerca de 90 operários de uma obra do 'Minha Casa, Minha Vida' foram encontrados em condições de trabalho análogas à escravidão por agentes do Ministério Público do Trabalho de Campinas, na última sexta-feira, 4. De acordo com o MP, um inquérito foi instaurado para investigar o caso e a obra está embargada até que todas as irregularidades sejam solucionadas.

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Na última sexta, trabalhadores da obra em questão realizaram uma denúncia no Ministério Público do Trabalho de São José do Rio Preto, pasta que atende a região de Fernandópolis, onde a construção é realizada. De acordo com informações da assessoria de imprensa do MPT, fiscais foram enviados ao local e constaram diversas irregularidades, entre elas trabalho análogo à escravidão, péssimas condições do canteiro de obra e do alojamento.

A pasta informa que o projeto 'Minha Casa, Minha Vida' é sustentado com verbas do Ministério das Cidades e da Caixa Econômica Federal. Neste caso, assim que a verba destinada é aplicada, cabe ao município ou cidade contratar uma empresa terceirizada capaz de fornecer mão de obra para as construções.

A assessoria de imprensa do MPT, afirma que no entendimento da pasta, cabe à Caixa Econômica Federal fiscalizar a regularidade do trabalho antes de liberar a verba.

O trabalho análogo à escravidão foi apurado quando os trabalhadores afirmaram trabalhar 15 horas por dia na obra, sem o pagamento salarial - segundo informações do MPT, o pagamento estava sendo feito aos poucos, por meio de vales de R$ 100, R$200 e R$300, nunca no valor integral do salário.

Outra denúncia investigada é a condição dos alojamento nos quais os operários moravam. "As questões sanitárias destes alojamentos são lamentáveis, os banheiros devem ser usados por, no máximo, 20 trabalhadores, e não foi isso que a perícia presenciou", conta a assessoria da pasta.

Os agentes do Ministério Público do Trabalho de Campinas, órgão que conduz as investigações do caso, efetuaram o resgate dos 90 trabalhadores no início desta semana e determinou a rescisão do contrato de todos os operários. "Conforme determina a lei", informa a assessoria de imprensa, "os homens têm direito a receber as verbas rescisórias: o seguro desemprego, salário e 13º salário, férias e fundo de garantia".

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"Todos os operários são migrantes do nordeste do País, a maioria deles veio do Piauí e do Maranhão para trabalhar nesta construção", afirma o MPT. A pasta esclarece que, na maioria dos casos, há irregularidades inclusive na busca dessa mão de obra.

"Esses operários são buscados por meio de empreiteiras terceirizadas, contratadas pela construtora", explica a assessoria de imprensa do MPT. "Essa empreiteira busca os trabalhadores no nordeste que, geralmente, chegam ao destino de forma clandestina, em ônibus clandestinos, em ocasiões que eles mesmos chegam a pagar a passagem", diz. Muitos operários são aliciados e chegam a trabalhar sem registro de trabalho ou carteira assinada.

"Encontramos indícios de aliciamento de trabalho e a fiscalização provou que houve irregularidades na vinda destes 90 homens para São Paulo", segundo a assessoria.

A pasta informa que a mão de obra deve ser contratada perante o Ministério do Trabalho da cidade do contratado. O registro de trabalho é feito e o pagamento das passagens aprovado pelo Ministério. Assim que a documentação é tida como regular, a pasta libera a saída do trabalhador.

O Ministério Público do Trabalho de Campinas, que conduz as investigações e está à frente do inquérito informou que irá notificar a Caixa Econômica Federal solicitando esclarecimentos sobre a situação dos trabalhadores e a solução do caso.

O estadão.com.br procurou o Ministério das Cidades e a Caixa Econômica Federal e a assessoria de imprensa de ambos os órgãos informou que a posição oficial será enviada por e-mail.

Por telefone, a assessoria do Ministério das Cidades informou que, na maioria dos casos, cabe à Caixa Econômica Federal fiscalizar as verbas do projeto "Minha Casa, Minha Vida".

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"O papel do Ministério é liberar a verba para a Caixa Econômica, que a repassa para os Estados e Municípios", informa a assessoria de imprensa do Ministério das Cidades. "Cabe aos Estados e Municípios contratar as empresas responsáveis pelas obras do projeto. O Ministério das Cidades não tem nenhuma responsabilidade com a contratação das empresas", explica a assessoria que também solicitou poder posicionar-se oficialmente por e-mail.

Óbito. Depois de resgatados, os operários do "Minha Casa, Minha Vida" deveriam receber a verba da rescisão do contrato de trabalho. Conforme informações do Ministério do Trabalho de Campinas, a empresa construtora que os contratou iria transportá-los até o Ministério. A empresa não apareceu com o transporte e os homens decidiram seguir caminho a pé. Durante a caminhada, um dos operários sofreu um ataque cardíaco e morreu.

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O Ministério Público do Trabalho vai investigar se a empresa realmente tinha a responsabilidade de efetuar o transporte dos operários.

PEC do Trabalho Escravo. A votação da chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Trabalho Escravo, tramita no Congresso Nacional há dez anos. Caso aprovada, a PEC permite a expropriação de terras nas quais seja constatado o uso de mão de obra escrava.

Desde março deste ano, funciona na Câmara a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Escravo, criada para investigar denúncias sobre essa prática com base em lista elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Atualmente, 292 empregadores estão na relação, acusados de explorar mão de obra de forma análoga à escravidão.

De acordo com o Ministério, entre 1995 e março deste ano, 42.116 trabalhadores submetidos a trabalho escravo foram resgatados e mais de R$ 70 milhões de verbas rescisórias foram pagas.

No ano passado, 2.271 trabalhadores pelos grupos móveis de fiscalização, que promoveram 158 ações em 320 fazendas e estabelecimentos. Na semana passada, a Superintendência Regional do Ministério no Tocantins resgatou 96 trabalhadores em situação análoga à de escravo em 11 carvoarias do estado.

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