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'Panama Papers' revelam novas offshores em esquema do futebol sul-americano

Negociação de direitos de transmissão dos jogos pela TV expõe malha de empresas instaladas em paraísos fiscais, entre elas cinco até agora desconhecidas

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Por UOL e Estado
Atualização:

Documentos da Mossack Fonseca revelam uma rede de pelo menos 15 empresas, a maioria em paraísos fiscais, controlando os direitos de transmissão de jogos da Copa Libertadores, maior torneio de clubes do futebol sul-americano. Contratos e comprovantes de pagamentos mostram que parte do dinheiro ganho com a competição era enviado para essas offshores. O esquema é investigado pelo FBI, a polícia federal norte-americana, por envolver o pagamento de propina por meio de acordos com dirigentes da Conmebol (Confederação Sul-americana de Futebol).

Os arquivos mostram a existência de pelo menos cinco offshores que não eram até o momento conhecidas pelas investigações ou não tiveram seus nomes divulgados antes da publicação da série Panama Papers.

Sede da Conmebol Foto: Divulgação

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Essas offshores integravam uma malha de empresas com poder sobre os direitos de transmissão da Libertadores. Tinham força para direcionar os valores recebidos de emissoras de TV para diferentes paraísos fiscais, como Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas, Turks & Caicos e Chipre.    Uma investigação do FBI sobre esta rede de operações levou à prisão de dirigentes da Conmebol, como o ex-presidente da entidade Nicolas Leoz. Executivos envolvidos, como o brasileiro José Hawilla, confessaram os crimes e indicaram dirigentes e ex-dirigentes da CBF como Ricardo Teixeira, Marco Polo Del Nero e José Maria Marin entre alguns dos beneficiários dos subornos.

Para o FBI, o pagamento de propinas era gerenciado pelo argentino naturalizado brasileiro José Margulies.Procurado pela reportagem, o advogado brasileiro de Margulies, Jair Jaloreto, afirmou que não comentaria o caso das offshores. 

Análise no banco de dados do Panama Papers revelou a existência de 41 pessoas assinando contratos ou como representantes de firmas que tinham negócios na indústria do futebol. Foram encontradas também 15 offshores ligadas ao assunto na documentação da firma panamenha, sendo que pelo menos seis nunca tiveram até hoje seus nomes mencionados em relatos sobre o escândalo do futebol: Arco Business & Development Ltd, Powermill S. A., Henlets Groups S. A., Medak Holding Limited e BeleggIngsmaertshappij Vechtmond.

A série Panama Papers, que começou a ser publicada no dia 3 de abril,é uma iniciativa do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês), organização sem fins lucrativos e com sede em Washington, nos EUA. Os dados foram obtidos pelo jornal Süddeutsche Zeitung. O material está sendo investigado há cerca de um ano. Participam desse trabalho com exclusividade no Brasil o UOL, o Estado e a RedeTV!.

Rede de offshores. O centro do esquema era a T&T Sports Marketing Ltd, com sede nas Ilhas Cayman, um paraíso fiscal no caribe. Essa offshore detinha os direitos de transmissão da Libertadores por meio de contrato com a Conmebol. Pelo acordo, pagaria entre US$ 22 milhões e US$ 27,8 milhões anualmente pelos direitos entre 2008 e 2018.   Os donos da T&T são a Torneos y Competencias, empresa com sede na Argentina, e a Fox Pan American Sports, subsidiária da rede Fox em Delaware.

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O Estado de Delaware, na costa leste dos EUA, tem condições especiais para empresas que ali se instalam. É uma espécie de paraíso fiscal dentro do país.

No caso da Torneos, seus acionistas eram outras três empresas e um executivo: a DLJ Offshores Partners, na Holanda, a Nofal Sports Holding AS, em Buenos Aires, e a DirecTV Latin America, além do executivo Alejandro Buzarco –que é réu confesso na Justiça dos EUA por pagar propinas a cartolas.   A Fox sempre alegou não participar na gestão da T&T. Essa versão sofre agora uma avaria. É que um documento do arquivo da Mossack Fonseca mostra que a rede norte-americana de TV indicou três diretores da T&T. 

Após o rompimento do acordo da T&T com a Conmebol, a Fox herdou o contrato, no final de 2015.

Anteriormente, a T&T tinha como um dos sócios a Continental Sports Marketing, um braço do grupo Traffic, de José Hawilla, nas Ilhas Cayman. A empresa vendeu sua participação há mais de uma década. 

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Mas essas não eram as únicas empresas envolvidas. A T&T firmou uma série de acordos paralelos para distribuir o dinheiro da competição sul-americana. Primeiramente, vendeu, em 2012, todos os direitos de transmissão da Libertadores para o Brasil para a Torneos & Traffic, com sede na Holanda.   É por essa razão que foi com essa empresa que a TV Globo assinou os seus contratos para comprar os direitos da Libertadores. Os arquivos registram pagamentos de mais de US$ 20 milhões da emissora brasileira em 2013 –que nega ter cometido irregularidades. 

A TV Globo fez novos contratos para comprar direitos da competição sem intermediários, no início de 2016, com o rompimento dos acordos anteriores pela Conmebol.

Os papéis da Torneos & Traffic levam a quatro novas offshores, todas desconhecidas do público dentro do escândalo da Conmebol. 

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Organograma sobre offshores envolvidas em contratos com o futebol sul-americano Foto: Reprodução

Um contrato de janeiro de 2005 mostra que a Torneos & Traffic Sports Marketing B.V. chamava-se Unimed B.V. e pertencia a outra empresa com sede na Holanda, a Beleggingsmaatschappij Vechtmond I B.V.. O documento determina a transferência das ações da Unimed para a Medak Holding Limited, empresa indicada em um organograma até hoje inédito e que detalha o fluxo dos acertos financeiros.

Esse organograma é um dos documentos dos Panama Papers mais rico em detalhes sobre os negócios do futebol latino-americano. Trata-se de um quadro meticuloso mostrando a malha de empresas envolvidas nas transações. Há uma versão original e outra com anotações de valores. 

Esse organograma confirma a compra da Torneos & Traffic, ainda com seu nome antigo, pela Medak, sediada em Chipre.

Revela também mais um elo dessa cadeia: indica que a Medak pertence a outra offshore, sediada no Uruguai, a Henlets Group. Seu acionista era Enrique Cascardo, jornalista uruguaio que já morreu e não aparecia até hoje como envolvido nas investigações sobre o caso.   Ainda que a Medak seja acionista da Torneos & Traffic, essa empresa não era a única beneficiada pelo fluxo de dinheiro resultante dos contratos de serviços de transmissão da Copa Libertadores da América. 

Os papéis mostram que outra offshore, a Arco Business & Development, nas Ilhas Virgens Britânicas, levou US$ 12 milhões. O dono da Arco é outra empresa, a Powermill S.A., também sediada nas Ilhas Virgens, e que tem como acionista Javier Orden, outro nome até então desconhecido.

José Margulies. De toda a rede, a parte mais notória é a que envolve o argentino naturalizado brasileiro José Margulies. Ele foi um dos 14 indiciados pelo FBI em maio de 2015 e o único a não ser preso. 

Margulies e seus parentes estão relacionados a três offshores já conhecidas no esquema dos contratos. Eles controlavam a Somerton, empresa sediada nas Ilhas Turks e Caicos, que tinha contrato para receber US$ 1 milhão por ano pelas edições da Libertadores de 2007 a 2014 e foi substituída pela Valente Corporation, outra empresa dos Margulies em 2006, que recebeu US$ 1,6 milhão por ano. 

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Os Margulies ainda são donos da empresa brasileira Spoart Promoções e Empreendimentos Artísticos e Esportivos Ltda, que recebeu US$ 800 mil por ano no esquema.

O organograma ainda mostra a existência de uma empresa chamada TyC International, versão mundial da argentina Torneos y Competencias S. A. com sede na Holanda. A empresa é uma das licenciadoras da Fifa para os direitos de transmissão da Copa do Mundo da Rússia em 2018.

Leia mais sobre os arquivos da Mossack Fonseca no site panamapapers.icij.org (em inglês).

*Participaram desta reportagem Fernando Rodrigues, André Shalders, Mateus Netzel, Douglas Pereira e Rodrigo Mattos, do UOL, e Jamil Chade, José Roberto de Toledo, Daniel Bramatti, Rodrigo Burgarelli, Guilherme Jardim Duarte, Isabela Bonfim e Mateus Coutinho, de O Estado de S. Paulo. Além destes, participam da série Panama Papers, Diego Vega e Mauro Tagliaferri, da RedeTV!.

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