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Escritório é a porta de entrada para fluxo de segredos sombrios

Arquivos mostram lista de clientes que inclui traficantes de drogas, integrantes da máfia, políticos corruptos e sonegadores – e uma abundância de irregularidades.

Por Martha M. Hamilton
Atualização:
The Panama Papers Foto: Divulgação

Os mais de 11 milhões de documentos obtidos pelo ICIJ – e-mails, contas bancárias e registros de clientes – abrangem os trabalhos internos da Mossack Fonseca por quase 40 anos, de 1977 a dezembro de 2015. Os Panama Papers contam, exemplo após exemplo, as transgressões éticas e legais de clientes e fornecem evidências de que a empresa fica feliz em agir como a porta de entrada para os segredos de seus clientes, mesmo aqueles que se revelam criminosos, integrantes da máfia, traficantes de drogas, políticos corruptos e sonegadores.   Os registros mostram que os negócios têm ido bem. Atualmente, a Mossack Fonseca é considerada uma das cinco maiores atacadistas de sigilo offshore. A empresa tem mais de 500 funcionários e colaboradores em mais de 40 escritórios ao redor do mundo, dentre eles três na Suíça e oito na China, e em 2013 faturou mais de US$ 42 milhões. A Mossack Fonseca respondeu a perguntas levantadas pelas descobertas do ICIJ afirmando que “há mais de 40 anos a Mossack Fonseca tem operado de forma irrepreensível… nossa empresa nunca foi acusada ou indiciada por prática criminosa”.   As origens da Mossack Fonseca remontam a 1986, quando Ramón Fonseca fundiu sua pequena empresa panamenha, que contava com apenas uma secretária, com outra, dirigida por Jürgen Mossack, um panamenho de origem alemã. “Juntos”, disse posteriormente Fonseca a um jornalista, “criamos um monstro”. Hoje em dia, os dois sócios movimentam-se nos mais altos círculos da sociedade panamenha.

Sede da Mossack Fonseca, no Panamá Foto: Divulgação
A rede de offshores da Mossack Fonseca Foto: Estadão

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Hoje em dia, as Ilhas Virgens Britânicas abrigam cerca de 40% das empresas offshore do mundo. Das empresas que aparece nos arquivos da Mossack Fonseca, uma a cada duas companhias, são mais de 113 mil, foram abertas nas Ilhas Virgens Britânicas. A Mossack Fonseca fez outro movimento importante em 1994. Na época, a empresa ajudou a pequena nação de Niue, um afloramento de corais com uma população de menos de 2 mil pessoas, a elaborar uma lei que previa a abertura de companhias offshore. O escritório de advocacia havia escolhido Niue, revelou Mossack posteriormente à agência France-Presse, porque queria uma localização no fuso horário Ásia-Pacífico e porque não enfrentaria competição. “Se tivéssemos uma jurisdição que era pequena, e nós a tínhamos desde o início, poderíamos oferecer às pessoas um ambiente estável, um preço estável.” A empresa assinou então um acordo de 20 anos com o governo do pequeno atol para ter o direito exclusivo de registrar companhias offshore em Niue. Um aspecto importante é que Niue ofereceu a possibilidade de registro em caracteres chineses e cirílicos, o que tornou o local atrativo para clientes chineses e russos. Em 2001, a Mossack Fonseca estava fazendo tantos negócios em Niue que era responsável pela arrecadação do equivalente a US$ 1,6 milhão dos US$ 2 milhões do orçamento anual do país. Mas as relações convenientes da empresa com o país insular também começaram a atrair atenção indesejada. Naquele mesmo ano, o Departamento de Estado dos Estados Unidos questionou os “estranhos acordos de partilha” entre Niue e a Mossack Fonseca e advertiu que a indústria offshore de Niue “tinha ligações com a lavagem de proventos criminosos da Rússia e da América do Sul”. A Força-Tarefa de Ação Financeira, uma organização intergovernamental estabelecia pelos principais países do mundo para combater a lavagem de dinheiro, colocou Niue na lista negra de jurisdições que não estavam tomando medidas para evitar a lavagem de dinheiro. Em 2003, Niue recusou-se a renovar quarto empresas abertas pela Mossack Fonseca, sinalizando que fecharia as franquias exclusivas do escritório de advocacia. Perder Niue, porém, não desacelerou os negócios da Mossack Fonseca.A empresa simplesmente transferiu suas operações e encorajou seus clientes que tinham companhias em Niue a reabri-las em Samoa, um país próximo.   A troca era parte de um padrão que emerge nos documentos. Quando ações de repressão legal prejudicavam a habilidade da Mossack Fonseca de servir seus clientes, a empresa rapidamente se adaptava e encontrava outro local para trabalhar. Quando as Ilhas Virgens Britânicas reprimiram o uso deações ao portador em 2005, a Mossack Fonseca transferiu esse tipo particular de negócio para o Panamá. Companhias com ações ao portador não mostram o nome de seu dono. Se estiverem em suas mãos, você é o proprietário delas. Há tempos essas ações são consideradas uma forma de lavagem de dinheiro e de outras infrações e têm gradualmente desaparecido em todo o mundo. Em algumas jurisdições elas ainda são permitidas, embora submetidas a mais restrições. A capacidade da Mossack Fonseca de transferir seus negócios rapidamente revela-se no grande aumento na abertura de empresas em uma dessas jurisdições, a ilha caribenha de Anguilla, que viu o número de empresas abertas mais do que dobrar entre 2010 e 2011. Anguilla é agora uma das quadro principais jurisdições da Mossack Fonseca para abertura de empresas offshore.

*Repórter do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos

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