Zoghbi fraudou sistema de crédito no Senado, diz relatório

Segundo investigação, ex-diretor instituiu esquema de 'agiotagem' na Casa

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Por Leandro Colon
Atualização:

Investigação do Senado mantida sob sigilo revela que o ex-diretor de Recursos Humanos da Casa João Carlos Zoghbi fraudou a folha de pagamento para aumentar o valor do crédito consignado. A empresa Contact Assessoria de Crédito, que tem uma ex-babá dele como sócia, foi, segundo a investigação, "a que mais faturou com esses empréstimos". O relatório mostra que a fraude gerou uma indústria de empréstimos que transformou o Senado em um grande centro de "agiotagem". Segundo a sindicância, Zoghbi entrava no sistema e aumentava o limite de crédito a que o funcionário teria direito, ultrapassando o porcentual estabelecido de 30%. Ele gerava uma "margem adicional" de renda para o empréstimo. Em depoimento à comissão de sindicância, Zoghbi admitiu que fraudou pelo menos 10% dos pedidos de crédito, alegando que estava atendendo a apelos dos funcionários com "problemas (financeiros) mais graves". Ele também barrava as auditorias no Ergon - o sistema informatizado da folha de pagamento. "O caso é gravíssimo", diz o relatório da comissão de sindicância. Essa investigação serviu como prova para a abertura de um processo administrativo para demitir Zoghbi do serviço público. O relatório foi entregue dia 15 de junho à primeira-secretaria, mas ficou sob sigilo em meio à turbulência política provocada pelos atos secretos naquele mês. O Estado teve acesso a esse material. AGIOTAGEM O relatório é contundente sobre a ação de Zoghbi em ramo que movimenta R$ 12 milhões por mês no Senado. Confirma que valores dos salários ou da margem consignável foram alterados, criando dados falsos para liberar créditos com desconto na folha de pagamento. "Uma vez alcançado esse limite de 30%, o servidor não consegue mais obter do sistema essa declaração autorizando a concessão de empréstimo", dizem os investigadores. "Aí entra a mão do servidor autorizado pelo diretor da Secretaria de Recursos Humanos, ou do próprio investigado (Zoghbi), que teria acesso para entrar no sistema e alterar os dados, emitir uma declaração com dados falsos para favorecer a si ou a outrem." Pelo menos mil funcionários conseguiram ultrapassar o limite com o aval dele. A sindicância revela ainda que informações confidenciais dos funcionários, sob a responsabilidade de Zoghbi, foram repassadas a terceiros. Esses dados caíram na mão de corretores - inclusive da Contact --, que vendiam empréstimos dentro do Senado. O resultado disso foi uma guerra fora do controle no agenciamento desses créditos. Até hoje os dados dos servidores circulam fora da Casa. "Restou demonstrada a existência de uma ferrenha e daninha disputa entre diversos corretores e agenciadores de empréstimos invadindo os locais de trabalho, os telefones e os e-mails institucionais dos servidores, atrapalhando os trabalhos e estimulando a agiotagem", diz o relatório. "Sem que ninguém soubesse como eles conseguiam as informações pessoais e financeiras." A sindicância, comandada por três servidores, não deixa dúvida ao frisar que a Contact Assessoria de Crédito foi favorecida por fraudes internas: "É justo afirmar que essa empresa também se beneficiou com as entregas dessas declarações de conteúdo falso que permitiam o endividamento sem limite do servidor." A empresa recebeu, pelo menos, R$ 2,2 milhões do Banco Cruzeiro do Sul por serviços prestados no Senado. INQUÉRITO NA PF O trabalho da sindicância foi enviado recentemente à Polícia Federal. Um inquérito foi aberto em 13 de maio pelo delegado Gustavo Buquer para investigar a atuação de Zoghbi no esquema de crédito consignado. Um dos pontos que a polícia investiga é a fraude no banco de dados do Senado. Um pedido de quebra de sigilo fiscal, bancário e telefônico de Zoghbi foi feito à Justiça pela PF e também pelo Ministério Público, mas até agora não houve resposta. A polícia avalia indiciar Zoghbi e integrantes da Contact em agosto, mas sem encerrar o inquérito. Zoghbi comandou a Secretaria de Recursos Humanos por mais de dez anos. Deixou o cargo em março, após a revelação de que repassou aos filhos um apartamento funcional do Senado. A descoberta da ligação com esquema de empréstimos abriu a sindicância, que gerou o processo administrativo. Ele responde a outro processo, referente aos atos secretos. O ex-diretor pediu aposentadoria, mas pode perder o benefício.

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