Violência política mobiliza polícia, MP e TRE no Rio

Nos últimos quatro anos, 26 políticos ou assessores foram mortos apenas na região metropolitana; Baixada Fluminense é área que mais preocupa na eleição deste ano

Por Caio Sartori
Atualização:

RIO - Encontrada morta nas águas do Rio Roncador, na Baixada Fluminense, Sandra Silva foi a última vítima dos crescentes casos de violência política no Rio. O episódio aconteceu na última terça-feira, 1º, no município de Magé. A suspeita preliminar da polícia é de que o assassinato da pré-candidata a vereadora pelo PSB, conhecida como Tia Sandra, tenha motivação eleitoral. Só neste ano de eleições, três políticos já foram alvejados até a morte na Baixada.

A execução da vereadora carioca Marielle Franco, em março de 2018, jogou luz, com proporções inéditas, sobre os crescentes casos de mortes com fins políticos em terras fluminenses. Foram 26 políticos ou assessores assassinados somente na região metropolitana nos últimos quatro anos. A populosa Baixada, com 19 registros, é a área com maior incidência e, portanto, a que mais preocupa para a eleição deste ano.

Carro onde estavam Marielle e o motorista Anderson, mortos em março de 2018. Foto: FOTO: MARCOS ARCOVERDE/ESTADÃO

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A preocupação com violência política no Rio, no entanto, mobiliza forças que não se limitam à apuração de assassinatos. Para a eleição deste ano, o Tribunal Regional Eleitoral coordena um grupo que conta com a participação de diferentes núcleos da Polícia Civil, do Ministério Público, da Procuradoria Eleitoral e da Polícia Federal. As equipes se preocupam, por exemplo, com a influência de grupos criminosos durante o período eleitoral.

Os dados de mortes foram levantados pela plataforma Fogo Cruzado, que monitora tiroteios na Grande Rio, a pedido do Estadão. Vinte delas foram classificadas como execuções, o que deixa evidente sua motivação política: são encomendadas como instrumento de disputa por poder em regiões com forte atuação do crime. Essas vítimas eram, na maior parte, pessoas ligadas ao cargo de vereador – entre empossados, candidatos e assessores, por exemplo.

Além de Tia Sandra, os outros dois mortos neste ano foram alvejados em São João de Meriti, que faz divisa com bairros da zona norte da capital. Encontrado sem vida dentro do próprio carro, o empresário Aerton Santos de Araújo era pré-candidato a vereador em Duque de Caxias, município vizinho. Já Ubirajara Moraes Pereira, o Bira da Saúde, concorreria ao cargo na própria São João. Em março, ele foi atingido com dez tiros na cabeça. Estava com o filho, que foi poupado pelos assassinos. Além disso, nenhum objeto foi roubado, o que reforça as características de execução.

“Isso chama muita atenção para uma violência política que claramente está com sobrerrepresentação na Baixada e para a necessidade de que delegacias de homicídio atentem para essa lógica violenta da política na região”, aponta Maria Isabel MacDowell Couto, socióloga e pesquisadora do Fogo Cruzado, ao lembrar que não há esse domínio da região nos dados de tiroteios que não envolvem políticos.

Influência

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Para além das mortes, as autoridades monitoram a recorrente influência de grupos criminosos, principalmente as milícias, sobre os eleitores. Segundo dados do Ministério Público e do TRE, 672 locais de votação do Estado estão inseridos em áreas controladas pelo crime. Isso equivale a 14% do total.

Municípios da região metropolitana como Itaboraí, Maricá e São Gonçalo também têm presença massiva do crime organizado e registram casos de políticos mortos nos últimos anos.

Pelos registros do Disque-Denúncia, houve 438 reclamações, na eleição de 2018, de que milicianos exerciam pressão num raio de 200 metros dos locais de votação no Estado. O Comando Vermelho, maior facção do tráfico no Rio, gerou 423 denúncias.

Nos trabalhos coordenados pelo TRE, cada órgão ajuda com suas respectivas competências. O MP Eleitoral se concentra em dois pontos: garantir que nenhum candidato seja impedido de fazer campanha em áreas que precisariam do aval do crime e evitar que eleitores sejam coagidos a votar em determinada pessoa. Para isso, depende também das forças de Segurança.

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Outra frente, tocada pela Polícia Civil, investiga a possível participação de criminosos no apoio político e financeiro a candidatos. “A principal preocupação da Draco (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas) é identificar, corretamente, possíveis candidatos bancados, cooptados, escolhidos por organizações criminosas para participação do pleito eleitoral”, aponta o delegado titular William Pena.

O termo “corretamente” foi usado pelo delegado porque é comum, em ano eleitoral, a apresentação de falsas denúncias para chamar a atenção da Draco e prejudicar adversários. “A partir da identificação, podemos angariar elementos a fim de concluir a investigação e subsidiar o Ministério Público com provas que possibilitem o oferecimento de denúncia criminal, ação civil pública, cassação de mandato, entre outras medidas que o órgão ministerial entender pertinente”, explica Pena.

Ex-vereador preso por integrar milícia faz campanha para o filho

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O ex-vereador carioca Luiz André Ferreira da Silva, o Deco, ganhou liberdade condicional em julho do ano passado, depois de mais de três anos preso, acusado de homicídio qualificado e formação de quadrilha. Agora solto, o ex-parlamentar do PL faz campanha nas redes sociais para o filho, Daniel Carvalho, que buscará uma vaga na Câmara Municipal. No Facebook, Deco posta vídeos de estações de BRT que estão funcionando mal, por exemplo, além de conversar com moradores da zona oeste da cidade para ouvir reivindicações.

Antes de ser preso, em fevereiro de 2016, Deco já havia sido condenado, em 2011, a dez anos de prisão, mas respondeu ao processo em liberdade. Entre os planos que ele teria arquitetado, segundo as investigações, estava a tentativa de matar o deputado Marcelo Freixo (PSOL), que presidiu a CPI das milícias na Assembleia Legislativa, e a então chefe da Polícia Civil e hoje deputada Martha Rocha, pré-candidata do PDT à Prefeitura do Rio. O Estadão não localizou a defesa de Deco.

O caso lembra o de Jerominho, que depois de anos preso afirma ser candidato à Prefeitura – apesar de ficha-suja –, enquanto trabalha para conseguir uma vaga para a filha Carminha na Câmara. A Lei da Ficha Limpa prevê que condenados por órgão colegiado não podem se candidatar pelo período de oito anos.

“Caso não tenha havido confirmação da condenação criminal por órgão colegiado, o MP Eleitoral pode se valer da Ação de Investigação Judicial Eleitoral, quando restar comprovado que determinado candidato se valeu de abuso de poder econômico ou político para se promover, como, por exemplo, o suporte de grupos criminosos”, indica a Promotoria fluminense.

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