PUBLICIDADE

Violência é maior onde há pior infra-estrutura na cidade

Por Adriana Carranca
Atualização:

Quando o vencedor da eleição assumir a Prefeitura de São Paulo, em janeiro de 2009, tudo indica que a cidade terá completado uma década de queda nas taxas de homicídio. Os números vêm caindo desde que a contagem atingiu seu pico, em 1999, com 11.472 mortos, índice de 52,58 mortes por 100 mil habitantes. No primeiro semestre de 2008, foram 630 assassinatos, 19% a menos que no mesmo período do ano passado. A média de 14 assassinatos por 100 mil habitantes está perto da taxa dos países desenvolvidos. A realidade, no entanto, não se aplica igualmente a todos os paulistanos. A violência na cidade segue uma geografia socioeconômica. Embora não revele números regionais, a Secretaria de Segurança Pública aponta entre os bairros com mais mortes, entre janeiro e junho: Jardim Ângela, Capão Redondo, M?Boi Mirim, Heliópolis e Cidade Ademar. São também os de pior infra-estrutura urbana e menor acesso à equipamentos públicos. Ao mesmo tempo, crescem os roubos: 4,3% entre os primeiros semestres de 2007 e 2008, quando houve 56.940 casos, um a cada dez minutos. O número de furtos no período, embora em queda, também é alarmante: 75.944 casos ou um a cada três minutos. E há a expansão do tráfico de drogas, que sustenta o crime organizado. A repressão a esses crimes cabe às polícias, hoje com 90 mil homens e 15 mil viaturas, sob tutela do Estado. Mas acabar com a desigualdade, que cria guetos de pobreza e criminalidade, cabe à prefeitura, assim como a prevenção de delitos. É este o principal desafio do futuro prefeito, segundo especialistas ouvidos pelo Estado. "A cidade vivenciou nos últimos anos uma queda significativa da criminalidade, sobretudo dos homicídios. Isso abre espaço para que os prefeitos possam fazer uma gestão de segurança mais focada no aspecto urbano. O princípio da política municipal deve ser a prevenção", diz a diretora-executiva do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud), Paula Miraglia. Intervenções lideradas por prefeitos, que colocaram a segurança como prioridade nas políticas municipais, derem resultado em curto prazo. Foi o caso de Diadema, Nova York e Bogotá. Elas têm em comum uma ofensiva de políticas públicas direcionadas às áreas mais violentas, em parceria com ONGs, lideranças locais, escolas e igrejas, com ações além da repressão, principalmente educação. REFORMA Em Nova York e Bogotá, houve reforma das polícias, cujos comandos submetem-se aos prefeitos. "No caso de São Paulo, eu acredito que a integração das polícias, com o uso da inteligência, é mais importante do que a polêmica da municipalização", diz Renato De Vitto, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Os especialistas alegam que a repressão e o combate ao crime organização já estão no foco da polícia estadual. Tanto que, em paralelo à queda de homicídios, a população carcerária triplicou entre 1994 e 2007, saltando para 153 mil presos no Estado. "A associação imediata das políticas de segurança com a repressão esvaziou o papel do município, mas isso é um equívoco", diz Paula. À prefeitura, para ela, cabem as ações locais, principalmente em ordenar o espaço urbano e responder à população com moradia, urbanismo (iluminação, ruas, etc.), recuperação e criação de espaços de convivência nas áreas mais violentas e precárias. "Criar espaços de interação entre pessoas da comunidade é uma forma de mobilização. É claro que fazer praças não acabará com o crime organizado. Mas pode enfraquecer o poder de ação e recrutamento do crime, à medida que a população se apropria da cidade", diz Paula. "Nos EUA, um estudo recente apontou que os que trabalham com carteira assinada entram menos no crime. A lógica é: a pessoa com um emprego, uma casa, tem o que perder e pensa duas vezes antes de colocar isso em risco", diz Nancy Cardia, coordenadora-adjunta do Núcleo de Estudos da Violência (NEV), da Universidade de São Paulo (USP). "Mas, ao contrário disso, grande parte de São Paulo é informal, sem lei, e os grupos delinqüentes se aproveitam. Dominam essas áreas." Ela atribui a queda da criminalidade em São Paulo, entre outras coisas, como as leis de desarmamento, à melhora do acesso à moradia, escolaridade e mercado formal de trabalho. "Isso não depende só do prefeito, mas ele pode potencializar os efeitos dessas ações. As taxas de violência ainda são altas. A indústria da segurança privada é prova de como os paulistanos continuam amedrontados", diz Nancy. Para ela, outra função da prefeitura é a fiscalização. "Se o poder público aplica as leis que promulga, diminui conflitos entre os cidadãos", diz Nancy. Para De Vitto, a prefeitura tem papel fundamental de mediação. "Muitos dos conflitos que vão parar no Tribunal do Júri poderiam ter sido resolvidos no âmbito da comunidade", diz. Isso poderá vir da reforma da Guarda Civil Metropolitana (GCM), que, segundo os especialistas, deve deixar de ser patrimonial para se tornar uma polícia comunitária e preventiva. PRINCIPAIS PONTOS Prevenção: Deve pautar a política de segurança na esfera municipal, uma vez que as polícias do Estado e federal já lidam com a repressão Guarda Civil Metropolitana: Hoje com 8 mil homens, deve ser expandida e reformulada para se tornar uma polícia comunitária e preventiva, com bases móveis (a cada 20 mil habitantes), assumir a ronda escolar e integrar a atuação ao trabalho desta e da Polícia Civil Gestão local: Criar instância com autonomia para desenvolver e executar política municipal baseada em ações locais, de acordo com a realidade de cada subprefeitura Diagnóstico: Criar sistema de diagnóstico (Observatório de Segurança Cidadã) para identificar pontos de maior incidência de crimes, por tipo, e necessidade de serviços e equipamentos, além do monitoramento de políticas de prevenção Gestão metropolitana: liderar a integração das políticas de segurança da Região Metropolitana, com participação no Fórum Metropolitano de Segurança Pública Zeladoria: Iluminação pública, reforma de praças, criação e recuperação de áreas degradadas da cidade e de espaços de convivência e equipamentos públicos para atividades culturais e esportivas Vigilância: Ampliação do monitoramento por câmeras, nos locais de grande concentração de pessoas e crimes contra o patrimônio Controle: Regulamentação e fiscalização de atividades que possam ter caráter informal ou ilícito, como desmanches e ferros-velhos; garantir fechamento de bares à noite para inibir consumo de álcool e violência Mediar conflitos: implantar núcleos de mediação de conflitos comunitários em áreas vulneráveis, antes que cheguem à Justiça, e incentivar atitudes não-violentas

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.