Veto de Bolsonaro a ‘itens básicos’ para frear covid-19 surpreendeu indígenas

Povos tradicionais buscam reação com Congresso e STF para garantir fornecimento de água, comida e itens de higiene

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Por Túlio Kruse
Atualização:

Lideranças indígenas e entidades que representam povos tradicionais desmontraram surpresa com os vetos do presidente Jair Bolsonaro à lei que define medidas para combater o avanço do novo coronavírus entre comunidades vulneráveis, nesta quarta-feira, 8. Medidas como a garantia de acesso a água potável, cestas básicas e fornecimento de itens de higiene são consideradas essenciais para evitar que moradores saiam de aldeias e se exponham ao vírus. 

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Na forma como foi publicada, sem esses itens, a lei é considerada ineficaz pelas entidades. A entrega de materiais básicos, água, comida e a oferta de leitos hospitalares havia sido acordada entre representantes dessas comunidades e líderes do Congresso, e por isso a sua retirada do texto era inesperada. 

“Nós ficamos surpresos que pontos essenciais como o acesso a água seja vetado, ou a garantia de higiene para essas comunidades e distribuição de cestas básicas, que é onde mais se percebe a vulnerabilidade dos povos indígenas”, diz o coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Dinaman Tuxá. “Esses vetos incidem diretamente sobre preceitos fundamentais.” 

Parque das Tribos, uma comunidade indígena nos subúrbios de Manaus. Foto: Ricardo Oliveira / AFP

Ele diz que, apesar da surpresa, os vetos “tornam público” o que ele considera um viés do governo contrário a comunidades tradicionais. “O que restou não é suficiente e não atende a realidade dos povos indígenas”, diz Tuxá

Para justificar as mudanças, o Executivo alega que as medidas criam despesas obrigatórias sem demonstrar o impacto orçamentário e financeiro. As entidades que representam indígenas rebatem esse argumento. 

“As entidades, os partidos políticos e o Congresso Nacional, que aprovou a lei, levaram esses elementos (do Orçamento) em consideração”, diz o assessor jurídico do Centro Indigenista Missionário (Cimi), o advogado Adelar Cupsinski. “O projeto, na verdade, visa justamente os itens essenciais para que as comunidades indígenas sobrevivam com dignidiade nesse momento que estamos sendo fortemente impactados pelo coronavírus. Não há uma justificativa plausível para vetar esses itens, pelo contrário – é um direito básico de toda a população.”

Na tarde desta quarta, o Cimi divulgou uma nota de repúdio aos vetos de Bolsonaro. O conselho considerou que a atitude reafirma “o preconceito, o ódio e a violência do atual governo”, e enxergou desrespeito ao Legislativo. “A justificativa do presidente para tais vetos baseia-se exclusivamente na falta de orçamento, o que é desmentido pela recente aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/2020 pelo Congresso Nacional. Conhecida como ‘Orçamento de Guerra’, a Emenda autoriza os gastos necessários para combater a crise gerada pela pandemia do novo coronavírus”, diz a nota. 

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“Na negociação para aprovação medidas, nós já tomamos a iniciativa de retirar medidas que nós achamos que são importantes, mas não eram emergenciais. Então estávamos convencidos que nesse projeto estavam medidas absolutamente essenciais”, conta a pesquisadora Givania da Silva, integrante da coordenação nacional da Confederação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq). “Como é possível tirar a possibilidade de fornecer água enquanto o mundo inteiro está dizendo ‘lave as mão constantemente’?”

Entidades veem disposição no Congresso e STF para derrubar vetos

Entidades indígenas disseram que veem disposição para derrubada dos vetos de Bolsonaro tanto no Legislativo quanto no Judiciário. Horas após a lei ser publicada no Diário Oficial da União, com os vetos, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o governo tome medidas para conter o avanço do contágio e das mortes por covid-19 entre indígenas. A medida cautelar determinada por Barroso ocorreu após a Apib e vários partidos políticos entrarem com uma ação contra omissões do poder público na proteção das comunidades contra a pandemia. Já no Congresso, a oposição passou a pressionar o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a convocar uma sessão conjunta para derrubar os vetos à lei. 

Para a integrante do Conaq, há mais esperança de que ações no STF resultem em obrigações do Executivo do que chance de os vetos serem derrubados no Congresso. A entidade não descarta entrar com novas ações no Judiciário ou mesmo motivar ações do Ministério Público para exigir o cumprimento de medidas. “Estamos com dificuldes, o Congresso tem dificuldade nessa questão de derrubada de vetos”, diz Gilvânia.

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