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Velhos amigos choram Zuza

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Por Agencia Estado
Atualização:

Os velhos amigos guardam na memória o Zuza dos tempos do rigoroso Colégio Santista - um menino inteligente, estudioso, debochado -, dos jogos de futebol - o centroavante hábil, artilheiro, matador -, dos passeios a bordo do Austin inglês quatro portas - o jovem galanteador -, até a "aventura" no mundo político que o consagrou como um administrador austero, disciplinado, honesto. Os velhos amigos estão muito abalados, naturalmente, com a morte do companheiro que virou governador depois de vencer o amargo período da cassação e do cárcere na Base Aérea de Cumbica que o AI-5 lhe impôs. Mas as lembranças daquela época - idos dos anos 40 e 50 - ainda arrancam boas risadas dessa gente que mora em Santos (SP). Fazem parte da geração que desfrutou da amizade de Mário Covas Júnior o doutor Lula Carvalho, advogado, hoje com 71 anos; o engenheiro Luiz Alberto Maia, 70; e o comerciante Antônio Gomes da Costa, 86 - proprietário do restaurante Florença, na esquina da Frei Gaspar com Amador Bueno, no velho centro da cidade - onde o jovem engenheiro, recém-formado, fazia suas refeições diárias. Ali no Florença, quase sempre, pedia uma das antigas especialidades da casa, língua com creme de espinafre. Ou frango com arroz à minhota (ensopado com lingüiça, repolho e cenoura). "Isso foi lá em 54 ou 55", recorda-se seu Antônio. Ele fala de um bom cliente, com um perfil diferente daquele que exibia na administração pública (mal humorado, turrão). "Era um freguês sempre alegre, nunca estava aborrecido." Zuza havia acabado de formar-se na Politécnica abriu escritório em frente do Florença, numa casa térrea que hoje dá lugar a um prédio de 9 andares. O assunto à mesa era, invariavelmente, futebol. "Gostava muito", atesta seu Antônio. Já fumava exageradamente, coisa de 3 a 4 maços de Lincon (maço verde) sem filtro, todo dia. A última vez que esteve no restaurante foi em 1998, durante a campanha da reeleição. Fazia-se acompanhar de outros políticos. O grupo pediu espeto de filé mignon. Colégio Santista - Lula Carvalho conheceu "o Mário" no quarto ano primário. O Colégio Santista, tocado pelos irmãos maristas, era muito famoso na região pela qualidade do ensino. E pelo rigor que impunha aos seus alunos. O menino Zuza levava a sério os estudos, mas logo conquistou a fama de "gozador". Isso custou-lhe boas manhãs de castigo. Certa vez, um padre mandou que copiasse 20 vezes um punhado de poemas de Camões. Quando retornou à sala, o padre notou que o rebelde não fizera a lição. Surpreendeu-se, então, com um desafio: "Não copiei, mas decorei tudo e vou ler para o senhor", retrucou Zuza. No recreio, a turma arregaçava as pernas da calça e entregava-se a acirradas partidas de futebol. Desde então, Mário Covas revelava um estilo que se transformou numa de suas marcas na Câmara, no Senado, na Prefeitura de São Paulo ou no Palácio dos Bandeirantes: detestava perder. "Ele era uma liderança natural, todos nós gostávamos de estar com ele", relata Lula, que recebeu credencial para acompanhar o enterro, hoje, no Cemitério do Paquetá. Lula é um dos cem amigos de Santos que a primeira-dama Lila Covas gostaria de ver presentes à cerimônia no Cemitério do Paquetá. Na sala de seu apartamento no Gonzaga, Lula fala do Bar Ritz, na avenida Marechal Deodoro, onde a turma se reunia, já no período do científico. "Os amigos o seguiam, ele sempre gostou de anedotas." Covas tinha um jeito especial de chamar os colegas: "Ô assombração, como é que tem andado?", dizia, entre gargalhadas. A memória era privilegiada. "Nós éramos felizes e sabíamos disso", emociona-se Lula. Adorava ir à praia e não dispensava o xadrez. Morava, então, num casarão na Marechal Dedoro, 85, patrimônio adquirido no período em que o velho Mário Covas (o pai de Zuza) fez do café um excelente negócio. "Era uma casa majestosa", descreve Lula. Hoje, a casa abriga a Academia Água e Companhia, montada pela empresária Marcela Ferreira. Os 700 associados ocupam o espaço que, durante muitos anos, deu conforto à família - o imóvel foi vendido quando uma forte crise estremeceu o setor cafeeiro. "Nos fundos da casa, tinha um campo de futebol", conta Lula. Sobraram duas salas, apenas, onde hoje o pessoal da academia faz musculação e condicionamento físico. As outras dependências foram demolidas e adaptadas. "O poder não diminuiu o carinho que ele tinha por nós" anota Lula. Há 20 dias, mais ou menos, ele e outros "amigos de fé" foram convidados para uma feijoada light na ala residencial do Palácio dos Bandeirantes. A idéia do reencontro foi de dona Lila. Covas ocupava uma cadeira de rodas, mas parecia estar bem. Comeu a feijoada e, de sobremesa, tomou sorvete "Brincou bastante com a gente, como nos velhos tempos", diz o advogado, que, na escola, jogava no meio-campo do time de Covas. Emoção - A certa altura, o governador não conteve a emoção quando Lula entregou-lhe um cartão emoldurado - era o original de um cartão que o candidato a prefeito de Santos, nas eleições de 1960, enviou aos cidadãos de sua terra natal. "O Mário apresentava na mensagem os motivos que os eleitores tinham para acreditar nele", lembra Lula, que ficou sabendo da morte do amigo às 5h50. "Estamos muito tristes, mas orgulhosos diante das manifestações de apreço que o Brasil está fazendo." O advogado conta que "todos os amigos sentiam já nos tempos de escola que ele seria um grande político". "Sua clareza e a perseverança eram bem do estilo dele" confirma Luiz Alberto Maia, 70, engenheiro que trabalhou com Covas na prefeitura de Santos. Conheceram-se aos 10 anos de idade, em 1940. Oito anos mais tarde, separaram-se. Covas foi para São Paulo estudar química industrial. Maia foi para Curitiba. Reencontraram-se em 1956, na prefeitura de Santos. Um ano antes, Covas fora contratado pela Divisão de Obras Públicas, onde ficou celebrizado por sua atuação nos morros da cidade onde ocorreram deslizamentos que fizeram 60 mortos. "O pessoal do Marapé ficou muito grato a ele", diz Maia. Vencida a primeira grande batalha de sua longa carreira na administração pública, o engenheiro Covas passou a ocupar o cargo de chefe da Divisão de Repartiçõs Externas, um setor que cuidava de 12 repartições como mercado municipal, cemitérios, limpeza pública, feiras-livres. Nos momentos de folga, saboreava pastéis de carne e tomava guaraná Antárctica no Café Carioca, na Praça Mauá, onde fica a sede da prefeitura. Em 1961, aos 31 anos, estimulado pelos amigos, Covas decidiu candidatar-se a prefeito. O ademarismo dominava boa parte do Estado com o uso da máquina pública e emprego de recursos que ficaram celebrizados como "rouba mas faz". Covas concorreu pelo Partido Trabalhista Nacional e ficou em segundo lugar, mas não desistiu. No ano seguinte, foi eleito deputado federal. "O nosso broche de identificação era uma girafa carregando uma vassoura do janismo", relembra Maia. A girafa representava "o maior", no caso, Covas. Em 1968, os militares tiraram-lhe o mandato, quando liderou o movimento para impedir a autorização de processo contra o deputado Márcio Moreira Alves. Foi preso. Quando retornou à casa da Rua Guaibê, 57, Aparecida, Santos, os amigos o recepcionaram ruidosamente. A filha mais velha, Renata, mora nesta casa até hoje, com o marido Pedro. Entre os amigos estava o engenheiro Maia, de quem Covas havia sido padrinho de casamento em 1958 na Basílica do Santo Antonio do Embaré. Casado com Míriam, Maia teve três filhos. Um deles é hoje delegado de polícia, Luiz Eduardo Fiori Maia, o Duda, 35 anos. Covas tinha um carinho especial pelo rapaz. Quando menino, 3 ou 4 anos de idade, Duda irritava-se com as brincadeiras de Covas. "Eu chutei muitas vezes as canelas do governador", conta Duda, depois de uma noite de plantão no 7.º Distrito Policial (DP). "O meu filho jogava os próprios óculos no chão de tão bravo que ficava", recorda-se Maia. No almoço dos velhos amigos no Palácio, promovido por Lila, Covas entregou um cartão ao antigo companheiro de bola e de prefeitura. "Amigo Maia, como é bom lembrar de 1956, nada de barriga e cabelos brancos." E quis saber de Duda. "E aquele teu filho malcriado, como é que anda?", indagou o govenador. "Ele é delegado de polícia", respondeu o engenheiro. "Então deve estar bem", comentou Covas. "Está só esperando um aumento de salário", arriscou Maia. "Lila, que dia bonito está fazendo hoje", esquivou-se Covas.

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