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Veja os recuos de Bolsonaro no pronunciamento sobre coronavírus

Compare o que disse o presidente nesta terça, em cadeia nacional de rádio e TV, com o que falou outras vezes sobre a pandemia e com a opinião de especialistas

Por Bianca Gomes
Atualização:

O presidente Jair Bolsonaro mudou o tom de suas posições sobre o combate à pandemia do coronavírus ao fazer um pronunciamento em cadeia de rádio e TV na noite desta terça-feira, 31. O que antes era tratado como uma “gripezinha” passou a ser o “maior desafio da nossa geração”. A disputa com governadores que se arrastou por semanas deu lugar a um pedido de “união de todos num grande pacto pela preservação da vida e dos empregos”. Depois de dizer que “algumas mortes terão, paciência”, Bolsonaro afirmou que temos que evitar, “ao máximo, qualquer perda de vida humana”.

Se ao preparar o pronunciamento que fez em 24 de março Bolsonaro deu ouvidos ao seu filho Carlos Bolsonaro e ao chamado “gabinete do ódio”, desta vez ele levou em conta conselhos de ministros que, segundo auxiliares do Planalto, atuaram para convencer o presidente de que era preciso passar uma imagem de “serenidade” e “união” para a população. O presidente submeteu um rascunho do pronunciamento a alguns auxiliares e, segundo relatos feitos ao Estado, aceitou algumas sugestões, principalmente nos pontos em que suas posições eram mais radicais, como na questão do isolamento.

Presidente Jair Bolsonaro durante pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV Foto: TV Brasil / Reprodução

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Apesar disso, assim como já havia feito pela manhã, Bolsonaro voltou a usar uma frase fora de contexto do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em seu pronunciamento. Segundo o presidente, Tedros fez um alerta sobre riscos econômicos que o excesso de medidas restritivas pode trazer, como desemprego. Mas o diretor da OMS nunca estabeleceu essa relação entre o isolamento e a piora da economia. Ele apenas disse que os países devem planejar políticas públicas para lidar com este problema.

Veja, abaixo, algumas as principais mudanças de posicionamento de Bolsonaro:

GRIPEZINHA X MAIOR DESAFIO DA GERAÇÃO

O que disse nesta terça-feira, 31: “O Brasil avançou muito nesses 15 meses, mas agora estamos diante do maior desafio da nossa geração.”

O que disse em 24/03: “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho.”

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O que dizem especialistas: A covid-19 é uma doença grave, que causa dificuldade respiratória e pode levar à morte, especialmente de idosos e pessoas com doenças. Especialistas afirmam que, até o momento, o novo coronavírus se mostra mais contagioso e mais letal do que a gripe comum. No mundo, já são mais de 697 mil casos confirmados e 33 mil mortes, de acordo com a Organização Mundial da Saúde. O Brasil já registra 201 mortes e 5.717 casos. Ainda não há vacina ou remédio para curar o novo coronavírus.

MEDIDAS DE ISOLAMENTO

O que disse nesta terça-feira, 31: “As medidas protetivas devem ser implementadas de forma racional, responsável e coordenada.”

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

O que disse em 24/03: “Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento de comércio e o confinamento em massa."

O que dizem especialistas: De acordo com a Organização Mundial da Saúde e pesquisadores e infectologistas, o isolamento é uma estratégia válida para reduzir a velocidade com que a população adoece, permitindo que o sistema de saúde não fique sobrecarregado. Se as pessoas ficarem doentes mais rapidamente, os hospitais serão inundados e faltarão equipamentos para quem precisar. O isolamento também é defendido por Associação Brasileira de Ciência, Sociedade Brasileira de Infectologia e Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), além de entidades da sociedade civil, como Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta populares em Brasília durante pandemia do novo coronavírus. Foto: Marcos Pereira / Estadão

CLOROQUINA COMO REMÉDIO

O que disse nesta terça-feira, 31: “Ainda não existe vacina contra ele ou remédio com eficiência cientificamente comprovada, apesar da hidroxicloroquina parecer bastante eficaz.”

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O que disse em 24/03: “Enquanto estou falando, o mundo busca um tratamento para a doença. O FDA americano e o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, buscam a comprovação da eficácia da cloroquina no tratamento do Covid-19. Nosso governo tem recebido notícias positivas sobre este remédio fabricado no Brasil, largamente utilizado no combate à malária, lúpus e artrite.”

O que dizem especialistas: O tratamento do novo coronavírus com cloroquina está sendo estudado no Brasil por uma coalizão de três hospitais. Apesar de positivos, os resultados obtidos até agora não são suficientes para provar a eficácia do medicamento no tratamento da Covid-19, principalmente pelo baixo número de amostras. Por isso, especialistas alertam que ele não deve ser receitado a pacientes infectados.

QUANTIDADE DE MORTES

O que disse nesta terça-feira, 31: “O vírus é uma realidade. O coronavírus veio e um dia irá embora. Infelizmente teremos perda nesse caminho. Todos nós temos que evitar, ao máximo, qualquer perda de vida humana. Como disse o diretor-geral da OMS, todo indivíduo importa.”

O que disse em 27/03: Vai chegar, vai passar. Infelizmente algumas mortes terão, paciência, acontece, e vamos tocar o barco. As consequências, depois, dessas medidas equivocadas, vão ser muito mais danosas do que o próprio vírus. (em entrevista ao Datena).

O que dizem especialistas: Estudo do Imperial College de Londres publicado na última quinta-feira mostra que ao menos 44 mil brasileiros devem morrer em decorrência da covid-19, se o isolamento for ampliado com urgência. Se apenas os idosos ficarem sem sair de casa, o número de mortes sobe para mais de 529 mil. No País já foram registradas 201 mortes, segundo números atualizados nesta terça-feira, 31.

Jair Bolsonaro, presidente da República Foto: Isac Nobrega/PR

COLABORAÇÃO COM ESTADOS

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O que disse nesta terça-feira, 31: “Agradeço e reafirmo a importância da colaboração e a necessária união de todos num grande pacto pela preservação da vida e dos empregos: parlamento, judiciário, governadores, prefeitos e sociedade.”

O que disse em 25 de março: “Alguns poucos governadores estão fazendo uma demagogia barata em cima disso. Para esconder outros problemas se colocam junto à mídia como salvadores da pátria, como o messias que vai salvar os seus Estados e o Brasil do caos. Fazem política o tempo todo."

O que dizem os governadores: Em carta ao presidente Jair Bolsonaro, governadores de 24 Estados brasileiros pediram união de forças no combate à crise do novo coronavírus. No texto, eles afirmam considerar "essencial" a liderança do mandatário e sua parceria com os executivos estaduais, prefeitos e chefes dos demais poderes. O governador de São Paulo, João Doria, afirmou em entrevista coletiva que o Brasil não tinha uma liderança capaz de orientar o País durante a pandemia.

OMS

O que disse nesta terça-feira, 31: “O Sr. Tedros Adhanom, diretor geral da OMS, disse saber que muitas pessoas, de fato, têm que trabalhar todos os dias para ganhar seu pão diário e que os governos têm que levar essa população em conta. Continua ainda: “se fecharmos ou limitarmos movimentações, o que acontecerá com essas pessoas que têm que trabalhar todos os dias e que tem que ganhar o pão de cada dia todos os dias?” Ele prossegue: “então cada país, baseado em sua situação, deveria responder a essa questão.”

O que dizem Tedros e a OMS: O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, fez, na segunda-feira, 30, um alerta para os impactos econômicos do distanciamento social. Mas isso não significa que a OMS tenha deixado de apoiar o isolamento como estratégia contra o novo coronavírus. “Os governos devem ter em conta esta população; se estamos fechando ou se estamos limitando a movimentação, o que vai acontecer às pessoas que têm de trabalhar diariamente e têm de ganhar o pão de cada dia?”, disse Tedros. Nesta terça-feira, 31, ele esclareceu, em sua conta de Twitter, que não quis dizer que os países deveriam deixar de impor o distanciamento social. “Peço que os países desenvolvam políticas públicas para garantir proteção econômica àqueles que não podem ganhar dinheiro ou trabalhar em meio à pandemia.”

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