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Uma Virada Política para tentar trazer os jovens de volta à política

Evento com financiamento coletivo e programação de oficinas, palestras e intervenções artísticas propõe mais diálogo e menos disputa nas relações da democracia

Por Iuri Pitta e Humberto Abdo
Atualização:
Pedro Kelson, Ricardo Borges Martins, Rafael Maretti e Marcella Manes, organizadores da Virada Política 2015 Foto: Alex Silva/Estadão

O que você vai fazer no próximo sábado? Esses jovens da foto acima vão passar metade do dia discutindo política na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo. Partindo de uma premissa tão simples que volta e meia é esquecida, eles vão promover um evento para reunir pessoas e conversar sobre temas como democracia, participação social e representatividade, entre outros. A proposta da Virada Política é juntar mais de 40 entidades civis, das mais variadas origens e áreas de atuação, para compartilhar um ponto em comum: dialogar mais e disputar menos.

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“Queremos encontrar uma via de escape construtiva, e não destrutiva da política. Estamos vendo um ponto tal de impasse que ou se quebra tudo, ou se constrói junto, e é nessa última via que acreditamos”, definiu Pedro Kelson, de 27 anos, coordenador de projetos educacionais da ONG Palas Athena e um dos dez jovens que estão à frente da organização da Virada Política. “Não temos muita pretensão além do evento em si, mas o propósito é mostrar para mais gente que há uma nova política acontecendo fora das instituições, que é possível ter participação e influência política de várias outras maneiras”, complementa o cientista social Ricardo Borges Martins, de 28 anos, diretor executivo do Bom Senso FC e também à frente da Virada.

Pedro e Ricardo representam mais do que duas entidades que, há mais ou menos tempo, têm atuação em discussões sobre políticas públicas. O recente Bom Senso conseguiu trazer aos debates futebolísticos temas que vão além do impedimento bem ou mal marcado por um juiz, como a responsabilidade dos dirigentes esportivos e as relações entre clubes, e atletas e demais profissionais. A Palas Athena promove há 43 anos projetos nas áreas de educação, saúde, meio ambiente e direitos humanos, além de oferecer cursos e livros sobre temas pedagógicos. Se parece não haver pontos em comum entre elas, por que não reuni-las pelo menos um dia e compartilhar experiências e dificuldades, apontar caminhos para que outros façam o que cada um, a seu modo, já fez?

“Tem muito disso, jogar luz em iniciativas que nem nossos pais e amigos conhecem, mas estão acontecendo por aí e podem descobrir muita coisa em comum”, disse Ricardo. Além do Bom Senso, ele atua no movimento Eu Sou Distrital, que prega a adoção do sistema distrital puro nas eleições para deputados e vereadores e tem obtido apoio de parlamentares e agentes públicos que defendem a mesma causa. “Ninguém aqui atua de forma utópica, ninguém acredita que se faz política sem as instituições. Mas queremos mostrar que essas mesmas instituições já não podem mais atuar sem as iniciativas da sociedade”, afirmou a advogada Marcella Manes, de 28 anos, que atua na Base Colaborativa, espaço que justamente trabalha para conectar projetos e organizações de ação pública.

Uma dessas iniciativas tem o sugestivo nome de Fast Food da Política. Financiado via internet, o projeto de Júlia Carvalho e parceiros consiste em uma série de jogos que ajudam a ensinar as regras do sistema político brasileiro “na mesma velocidade com que você comeria um hambúrguer”. “Eles foram desenhados para durar de 5 a 10 minutos por partida e abordam práticas políticas como os três poderes, orçamento e siglas de impostos”, resumiu Júlia. O grupo trabalha em conjunto com o LabHacker, centro cultural que conta com uma equipe interessada em renovar aspectos da política, tecnologia e educação.

Com os R$ 17 mil acumulados por meio do financiamento coletivo, o plano é continuar aplicando a dinâmica dos jogos em eventos e desenvolver outros sem cobrar por direitos autorais. “Uma das ideias é oferecer nosso material em formatos que qualquer pessoa possa reproduzir, editar ou disseminar por conta própria”, explicou. “Optamos por jogos presenciais porque eles geram situações de debate e questionamento.”

Pós-2013. A primeira Virada Política foi realizada no calor das eleições de 2014, no Largo da Batata, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. A semente que uniu essa turma havia sido plantada dois anos antes quando, nas eleições municipais de 2012, um grupo de amigos se juntou para varrer o entorno de seções eleitorais onde candidatos ou personalidades iriam votar. Ricardo fazia parte desse grupo. A iniciativa teve destaque na mídia eletrônica, e os jovens quiseram fazer mais. Cada um contou as experiências de sua atuação em organizações que, de uma forma ou outra, procuravam influir em políticas públicas, promover causas com menor atenção das instituições e defender desde questões ambientais como até um tema específico da reforma política. Vieram 2013, os protestos do Movimento Passe Livre e… 

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“Tudo parecia fazer muito sentido na hora, mas depois isso se diluiu, não estava tão claro por que todos foram às ruas”, avaliou Marcella, que participou do maior dos protestos de junho daquele ano. “Política é uma ação da sociedade, e o que precisamos é estimular isso, mostrar que tem muita gente fazendo isso”, disse o empreendedor social Rafael Maretti.

Em 2014, Virada Política foi realizada no Largo da Batata Foto: Virada Política

Para colocar a Virada Política de pé em 2015, os organizadores reuniram mais de 40 organizações, que vão se revezar em palestras, mesas de debates e intervenções artísticas em uma vilinha na Vila Madalena, em São Paulo. Devem circular por lá simultaneamente de 200 a 300 pessoas, das 10h30 às 22h. Entre um debate e outro sobre temas como uso medicinal da maconha, a utilização de big data para mapeamento de políticas públicas ou advocacy - termo ainda sem tradução literal que pode ser simplificado para “lobby do bem” -, imigrantes sírios, haitianos e colombianos vão preparar pratos típicos para os participantes.

Sem laços diretos com partidos ou empresas, a organização do evento recorreu ao crowdfunding para custear gastos como aluguel de mesas e cadeiras, equipamentos de som, projetor e telão, entre outros. Todas as despesas estão explicadas num site, afinal, em uma iniciativa como essa, transparência é fundamental. Com essa dinâmica que tão bem retrata as possibilidades de um mundo mais conectado, os dez jovens da organização e os outros tantos que participarem da Virada Política vão espalhar uma constatação que virou slogan: “a política é importante demais para ser deixada apenas na mão dos políticos”.

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