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Um vice loquaz

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Por José Roberto de Toledo
Atualização:

Michel Temer é gênio. Ao menos na arte de converter ar, vibrações vocais e um ocasional perdigoto em manchetes. Desde que as verbas públicas para fazer varejão político acabaram, o vice-presidente dedica-se ao que todo vice faz e que ele, pomposamente, chamou de macropolítica. A atividade é complexa. Consiste basicamente em falar e, nos seus momentos desafiadores, ouvir. Despojado de caneta, o vice não decide nada, não manda em ninguém, mas declara uma barbaridade - no bom sentido gaúcho. Para uma presidente emudecida pelas panelas e - reclamam os aliados - surda aos apelos de quem diz querer ajudar, é um contraste e tanto. O vice loquaz e a presidente muda. Desde que o fantasma do impeachment passou a assombrar o Palácio do Planalto, Temer produziu muito mais frases noticiosas, bem ao gosto do jornalismo declaratório, do que Dilma Rousseff. Fora uma mandioca presidencial ou outra, o vice peemedebista goleia. Em janeiro, Temer chamou Eduardo Cunha de “nosso candidato” a presidente da Câmara - o do governo era outro. Em março, chamou de legítimas as manifestações contra Dilma. Em julho, antecipou que o PMDB lançaria candidato à sucessão presidencial em 2018. E, em agosto, pareceu candidatar-se: “É preciso que alguém tenha capacidade de reunificar a todos, de unir a todos, de fazer esse apelo, e eu estou tomando essa liberdade de fazer este pedido”. Na quinta, enquanto Dilma mobilizava meia Brasília para tentar segurar o ministro Joaquim Levy na Fazenda, Temer voltou às redes em São Paulo. Marcou outro gol em entrevista à presidente da Associação dos Lojistas dos Jardins, Rosangela Lyra. A hostess especializou-se em organizar via WhatsApp o que chama de “pocket actions” do seu “Acorda, Brasil”: micro manifestações em que senhoras de seu círculo social rimam slogans como “1, 2, 3, Dilma no xadrez” ou “Lula cachaceiro, devolve o meu dinheiro”.  O sucesso das “actions” de Lyra se mede pelo “pocket”. O que falta em multidão, sobra em PIB per capita. A ex-diretora da Dior no Brasil, tornada famosa como ex-sogra do futebolista Kaká, costuma desfilar suas performances para uma coleção de empresários no auditório do consultório do marido dentista. Ela entrevistou ali um Senado de fãs de Dilma: dos tucanos Alvaro Dias, José Serra e Aloysio Nunes Ferreira ao DEM Ronaldo Caiado. Foi nesse cenário e para esse público que Temer topou exercitar mais uma vez sua retórica. Afinal, “a hora é de diálogo, de ouvir, reunificar a sociedade” - diz ele, na propaganda do PMDB. Com desembaraço de procurador-geral de Justiça, segurança de chefe de polícia e discrição de maçom, soltou a frase que ganharia manchete: “Se continuar assim, vou dizer a você, com 7%, 8% de popularidade, fica difícil passar três anos e meio”. Não há como não dar razão ao vice. Fácil é que não é. José Sarney, o presidente civil recordista na modalidade, passou três anos se afundando em taxas de impopularidade à la Dilma. Foi difícil, mas nem por isso o vice que chegou lá resolveu voltar mais cedo para o Maranhão. Ao contrário, Sarney fez que fez na Assembleia Constituinte e aprovou cinco anos de mandato para si mesmo. Fez tanto que levou os votos até de Temer e Aécio Neves. Após a votação, em junho de 1988, o então ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, profetizou: “Cinco anos dará mais tempo para que Sarney execute seu plano econômico e entregue a economia em ordem ao seu sucessor”. Entregou com 82% de inflação ao mês. Quem fala muito está sempre a uma palavra de falar demais. Numa definição tipo Romário, o momento poeta de Temer na quinta-feira foi depois que a entrevista acabou, quando o vice já caminhava para a porta. Abordado por uma mulher com câmera, ouviu dela que “não seria oportunismo se apoiasse o impeachment”. Riu e calou.

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