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Um futuro possível

Por Eugênio Bucci
Atualização:

A torcida para que o Partido dos Trabalhadores desapareça pesa como um soterramento sobre o pouco que resta de militância sincera na sigla criada em 1980. A legenda PT virou um sinônimo de roubalheira, posto semântico que já foi ocupado pelo verbo “malufar”. Xingar petistas por aí – em restaurantes caros, de preferência – ganha ares de esporte nacional. Odiar o PT equivaleria a amar o Brasil. Na histórica, folclórica, inacreditável e carnavalesca sessão dominical da Câmara dos Deputados, em 17 de abril, um deputado que votou pelo impeachment resumiu o espírito do tempo: “PT: perca total”. Sim, ele disse “perca”. A fúria bestial e endinheirada deseja ardentemente a morte da estrela vermelha. Se o desejo for atendido pelos astros insondáveis que regem a política, terá sido uma tragédia. O PT foi o partido mais autêntico da história do Brasil. Teve programa, teve militância de massa, juventude, teve identidade de classe, vigor transformador. O PT deu a cara – uma cara boa – da redemocratização brasileira. Sua impressão digital está em muitas instituições que hoje funcionam bem. Prestou enormes serviços ao País. E então pôs tudo a perder. Ou quase tudo. Seus quadros dirigentes trançaram pernas com o capital que trançava pernas com os favores do Estado. Os sonhos originais se degradaram numa promiscuidade impensável. A militância sincera, hoje residual, em vez de se levantar contra tamanha traição, preferiu ficar achando culpados externos em teorias conspiratórias infantis. Não fez a crítica dos seus próprios corruptos, supondo que eles fossem melhores que os corruptos dos outros. Por isso, não foi capaz de elaborar e implementar políticas que pudessem salvar a estrela de seu inferno imundo. Agora, essa militância ainda se refugia no delírio de que toda a tragédia foi produzida pelo “golpismo” (do PMDB, da imprensa e do Delcídio Amaral), não vê saída ao alcance dos próprios pés. Perdeu-se de sua condição de sujeito histórico. E a torcida (do contra) solta confetes. A despeito de tudo isso, pode haver um futuro para o PT. Será muito bom para o País que o PT sobreviva e readquira sua autenticidade. O futuro, porém, é traiçoeiro. Ele depende da coragem da militância sincera em admitir publicamente os erros, afastar os dirigentes traidores e mudar o partido. Os sonhos do princípio precisam ajustar contas com os interesses obscuros do presente. E vencê-los. Sem isso, a fúria bestial e endinheirada vai triunfar. Sem isso, os traidores terão dado a última palavra.* JORNALISTA E PROFESSOR DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES DA USP

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