Um almoço para devolver dinheiro

Embaixador promoveu encontro em sua casa, na Argélia, no fim de 1970

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Por Redação
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Para devolver à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) cerca de US$ 1 milhão proveniente do "roubo do cofre do Adhemar" que recebera, o embaixador Hafid Keramane promoveu um almoço em sua própria casa na Argélia no fim de 1970, conta Maria do Carmo Brito. Do encontro, participou Ângelo Pezzutti, a quem o controle do dinheiro depositado na Suíça foi passado, além da socióloga e da mulher do diplomata. Segundo ela, Keramane já trazia a garantia de Miguel Arraes de que poderia devolver a quantia. O governador, porém, não participou da reunião, nem fez uso da quantia, pelo menos até onde teve conhecimento, afirma a ex-militante. Ela reconhece não saber algumas coisas propositalmente, como o nome do banco e o número da conta secreta. "Não mexi com isso. Sei que era uma conta em um banco na Suíça, mas não sei (destaca as letras) N-A-D-A mais. Queria me livrar completamente de qualquer coisa relacionada com isso. Estava marcada, foi um troço de maluco, queria distância do assunto", diz ela, referindo-se às torturas e ameaças que sofreu na Operação Bandeirantes . "Cada um queria pegar o seu", diz, lembrando os agentes que a torturavam e perguntavam repetidamente pelo dinheiro do cofre. No almoço, Keramane, além dos documentos de identidade de Maria do Carmo e de seu primeiro marido, Juares Guimarães de Brito, que se matara, deu à convidada de presente um pequeno colar. A socióloga saiu do Brasil em 15 de junho de 1970 como um dos 40 presos políticos trocados pelo embaixador alemão ocidental, Enfried Von Holleben, sequestrado quatro dias antes pelo autodenominado Comando Juares de Brito, formado pela VPR e pela Ação Libertadora Nacional (ALN). Assumiu a missão de recuperar o dinheiro. "Você não acha interessante que os companheiros tenham escolhido a Argélia (como país de asilo para os presos trocados)?", pergunta. Diferentemente de boa parte dos ex-presos, que fora para Cuba, ela permaneceu na Argélia, por meses, esperando. Um dia, Keramane fez contato. "Foi ele que me achou", recorda. "A gente era público. Quando minha mãe chegou à França, procurou a embaixada da Argélia e perguntou por ?les quarante?, os quarenta. E pronto, deu tudo certo. Ela nem sabia falar francês, mas bastava ?les quarante?." Depois de cumprir a missão de recuperar o dinheiro do cofre e se livrar dele, Maria do Carmo passou pelo Chile, Panamá, Bélgica, Portugal e Angola antes de voltar ao Brasil, em 1979. Durante o exílio, desistiu da ideia de voltar para o Brasil, clandestinamente, para retomar o enfrentamento com a ditadura. "Um belo dia, resolvi viver", resume.

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