''''Tribunal fez valer fundamentos da República''''

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Por Gabriel Manzano Filho
Atualização:

As recentes decisões do Supremo Tribunal Federal melhoraram o ânimo de um dos mais céticos observadores da política brasileira, o sociólogo Francisco de Oliveira. "O tribunal não se furtou a fazer valer as leis e os fundamentos da República", afirmou ele, ao avaliar o enquadramento dos principais líderes do mensalão em crimes de corrupção ativa e formação de quadrilha, entre outros. Considerando "auspiciosas" essas medidas, ele aplaude os ministros do STF por não terem temido entrar no terreno político ao definir suas sentenças. "Isso é importante para a cultura política, é coisa que raramente se vê", comenta o professor, que já foi petista, depois apoiou a fundação do PSOL e hoje é um crítico impaciente do governo Lula. Nesta entrevista ao Estado, ele ironiza os governistas e seus apoiadores, que ainda duvidam da existência do mensalão - que, em sua opinião, "é de uma evidência solar".  Ouça trechos da entrevista O sr. se surpreendeu com as decisões do Supremo? Vejo como auspiciosas essas novidades, eu que normalmente sou cético em relação a essas coisas. Não é que me regozije porque alguém foi denunciado - ainda que não me furte a juízos morais sobre algumas figuras. Mas acho que é muito bom para a República. Mas lamento que ao mesmo tempo, ali do lado, na mesma Praça dos Três Poderes, o Senado esteja dando um espetáculo vergonhoso. Aqueles homens deviam olhar para o prédio em frente, que é o do STF, e aprender a lição. Talvez devessem pensar em algo do tipo "eles somos nós amanhã". É sinal de algo novo na política? É uma boa coisa o Supremo ter entrado no terreno político. O tribunal não se furtou a fazer valer as leis e os fundamentos da República. Isso é que é importante na cultura política brasileira, é coisa que raramente se vê. Depois das denúncias vai caber toda defesa possível, é próprio da democracia. Mas para as instituições e a cultura política brasileira, essa cultura do jeitinho, do favor, a ação do tribunal é um fato auspicioso. O sr. imaginava que o Supremo iria aceitar as denúncias? Não, não imaginava. Quase por profissão, sou pessimista. E além disso, a história recente - e até a mais remota - não dava muitas esperanças a respeito. Mas o que acho significativo nessa postura do Supremo e ele ter apenas avisou de que não estão acima das leis. Se um pé-rapado pode ser processado a partir de indícios, por que os figurões estariam acima disso, acima de qualquer suspeita? O episódio me traz à memória o filme do Gian Maria Volonté, Um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita. O que o Supremo fez foi isso, mostrou que aqueles cidadãos não estão acima da lei. A partir disso a política brasileira pode mudar, fortalecendo os valores republicanos? É a linha que o País está precisando. Não sou otimista a ponto de dizer que a política está mudando. Mas as decisões do STF vão numa linha de revitalização da igualdade entre os cidadãos. É animador, mesmo para um pessimista como eu. O sr. acredita que o mensalão existiu? Sem dúvida nenhuma. Isso é de uma evidência solar. Não que fosse uma coisa regular, com alguém todo mês indo buscar certa quantia, e tal. Mensalão foi o termo que o Roberto Jefferson criou. Mas que houve negócios escusos entre os partidos e dentro dos deles, com figuras importantes da política, isso é de uma evidência solar. Como dizia o Evangelho, o pior cego é aquele que não quer ver. E para que eles teriam organizado esse esquema? O mais perturbador não é saber quais objetivos eles tinham. O mais perturbador é que a política transformou-se nisso. Parece que não sai mais do pantanal. Mas, como dizia meu velho mestre Inácio Rangel, o problema não é que a corrupção exista. Ela é uma espécie de tempero do capitalismo. O problema é quando o tempero se converte no prato principal. Esse episódio acaba atingindo o governo ou o lulismo terá vida longa? O lulismo tem uma vida mais ou menos longa. Ele se beneficia do fato de que a cultura brasileira privilegia o favor. Na maior parte dos casos a ajuda que o governo dá não é entendida como um direito, mas como um favor. A situação econômica do País, que parece protegido da crise financeira, reduz o impacto dos escândalos como o mensalão? Protegido? Ora, o governo não está fazendo nada, nada contra a crise. O ministro da Fazenda, que é um homem honrado, diz que não seremos atingidos porque o País dispõe de US$ 160 bilhões. Isso foi o que os bancos centrais americanos, japoneses e europeus jogaram em três ou quatro dias para conter essa crise. Foi um balde d?água no incêndio, não tem solidez nenhuma. E, pelo que os jornais vêm noticiando, o Brasil foi o que mais perdeu dinheiro nessa crise. Se depender disso... Quem é: Francisco de Oliveira Sociólogo, professor titular do Departamento de Sociologia da USP Trabalha em pesquisas no Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic) Filiou-se ao PT nos anos 80 e, em 2004, apoiou a fundação do PSOL Lançou Era da Indeterminação recentemente

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