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Tirar poder de governadores sobre polícias é ‘retrocesso inaceitável’, diz Celso de Mello

Para ministro aposentado, há conflito com princípio federativo; magistrados também encaram projetos de reorganização das forças policiais com preocupação

Por Rafael Moraes Moura
Atualização:

BRASÍLIA - O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello disse ao Estadão que os projetos de lei que tiram poder de governadores sobre polícias são um "retrocesso inaceitável". Uma das vozes mais contundentes do cenário nacional em defesa da Constituição e das liberdades individuais, o ex-decano do Supremo abriu mão do silêncio que marca sua postura desde a aposentadoria, em outubro do ano passado, para criticar a proposta que prevê mandato de dois anos para os comandantes-gerais e delegados-gerais e impõe condições para que eles sejam exonerados antes do prazo.

"A padronização nacional dos organismos policiais estaduais, com expressiva redução do poder e competência dos Estados-membros, se implementada, traduzirá um ato de inaceitável transgressão ao princípio federativo", disse Celso de Mello à reportagem. "Não se pode ignorar que a autonomia dos Estados-membros representa, em nosso sistema constitucional, uma das pedras angulares do modelo institucional da Federação. Qualquer proposição legislativa que tenda à centralização em torno da União Federal, com a consequente minimização da autonomia estadual, significará um retrocesso inaceitável em termos de organização federativa."

Decano durante sessão da Segunda Turma da Corte, em 2019. Foto: Dida Sampaio/Estadão

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Como revelou o Estadão, o novo modelo é defendido por aliados do Palácio do Planalto no momento em que o presidente Jair Bolsonaro endurece o discurso da segurança pública para alavancar sua popularidade na segunda metade do mandato. A medida provocou a reação de gestores estaduais, que já se mobilizam contra a iniciativa. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), acusou Bolsonaro de querer "intimidar governadores através de força policial militar".

Celso de Mello destacou que, em dezembro de 1831, o então presidente da província de São Paulo, Rafael Tobias de Aguiar, sancionou projeto que criou, em São Paulo, o Corpo de Guardas Municipais, núcleo embrionário da atual Polícia Militar estadual.  "Dificilmente, o fundador da Polícia Militar do Estado de São Paulo chancelaria uma proposta claramente centralizadora e detrimentosa dos poderes e competência das unidades locais, pois foi ele, Tobias de Aguiar, quem, ao lado do Padre Feijó, insurgiu-se, na histórica Revolução Liberal de 1842, contra a concentração de poderes na esfera do governo central imperial", acrescentou o magistrado.

Repercussão

Também crítico às propostas, o atual decano do STF, Marco Aurélio Mello, afirmou que os projetos pecam pela "falta de razoabilidade e conflitam com a Constituição Federal". "Contrariam o princípio federativo, mais ainda se houver concentraçãodo poder de acionamento. A Polícia Civil é investigativa e a Militar, repressiva", disse Marco Aurélio, que deixará o tribunal em julho, ao completar 75 anos.

Segundo o Estadão apurou, os projetos causam apreensão entre integrantes da Corte, que já discutem reservadamente o tema entre si, ainda que não tenham conhecimento integral dos textos.

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Um ministro do STF, que pediu para não ser identificado, concorda com Celso de Mello, considera a proposta ruim e avalia que a medida, caso seja aprovada, pode tornar os governadores “reféns” das polícias.

Uma das preocupações é com o timing em que as discussões estão vindo à tona, pouco depois que extremistas apoiadores do presidente dos EUA, Donald Trump, invadiram o Capitólio, em um ato que resultou em cinco mortes em Washington D.C.

Na semana passada, Bolsonaro disse que "se nós não tivermos o voto impresso em 2022, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos". Integrantes do Supremo apontam que a influência de Bolsonaro sobre as polícias é infinitamente maior que a de Trump sobre a força policial nos EUA.