
26 de janeiro de 2015 | 02h02
Enchente com falta d'água, calor excessivo com falta de energia, recessão com inflação, crescimento do desemprego com diminuição dos benefícios a desempregados - tudo ao mesmo tempo. Agora? Ou daqui a pouco, mas muito provavelmente antes da eleição de 2016.
Quem a tempestade vai pegar? Todo mundo que poderia ter feito algo e não fez. A questão é que sempre que um fenômeno como esse acontece, uns soçobram antes de outros. E estar entre os outros é no que cada um aposta: o prefeito torce que vai ser pior para a imagem do governador, que sonha com a impopularidade da presidente, que chamará mais e mais ministros de "meu querido".
Num mundo ideal, em vez de cálculos políticos de quem vai se afogar antes, nossos representantes estariam dizendo juntos à população que é obrigatório economizar água e gastar menos energia - e que, mesmo assim, não há garantia de que não haverá racionamento de uma coisa ou de outra. Mas acreditar nessa hipótese é tão realista quanto esperar que o ministro da Ciência aceite as evidências científicas do aquecimento global.
Em junho de 2013, Dilma Rousseff matou os protestos no peito. Convocou cadeia de rádio e TV para explicar o inexplicável e virou o para-raios da crise - para alegria dos marqueteiros da oposição. Sua popularidade sumiu numa avalanche e ela quase não se reelegeu. Desta vez, seu silêncio parece crer que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Mas a chance existe, pois o raio busca sempre o ponto mais alto. Daí tanto político de joelhos.
Sabe-se que podemos contar com duas coisas: fenômenos climáticos cada vez mais intensos, potencialmente trágicos, e a trágica ausência de lideranças para liderar nesses momentos de crise.
Pesquisa divulgada nesta segunda-feira pela respeitada publicação científica Nature Climate Change revela que o risco de uma La Niña radical pode dobrar por causa do aquecimento global. Isso significa mais secas ou enchentes, dependendo da região, além de uma temporada de furacões especialmente danosos.
A pesquisa da Universidade de Exeter alerta ainda que há 70% de chance de uma La Niña radical suceder a um El Niño igualmente devastador. Ou seja, a estiagem de um ano tende a ser precedida ou sucedida por uma grande enchente. O clima deve oscilar de um extremo a outro com muito mais frequência. Nesse cenário, tudo que é média ou médio - da estatística ao político - perde valor.
Reservatórios, tubulações, redes de transmissão e usinas projetados para atender a demandas e situações médias tendem a sucumbir durante situações extremas. Não dão vazão à enxurrada ou não aguentam a falta prolongada de chuvas. É o que já estamos assistindo com os blecautes e cortes no fornecimento de água.
Se a seca persistir pelos próximos dois meses - e as chances de isso acontecer, segundo o Inpe, são de meio a meio -, o cenário político vai ser radicalmente mudado pelo cenário climático. E a palavra-chave nessa frase é radicalmente. Quanto mais radical for o clima, mais radical tenderá a ser a mudança.
Se confirmado esse cenário extremo, mais do mesmo não vai dar em nada. Não só as oposições tradicionais terão oportunidade de virar situação. Para além da polarização PT-PSDB, fenômenos eleitorais tenderão a aparecer de repente. Dessa vez, com mais persistência e durabilidade do que os fenômenos "chuva de verão" das eleições passadas. Na terceira vez pode dar a terceira via.
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