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TCU aponta ‘possíveis impropriedades’ em compra da Covaxin

Análise feita por auditores da Corte de Contas indica três pontos suspeitos, inclusive a falta de negociação de preços; relatório deve ser avaliado por ministros

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Por Julia Affonso
Atualização:

BRASÍLIA – Auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) encontraram suspeitas de irregularidades envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin pelo governo de Jair Bolsonaro. Relatório produzido pela área técnica da Corte de Contas apontou “possíveis impropriedades” no processo de contratação de 20 milhões de doses do imunizante a R$ 1,6 bilhão. 

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O Ministério Público Federal e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado também investigam o negócio. O Ministério da Saúde ainda não pagou pelas doses, mas o valor do contrato já foi empenhado. 

A análise feita pelos técnicos indicou três pontos que deverão ser avaliados pelos ministros do tribunal: 1) Não houve qualquer tentativa de negociação do preço proposto pela empresa, de US$ 15 a dose, o mais alto entre as seis vacinas adquiridas pelo governo brasileiro até agora; 2) A falta de documentos que demonstram a busca por eventuais preços internacionais da vacina, para saber se o Brasil pagaria mais caro que outros países; 3) Uma avaliação, por parte do Ministério da Saúde, dos riscos de o contrato não ser cumprido pela contratada. 

Fachada do prédio que abriga a Precisa Medicamentos, em Barueri, alvo da CPI da Covid por ter intermediado a compra da vacina indiana Covaxin pelo governo Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

A área técnica do TCU registra que, embora haja “necessidade de atuação proativa e eficiente” do Ministério da Saúde na compra por vacinas contra a covid-19, a atuação “não pode ser feita com prejuízo da segurança, qualidade e risco/benefício da vacina a ser adquirida, o que só pode ser garantido mediante autorização do órgão técnico competente, no caso a Anvisa”. 

O relatório traz conclusões prévias da análise feito pela Corte de Contas, feitas no mês de março, após a assinatura do contrato entre a Precisa Medicamentos, representante no Brasil do laboratório indiano Bharat Biothec, e o Ministério da Saúde, no dia 25 de fevereiro. O processo que avalia as suspeitas ainda será avaliado pelo plenário do TCU, o que não tem data para acontecer. Em audiência na quarta-feira, 23, o ministro Bruno Dantas afirmou que “as questões nebulosas que cercam esse contrato precisam ser esclarecidas”. 

Segundo os auditores do TCU, o próprio ministério reconheceu, em documentos internos, a necessidade de tentar negociar o valor que seria pago. Em 17 de fevereiro, o Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis (DEIDT) citou em nota técnica que “o valor apresentado pela empresa foi de US$ 15,00 por dose”. O setor sugeriu, no entanto, ao Departamento de Logística (DLOG) da pasta que avaliasse “a possibilidade de realização de negociação com o fornecedor, a fim de apurar melhores preços”. 

“Não consta dos autos do processo administrativo nenhum documento que evidencie qualquer tentativa de negociação do preço proposto pela empresa, ou busca por eventuais preços internacionais da vacina, em eventuais vendas para outros países”, aponta o TCU. 

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Em outro parecer, desta vez, em 24 de fevereiro, a Advocacia-Geral da União afirmou que “não observou a estimativa de preços” prevista em lei e “nem mesmo a justificativa para a sua dispensa excepcional”. O órgão informou, então, que era necessário que a “autoridade competente” juntasse uma manifestação para dispensar a pesquisa de preços, o que também não ocorreu. 

A CRONOLOGIA DA COVAXIN

Contratação da vacina indiana pelo governo brasileiro está sob suspeita

31 de agosto de 2020 Em uma espécie de "pesquisa de mercado", o embaixador do Brasil na Índia relata ao Ministério das Relações Exteriores que há cinco iniciativas de vacina no país asiático. No comunicado, a embaixada informa estimativas de preços por dose de cada fabricante. A da Astrazeneca seria de US$ 3 e a da Covaxin, US$ 1,34.

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20 de novembro de 2020 Representantes da Precisa Medicamentos procuram o Ministério da Saúde para discutir um possível negócio envolvendo a vacina indiana.

3 de janeiro de 2021 Embaixada do Brasil na Índia registra que a autoridade sanitária do país aprovou o uso emergencial das vacinas da AstraZeneca, produzida no laboratório do Instituto Serum, e da Covaxin, da Bharat Biotech. Relata que a imprensa local "celebrou o iminente processo de vacinação, mas levantou dúvidas com relação à aprovação sem dados finais de eficácia das duas vacinas". Afirma que um interlocutor da Bharat Biotech não precisou data para o fim da fase de testes clínicos e disse que uma dose da Covaxin custará "menos do que uma garrafa de água". 

8 de janeiro de 2021 O presidente Jair Bolsonaro escreve ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, e afirma que a Covaxin e a Astrazeneca farão parte do Programa Nacional de Imunização do País.

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12 de janeiro de 2021 Bharat Biotech anuncia que firmou parceria com a Precisa Medicamentos para exportação da Covaxin para o Brasil.

15 de janeiro de 2021 Embaixador do Brasil na Índia relata que especialistas em saúde têm criticado o alto preço que o governo informou ter pago por cada dose da vacina (US$ 2,70 pela da Astrazeneca e US$ 4,10 pela Covaxin).

18 de janeiro de 2020 Ministério da Saúde envia ofício à Precisa Medicamentos informando querer dar início a tratativas comerciais para aquisição de lotes do imunizante.

29 de janeiro de 2021 O então secretário executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco ordena que sejam concentradas nele todas as tratativas para negociações de imunizantes.

25 de fevereiro de 2020 Ministério da Saúde assina contrato para compra de 20 milhões de doses da Covaxin por R$ 1,6 bilhão (US$ 15 cada dose - R$ 80,70 na cotação da época).

31 de março de 2021 Anvisa não autoriza importação da vacina Covaxin. A negativa se dá após avaliação das informações técnicas disponíveis, principalmente relacionadas à realização de inspeção de Boas Práticas de Fabricação (BPF) na fabricante Bharat Biotech.

20 de abril de 2021  Bharat Biotech emite comunicado no qual informa que houve uma expansão da produção e que os preços das doses para o mercado internacional custarão entre US$ 15 e US$ 20.

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4 de junho de 2021 Anvisa autoriza importação emergencial de 4 milhões de doses sob algumas condições, como a apresentação de um plano de monitoramento de quem receber as vacinas.

9 de junho de 2021 Anvisa concede a Certificação de Boas Práticas de Fabricação para a Bharat Biotech, fabricante da Covaxin. O certificado é necessário para que a vacina obtenha o registro definitivo no Brasil, mas não para seu uso emergencial.

15 de junho de 2021 Bharat Biotech emite um comunicado no qual afirma que o processo de fabricação da vacina é complexo e informa que o valor cobrado do governo federal da Índia é de US$ 2. Diz que o preço não é competitivo nem sustentável no longo prazo. Afirma que o preço da vacina para o setor privado é significativamente mais alto do que para governos e grandes agências de compras por razões comerciais, variando de baixos volumes de aquisição, altos custos de distribuição e margens de varejo, dentre outros motivos. Hospitais privados na Índia compraram a US$ 16 por dose.

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