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''Tarso não tem competência para opinar''

Ministro rebate críticas à libertação de presos da Satiagraha, discorda de Lula e diz que última palavra é sempre do STF

Foto do author Fausto Macedo
Por Fausto Macedo , Roldão Arruda , Anne Warth e Guilherme Scarance
Atualização:

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, deu ontem novos sinais de que anda às turras com o ministro da Justiça, Tarso Genro, por causa das operações "espetaculosas" da Polícia Federal. "Ele não tem competência para opinar sobre o assunto", reagiu Mendes, ao ser indagado sobre críticas de Tarso. No sábado, o petista disse que os habeas corpus concedidos pelo chefe do Supremo aos acusados na Operação Satiagraha poderiam, eventualmente, possibilitar alguma fuga. Nas últimas semanas, os dois vêm trocando farpas sobre vazamento de dados, grampos e algemas. Apesar de garantir que "não há nenhum mal-estar" entre ele o titular da Justiça, Mendes foi duro. "Temos funções absolutamente diversas. Cabe ao Judiciário julgar. Não cabe ao ministro julgar", declarou. "Não é competência do ministro decidir em inquéritos e muito menos sobre prisão preventiva." Indagado sobre as críticas dos magistrados de primeira instância, por ter levado o juiz Fausto Martin de Sanctis ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro do STF rebateu: "A reação dos juízes partiu de um pressuposto equivocado. Fiz uma comunicação corriqueira ao CNJ." Por fim, ele assinalou que o STF deve ser respeitado pelas instâncias inferiores: "Ele acerta e erra por último." A seguir, a entrevista: O sr. se arrepende de ter concedido os habeas corpus? Não, eu tenho a impressão de que concedi com base na jurisprudência do Supremo e na própria Constituição. O habeas corpus é hoje, talvez, um tipo de garantia central no nosso sistema de proteção ou na nossa jurisdição de liberdade. E muitas vezes temos visto o monitoramento de advogados e já se fala até em monitoramento de advogados em contato com juízes, com ministros. Isso é extremamente grave. Precisamos ter cuidado com esse tipo de prática, com a policialização dessa relação, a criminalização dessa relação. E se o banqueiro Daniel Dantas fugir do País? A hipótese que se coloca sempre, em relação à fuga, é o juízo probabilístico. Se, eventualmente, o acusado deixa de comparecer às audiências indicadas, se dificulta, se cria pretextos para não comparecer aos atos da Justiça ou da polícia... O tribunal tem dito o seguinte: o eventual poder econômico não é causa suficiente para justificar prisão preventiva na hipótese de suposta evasão. Como o sr. avalia a questão do uso de algemas nas prisões? Não se trata de discutir se algema é abuso, mas de verificar se estão presentes os pressupostos de proporcionalidade para uso de algema. Estou convencido de que a algema, quando dispensável, especialmente quando é destinada a expor o indivíduo à humilhação, realmente é indevida. A Operação Satiagraha agiu dentro da legalidade? Eu não posso falar sobre isso. Só posso falar sobre os fatos que conheço e me manifestei. O ministro Tarso Genro diz que a PF é republicana. O sr. concorda? Todos nós devemos ser republicanos. Na Constituição, não há espaço para messianismo. Ele criticou o fato de os presos terem sido soltos. O que o sr. acha? Eu não tenho nenhum conhecimento da crítica do ministro Tarso a respeito. E também ele não tem competência para opinar sobre o assunto. Parece ter ficado claro um mal-estar entre o senhor e o ministro. Não há nenhum mal-estar entre mim e o ministro da Justiça. Até porque temos funções absolutamente diversas. Cabe ao Judiciário julgar. Não cabe ao ministro julgar. Tarso não fez uma crítica direta ao sr., mas elogiou o trabalho da PF. Ele pode fazê-lo como cidadão, mas não é competência do ministro da Justiça decidir em inquéritos e muito menos sobre prisão preventiva. O presidente Lula falou, no Vietnã, que quem não quiser cair na malha da PF tem de "andar na linha". Não me parece razoável me pronunciar sobre essa questão. Até porque atribui à PF um superpoder que ela não tem. Eu tenho a impressão de que a PF não tem essa missão na Constituição brasileira. Como o senhor encara a reação dos juízes da primeira instância às suas decisões? A reação dos juízes partiu de um pressuposto equivocado, de que eu mandara instaurar um procedimento judicial-adminstrativo contra o juiz (Fausto De Sanctis). Não foi nada disto. Eu fiz uma comunicação corriqueira ao CNJ, com o objetivo de que possamos, no CNJ e no Conselho da Justiça Federal, acompanhar esses casos, uma vez que estamos estudando medidas constritivas e a revisão dessas práticas. Essa discussão entre um juiz de primeira instância e o sr. tem aberto uma crise no Judiciário? Não tenho a impressão de que haja crise. Pode haver uma desinteligência, fruto talvez até de um déficit ou falta de comunicação. A rigor, o Judiciário está unido. Acredito e tenho ressaltado que a independência do Judiciário é a mais importante das garantias que temos no sistema. Mais importante até do que o catálogo de direitos fundamentais. O senhor mencionou, na concessão da segunda liminar a Daniel Dantas, que o juiz De Sanctis tem um histórico de contrariar decisão do Supremo. É uma observação talvez não muito técnica. Isso influenciou na libertação? A decisão baseou-se em parâmetros exclusivamente técnicos. A observação foi apenas por conta do episódio, por conta de algum registro na jurisprudência do Supremo. Acredito que essas querelas, essas escaramuças, são absolutamente normais. Procuradores estão elaborando uma minuta para pedir o impeachment do sr., em decorrência desse caso. Como recebe a notícia? Não tem cabimento. Compreendo que procuradores fiquem contrariados com o eventual resultado do seu trabalho ou com a frustração de algum resultado do seu trabalho, mas isso não justifica nenhuma medida. De resto, eu não tenho nenhum medo desse tipo de ameaça ou de retaliação. Toda essa polêmica prejudica a Justiça no Brasil? Não. Acho que na verdade ela vitaliza o debate e mostra as contradições sobre os entendimentos nos âmbitos diversos das cortes judiciais. Qual é o limite entre a preservação do direito individual e o direito à informação, quando há vazamento de dados sobre grandes esquemas de corrupção no País? Nesses casos não se justifica a divulgação? Eu não tenho condições de discutir nesse momento o problema da mídia, quando eventualmente tem acesso a uma informação e divulga. Falo da responsabilidade do agente público. O agente público, em geral, comete um crime quando divulga. É só isso que estamos discutindo. Não há direito de informação do agente público, que deve velar pelo sigilo até que haja possibilidade de eventual divulgação. Para encerrar, como avalia a atuação da Justiça paulista e da Polícia Federal na Operação Satiagraha? Sobre isso, eu já disse no despacho. Nós temos hoje no Supremo um número elevado de concessão de habeas corpus. É um índice bastante expressivo, se considerar que essas decisões passam, em geral, pelo Tribunal de Justiça, pelo STJ e depois chegam ao STF. Em alguns casos, temos um índice de 50% de concessão de habeas corpus, em razão de prisão preventiva, de denúncia eventualmente inepta. Isso fala por si só. Será que o STF está equivocado? Será que é a Justiça de primeiro grau? Nessas disputas em torno da operação, quem ganha e quem perde? Não há perdedores nem ganhadores. Temos uma estrutura definida no texto constitucional e cabe ao Supremo guardar e velar pela Constituição em última instância. Ele acerta e erra por último. Quem é: Gilmar Mendes É ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) desde junho de 2002, por indicação do ex-presidente Fernando Henrique Professor de Direito Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB); Mestre e doutor pela Universidade de Münster (Alemanha) Ex-advogado-geral da União, entre os anos de 2000 e 2002. É ex-procurador da República

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