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Supremo deve manter anistia para torturadores

Ao julgar extradição, Corte deverá contrariar procurador-geral e confirmar interpretação da lei que livrou agentes do Estado acusados

Por Roldão Arruda e Mariângela Gallucci
Atualização:

Brasília e São Paulo - A recente manifestação do novo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sobre a Lei da Anistia não deve mudar a posição do Supremo Tribunal Federal em relação ao tema. Já se sabe até que no julgamento do pedido de prisão preventiva e extradição do ex-policial argentino Manuel Alfredo Montenegro, a Corte deve confirmar a validade da lei e a interpretação de que beneficiou também agentes de Estado acusados de crimes contra os direitos humanos durante a ditadura militar (1964-1985).Dias atrás, ao se manifestar sobre a prisão preventiva do argentino, que seria o passo inicial para a sua extradição, atendendo a pedidos das autoridades do país vizinho, Janot fez referências enfáticas sobre a imprescritibilidade dos chamados crimes de lesa humanidade, como a tortura e morte de opositores políticos. Sua manifestação foi entendida, tanto no Ministério Público Federal como fora dele, em organizações de direitos humanos e comissões da verdade, como uma tentativa de reabertura do debate sobre a interpretação da lei.Em 2010, provocado por uma ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que questionava a anistia a militares e agentes policiais acusados de violarem direitos humanos, o STF afirmou que eles também foram beneficiados pela lei de 1979 e não podem ser responsabilizados penalmente por atos cometidos nos anos do regime militar.Em sua recente manifestação, Janot lembrou que a jurisprudência e as convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, que consideram imprescritíveis os crimes de lesa humanidade. Também afirmou que a decisão do STF não é definitiva, porque ainda não foram julgados os embargos de declaração da OAB.O Supremo deve manifestar sua discordância ao tratar do caso de Montenegro. Para a maior parte dos ministros da Corte, os crimes cometidos por militares e policiais a serviço do Estado na década de 1970 estão prescritos. Seus autores teriam sido beneficiados pela anistia.Extradições. O STF já autorizou extradições de outros três policiais argentinos e um uruguaio. Em todos os casos baseou-se no argumento de que estavam envolvidos em crimes de sequestro e desaparecimento forçado das vítimas. Pela jurisprudência da Corte, quando os corpos não são encontrados, o crime é considerado de caráter permanente. Isso significa que nunca prescreve.O STF tem sido extremamente cuidadoso com esse recorte, definido pelo plenário em 2009, no julgamento do pedido de extradição do major uruguaio Manuel Juan Cordeiro Piacentini para a Argentina.Acusado de ter participado da Operação Condor, operação de repressão política que não respeitava fronteiras, Piacentini era acusado de vários crimes contra os direitos humanos. O STF só autorizou a extradição, porém, sob a condição de que ele respondesse apenas pelo sequestro de uma criança de 10 anos, ainda desaparecida. O mesmo aconteceu com o ex-policial argentino César Alejandro Enciso. Acusado de crimes de tortura e sequestro durante a ditadura militar que vigorou em seu país de 1972 a 1979, ele só teve a extradição autorizada por seu envolvimento no caso de quatro militantes políticos desaparecidos até hoje.Em relação às acusações de crimes de tortura, os ministros afirmaram que, de acordo com a legislação brasileira, eles já foram prescritos. Há dois anos, os ministros a resultado semelhante ao julgar o pedido de extradição para a Argentina do militar Cláudio Vallejos, acusado de envolvimento com tortura, homicídio, sequestro qualificado e desaparecimento forçado de pessoas durante a ditadura. Os ministros autorizaram a extradição apenas em relação aos casos de sequestro e desaparecimento. Quanto aos crimes de tortura e homicídio, ocorridos há mais de 20 anos, estariam prescritos.Em mais de uma ocasião, em seus pronunciamentos em plenário, os ministros têm feito referências à Lei da Anistia em vigor no Brasil. A preocupação deles é evitar que as decisões sobre questões externas contradigam o que vigora no País.Voto vencido nesses julgamentos, o ministro Marco Aurélio tem negado os pedidos de extradição sob o argumento de que no Brasil o crime não poderia ser punido, pois teria sido perdoado pela Lei de Anistia. "Tivesse sido o crime praticado no Brasil haveria a possibilidade de persecução criminal? Respondi que diante da Lei da Anistia isso se mostrava impossível", afirmou o ministro, durante o julgamento de Cordeiro, em 2009. "A meu ver, o sistema ficou capenga", completou.Debate. O STF deve adotar a mesma regra no julgamento do pedido de prisão e extradição de Montenegro. Ele é acusado de crimes de privação ilegítima de liberdade e tortura durante a ditadura militar na Argentina.Foi na manifestação sobre esse caso que o procurador-geral da República falou da imprescritibilidade dos crimes de lesa-humanidade, reanimando o debate sobre a Lei da Anistia.Entre fatos que arrolou em defesa de sua tese, Janot lembrou o debate jurídico no caso de Klaus Barbie, dirigente nazista a serviço da Gestapo na ocupação da França. A tese dos defensores do criminoso, de que seus atos, cometidos quarenta anos estavam prescritos, não foi aceita pela corte suprema da França, por se tratar de crimes contra a humanidade.

 

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