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Sujeira, cadeado e até cobra esperam prefeitos

Sem lei que regulamente troca de comando nos municípios, eleitos tomam posse em cenários de pouca civilidade

Por Silvia Amorim
Atualização:

A falta de uma lei para regulamentar as transições de governo pelo País afora, somada a disputas políticas acirradas, especialmente em cidades pequenas, transformou a posse de diversos prefeitos em momentos de muita confusão neste início de ano. Na Bahia, teve eleito que disse ter encontrado uma cobra no gabinete. No Ceará, houve denúncia de sumiço do livro de transmissão de cargo. O caso mais emblemático dos transtornos que essa lacuna legal pode causar deu-se em Bujari, município a 28 quilômetros de Rio Branco (AC). No dia 2, primeiro dia útil de trabalho, o prefeito João Edvaldo Teles de Lima (PMDB) deparou-se com o hall da prefeitura sujo de fezes, pratos com restos de comida em cima da mesa no gabinete, garrafas e lixo espalhados por todo o prédio e, em meio à sujeira, documentos públicos. "Foi uma situação deprimente. Parecia que a prefeitura havia sido sede de uma festa de fim de ano de clube", disse o assessor jurídico da atual gestão, Gilson Pescador. Diante do cenário, o prefeito despachou debaixo de uma árvore na frente do prédio. Um mutirão foi feito para higienizar a prefeitura. A transição foi bastante conturbada na cidade. Segundo o assessor, sacos cheio de documentos tiveram de ser guardados na delegacia. "Havia a ameaça de sumiço", afirmou Pescador. O ex-prefeito Michel Marques (PT ) não foi localizado pela reportagem. Para evitar que situações como essa se repitam na próxima sucessão, a Presidência da República prepara uma lei que dará caráter institucional às transições, não apenas no âmbito federal, mas também em Estados e municípios. O projeto deve ser encaminhado ao Congresso ainda neste ano. A iniciativa, entretanto, terá de ser feita de forma a não ferir a autonomia dos Estados e municípios, prevista na Constituição, sob pena de naufragar no Congresso ou acabar anulada na Justiça. No geral, a queixa mais recorrente de quem assume é a falta de informações sobre a administração, seja por má vontade do antecessor ou porque computadores sumiram ou arquivos foram apagados. LIVRO Em São Benedito, a 330 quilômetros de Fortaleza (CE), a equipe do atual prefeito, Junior Brandão (PMDB), denunciou o desaparecimento do livro de transmissão de cargo. "Até hoje não o achamos. Criamos uma comissão para apurar o paradeiro", contou o secretário de Administração, Rômulo Gurgel. O antecessor, Haroldo Maciel (PC do B), reagiu: "O livro estava no gabinete à disposição deles. Isso é uma farsa montada para decretar estado de emergência no município e fazer contratos sem licitação", reagiu. Mais curioso foi o ocorrido em Almadina (BA). O empossado José Raimundo Laudano Santos (PMDB) encontrou uma cobra debaixo da mesa ao entrar no gabinete na sexta-feira. "Não podemos acusar ninguém, mas temos certeza de uma coisa: essa cobra não entrou sozinha. Não há nenhum matagal aqui perto, tem várias portas até chegar ao gabinete e elas estão bem ajustadas", disse Dalton Luiz Almeida, assessor do prefeito. Mas a confusão em Almadina não parou por aí. Para entrar no prédio, a equipe eleita conta que teve de ir atrás de um funcionário para conseguir as chaves da prefeitura. "Não houve transição aqui", diz Almeida. A disputa eleitoral não foi nada tranquila. Santos venceu por quatro votos de diferença o candidato do governo e chegou a pedir escolta da polícia na campanha. A reportagem telefonou para a casa do ex-prefeito Williams Cunha Santana (PTB), mas não encontrou ninguém durante todo o dia. Percalços na troca de cargos não acontecem apenas nos grotões. Em Botucatu, a 230 quilômetros de São Paulo, a situação encontrada pela nova administração, embora menos grave, também é curiosa: os móveis do gabinete do prefeito estavam todos sem gaveta. Também chamou a atenção o péssimo estado de conservação do local, com forro solto e fiação exposta. O prefeito João Cury Neto, logo no primeiro dia, chamou os bombeiros para uma vistoria. FRASES Gilson Pescador Assessor de Bujari (AC) "Parecia que a prefeitura havia sido sede de uma festa de fim de ano de clube" Dalton Luiz Almeida Assessor de Almadina (BA) "Essa cobra não entrou sozinha no gabinete, porque não tem nenhum matagal aqui perto"

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